Previsto para esta semana o lançamento nos cinemas de “Sagrado Segredo”, filme do diretor André Luiz Oliveira. Seu tema e cenário principal é a Via Sacra, mega espetáculo de Semana Santa realizado todos os anos na cidade de Planaltina, nas imediações de Brasília
3 DE AGOSTO DE 2012 ÀS 11:37
Por Luis Pellegrini
Na Bíblia, sagrado segredo é algo que se origina de Deus e que é retido por Ele até que chegue o tempo devido para a sua revelação. Mesmo assim, ela é feita apenas àqueles a quem Ele escolhe como dignos e aptos a receber aquela iniciação. São muitos os sagrados segredos bíblicos. Há, por exemplo, o da Jerusalém Celestial, o do Cordeiro de Deus, o do Trono de Jeová, o da Devoção Piedosa, o do Sagrado Coração. No Livro do Apocalipse, aparece o sagrado segredo de Babilônia, a Grande – nome e epíteto de uma mulher belíssima, porém traiçoeira, também conhecida como A Grande Meretriz, que surge sentada sobre uma besta de sete cabeças e dez chifres.
Exegetas da Bíblia dizem que ela simboliza o advento de uma era terrível em que o mundo seria invadido e dominado por falsas religiões e falsos sacerdotes, por falsos valores morais e filosóficos, por falsos líderes e governantes, falsos prazeres, falsas celebridades, falsos afetos e falsos pensamentos. Um mundo virado de pernas para o ar, portanto, muito parecido ao mundo em que estamos vivendo. Nesse mundo e nesse tempo, que os indianos chamam de “Kali Yuga”, a Era de Kali, a deusa da destruição e da transformação, a alguns é dado receber de Deus fragmentos das grandes verdades da sabedoria universal. São esses lampejos da glória divina, que aparecem na forma de sagrados segredos, que permitem a subsistência da alma a alguns poucos “escolhidos”. Escolhidos, sim, não por capricho aleatório da Divindade, mas simplesmente por serem sensíveis o bastante para captar essas fulgurações que pipocam continuamente aqui e ali, através dos meios e das situações mais inusitadas, sem quase nunca anunciar sua chegada.
O próprio Cristo, nos Livros de Marcos, Mateus e Lucas, orienta seus discípulos arespeito: “A vós tem sido dado o sagrado segredo (em grego: mysterion) do reino de Deus, mas, para os de fora, todas as coisas ocorrem em ilustrações, a fim de que, olhando, olhem mas não vejam, e, ouvindo, ouçam mas não compreendam o sentido disso, nem jamais se voltem e se lhes dê perdão.”
Foi inspirado na ideia-força dos mistérios do reino de Deus que o cineasta André Luiz Oliveira concebeu seu novo e belíssimo filme que tem por título, justamente, “Sagrado Segredo”.
André Luiz de Oliveira e Amit Goswami
Também são muitos, nesta obra de André Luiz, os sagrados segredos. O primeiro deles se desvela logo na sequência inicial (que também será utilizada para o final do filme): um longo carro acompanha o rosto de um menino que, levado pela mãe, visita pela primeira vez uma igreja católica. Nas paredes, pregados, estão os quadros de uma clássica Via Sacra, com todas as suas cenas de calvário, açoites e flagelações, coroa de espinhos, insultos, sangue, suor e lágrimas, até se chegar à crucificação. O garoto, de rara beleza, vê cada uma daquelas cenas do caminho ao Gólgota com um olhar que, por si só, já valeria o filme. O olhar misto de horror e maravilha que toda criança tem quando, pela primeira vez, contempla algo que lhe roubará a inocência para todo o sempre.
O cenário principal do filme é a Via Sacra de Planaltina, nas proximidades da capital federal Brasília, mega espetáculo de Semana Santa que se transformou numa das mais importantes manifestações de fé e arte popular do Brasil. Diferentemente de outros eventos do gênero, que contam com a participação de artistas profissionais, a Via Sacra de Planaltina é encenada anualmente pela própria população da cidade, atraindo mais de 120 mil espectadores que a acompanham emocionados durante um dia inteiro.
Como aquele menino que penetra na Igreja na sequência inicial, a câmera do cineasta, escondida nas mãos de personagem histórico, penetra no teatro da representação, tímida no início, tateando na penumbra em busca de pontos de referência, totalmente à vontade a partir de um certo ponto, como se percebesse que ela não é intrusa, mas também faz parte daquele imenso drama cósmico. Os pontos de referência são os grandes personagens do martírio de Cristo que, um a um, aparecem e se manifestam, quais sombras de um passado redivivo. Nele estão Herodes e Pilatos, Anás e Caifás, Maria Madalena e Maria, mãe de Jesus, Simão Pedro e Judas, Barrabás e os dois ladrões. Sobretudo, nele estão o Cristo e o povo da Judéia – o verdadeiro juiz e carrasco que condenou e executou Jesus.
São imagens de força e grandeza, sem dúvida, e André Luiz Oliveira sabe tirar bom partido de toda essa riqueza cenográfica e de figuras humanas. Mas seu interesse mostra-se acentuado na hora de gravar depoimentos de atores que interpretam personagens da Via Sacra de Planaltina. O diretor tem bom faro e percebe que tais depoimentos desvelam mais um dos sagrados segredos contidos em seu filme: o mistério da Imitação de Cristo. Muito mais do que lendo relatos da história de sua vida, muito mais do que estudando intelectualmente suas ideias místicas e filosóficas, e as de seus discípulos e seguidores, é através da imitação que a interação com Cristo se torna mais fácil, rápida e efetiva.
Não à toa esse mistério tornou-se, hoje, um dos pilares básicos da moderna psicoterapia. A alma (a psique) humana não consegue distinguir entre a experiência objetiva e a subjetiva. Para o aprendizado, o desenvolvimento e a cura da nossa psique tanto faz se a experiência acontece no plano concreto da realidade objetiva, ou se ela acontece no plano subjetivo da fantasia, do sonho, da imaginação. Assim sendo, a representação teatral, espaço-tempo onde à criatividade é permitido reinar, onde qualquer situação fictícia se nos parece real e verídica, torna-se o foro privilegiado para que nossa psique viva com segurança as mais extraordinárias aventuras.
É por isso que, como vemos em “Sagrado Segredo”, a atriz amadora que interpreta Maria Madalena pode declarar sem erro que, durante a representação, ela “é” Maria Madalena. O mesmo fazem os atores de Pilatos, Pedro e João. O mesmo faz o ator que carrega nos ombros a cruz de Jesus Cristo. O mesmo faz o imenso público que, contrito e fascinado, acompanha cada passo daquele Homem em direção ao alto do monte onde será crucificado.
O público de O Sagrado Segredo em Planaltina
É fascinante observar os rostos dos espectadores da Via Sacra de Planaltina captados pela câmera de André Luiz à medida que a história avança. Tanto o aspecto físico dessas cabeças brasileiras, quanto as expressões que demonstram, são completamente fora do tempo. Da mesma forma que os personagens principais da história do calvário, todos aqueles espectadores parecem diretamente saídos dos tempos bíblicos para testemunhar, milênios depois, no Planalto Central do Brasil, a mesma história de horror e glória que há dois mil anos nos acompanha e persegue. A isto dá-se o nome de milagre do teatro, rito do qual o cinema é a versão mais atualizada.
Claro, a experiência humana das coisas é sempre pendular, oscilando entre o real e o imaginário, o sagrado e o profano, a luz e a sombra. “Sagrado Segredo” não foge a essa contingência. Intercaladas entre os voos mágicos da paixão de Cristo, aparecem cenas onde diretor, roteiristas e toda a equipe do filme debatem e discutem os rumos das coisas. E também aí aparece um sagrado segredo, na forma do choque criativo que costuma acontecer entre a vivência puramente emocional, afetiva e intuitiva das coisas, e a subsequente apreciação crítica, política e intelectual dessas mesmas coisas. Notável a briga entre os personagens que interpretam, de um lado, o diretor – sempre pronto a mergulhar no transe sensitivo da história filmada -, e uma roteirista – desejosa de enquadrar toda a história dentro dos cânones políticos da Teologia da Libertação. É a guerra eterna da alma e do ego... Ambos vêem a mesma coisa, porém de ângulos opostos.
A ressaltar, no filme, a presença e as falas do físico indiano Amit Goswami. Ao estabelecer os paralelos, as interações e as identidades que existem entre os ensinamentos do Cristo e as ideias da física quântica, Goswami aponta os rumos futuros do próprio cristianismo e dos demais sistemas religiosos que irão perdurar no futuro. Todos eles, para sobreviver, terão de casar e integrar em suas doutrinas dois fatores igualmente importantes e complementares: a fé e a ciência. Esta é, possivelmente, a mais alvissareira mensagem do filme: o seu sagrado segredo mais cheio de esperança.
Vídeo:
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/72300/Sagrado-Segredo-a-Via-Sacra-segundo-Andr%C3%A9-Luiz-Oliveira.htm