Machado de Assis 2

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Obra

Crítica

Capa de Ressurreição, primeiro romance do autor, convencional aos estilos da época.
Capa de Ressurreição, primeiro romance do autor, convencional aos estilos da época.
Volume de Memórias Póstumas de Brás Cubas dedicado pelo próprio autor para a Biblioteca Nacional
Volume de Memórias Póstumas de Brás Cubas dedicado pelo próprio autor para a Biblioteca Nacional
Em sua História da Literatura BrasileiraJosé Verissimo dedica-se a um capítulo inteiro para tratar de Machado de Assis e lhe separa duas fases de sua obra: uma ligada àescola romântica (ou aos convencionalismos da época) e outrarealista.[106] Os romances da primeira fase seriam Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876),Iaiá Garcia (1878), enquanto que os da segunda seriam todos os outros restantes de sua carreira, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881),Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó(1904) e Memorial de Aires (1908), pertencentes ao Realismo. Embora esta divisão seja ortodoxa entre os acadêmicos, o próprio Machado escrevera numa apresentação de uma reedição de Helena que este romance e os outros de sua fase "romanesca" possuíam um "eco de mocidade e fé ingênua."[107]
Contos Fluminenses (1872) e Histórias da Meia Noite (1873), consecutivamente, são posicionados em sua primeira fase, e Ocidentais (1882), ao lado de Histórias sem Data (1884), Várias Histórias(1896), Páginas Recolhidas (1899), e Relíquias da Casa Velha (1906), na segunda.[108] Seus dois primeiros livros de estreia, Crisálidas (1864) e Falenas (1870), são poéticos. Vinte e dois poemas, escritos entre 1858 e 64, compunham este primeiro livro. Há nestes poemas todos uma emoção"menos desbordante" que o comum lirismo da literatura brasileira.[109] As Crisálidas eram inspiradas por intensas emoções amorosas ou pelo belo do feminino; os tercetos de "No Limiar" e osalexandrinos de "Aspiração" prefiguram os temas subjetivos e sentidamente idealizados de suasOcidentais de 1882, embora não apresentassem excesso de sentimentalismo ou exagero deidealismo mas estremes da oratória.[110] Os dois livros poéticos embebiam-se dos cânones românticos, mas não se filiavam à natureza tropical do país.[111] Três anos antes destas duas publicações, Machado estreava como dramaturgo com a comédia Desencantos e a sátira Queda que as Mulheres Têm para os Tolos (tradução do livro de Victor Hénaux).[32] Após 1866, a produção poética e teatral, outrora frequente, torna-se escassa.[112]
Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferente páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. E claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.
— Apresentação de Machado de Assis a uma reedição de Helena, em que fala sobre a mudança de seu estilo literário.[113]
Liberto da "Escola Romântica" ou do "convencionalismo", como prefere a crítica moderna,[17]Machado assume uma posição mais madura de sua carreira e compõe sucessivamente o que seriam todas as suas principais obras. A brusca mutação do autor é estudada pelos biógrafos juntamente com sua suposta "crise espiritual dos 40 anos" e da estadia que tivera de fazer para Nova Friburgo após a morte da esposa.[114]Apesar dessa sua segunda fase ser chamada "realista", críticos modernos argumentam que, ao contrário dos realistas, "que eram muito dependentes de um certo esquematismo determinista, Machado não procura causas muito explícitas ou claras para a explicação das personagens e situações".[115] Além disso, Machado criticava filosofias como o determinismo e ocientificismo da segunda metade do século XIX, fazendo com que suas obras não se encaixem perfeitamente nos pressupostos estéticos do Realismo.[116]
Após Memórias Póstumas de Brás Cubas, sucede-se diversas escritas de contos cuja estética é vista como "mais madura" e cujos temas são mais ousados.[117] "A Causa Secreta", "Capítulos dos Chapéus", "A Igreja do Diabo" e "Pai Contra Mãe" fazem parte desta fase. Iniciou sua carreira como contista em 1858, com "Três Tesouros Perdidos", e seguiu no ramo escrevendo contos em climas de tensões e de intensidade nos acontecimentos.[118] Por vezes seus contos são anedóticos, como em "A Cartomante", onde existe um final surpreendente, ou moderno, com o simples flagrante de um cotidiano, como em "Conto de Escola", ou de caráter, como em "Um Homem Célebre" ou em "O Espelho", que busca traçar "tipos humanos determinados em ideias fixas".[118] Escrevendo prolificamente conto e romance, surgiu o debate se Machado de Assis era mais genial em um ou em outro. Em 1882, publica O Alienista, que para alguns trata-se de conto, enquanto que para outros é uma novela.[118] É eminente, contudo, diferenciar a forma dos dois gêneros em Machado: seu romance "procura representar o mundo como um todo: persegue a espinha dorsal e o conjunto da sociedade", enquanto que seu conto "é a representação de uma pequena parte desse conjunto, mas não de qualquer parte, e sim daquela especial de que se pode tirar algum sentido."[119] Em sua produção final, publicou o "diplomático romance" Memorial de Aires e a peça teatral Lição de Botânica.[120]

Estilo

A obra de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas literárias dominantes de seu tempo. Os acadêmicos notam cinco fundamentais enquadramentos em seus textos: "elementos clássicos" (equilíbrio, concisão, contenção lírica e expressional), "resíduosromânticos" (narrativas convencionais ao enredo), "aproximações realistas" (atitude crítica,objetividade, temas contemporâneos), "procedimentos impressionistas" (recriação do passado através da memória), e "antecipações modernas" (o elíptico e o alusivo engajados a um tema que permite diversas leituras e interpretações).[121]
Se, por um lado, os realistas que seguiam Flaubert esqueciam do narrador por detrás da objetividade narrativa, e os naturalistas, à exemplo de Zola, narravam todos os detalhes do enredo, Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor, comentando seu próprio romance com filosofiasmetalinguagensintertextualidade.[122] Em tom absolutamente não-enfático, neutro, sem retórica, as obras de ficção machadianas possuem na maior parte das vezes um humorreflexivo, ora amargo, ora divertido.[122] De fato, uma de suas características mais apreciadas é aironia, que os estudiosos consideram a "arma mais corrosiva da crítica machadiana".[123] Num processo próximo ao do "impressionismo associativo", há de certo uma ruptura com a narrativa linear, de modo que as ações não seguem um fio lógico ou cronológico, mas que é relatado conforme surgem na memória das personagens ou do narrador.[124] Sua mensagem artística se dá por meio de uma interrupção na narrativa para dialogar com o leitor sobre a própria escritura do romance, ou sobre o caráter de determinado personagem ou sobre qualquer outro tema universal, numa organização metalinguística que constituía seu principal interesse como autor.[124]

Otelo e Desdêmona por Muñoz Degrain, 1881, é um retrato do dramaOtelo de William Shakespeare: correlação arquétipa com o ciúme do Bentinho de Dom Casmurro.
Machado de Assis, como exímio intelectual e leitor, atribui a sua obra caráteres de arquétipos. Os irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó, por exemplo, remontam ao arquétipobíblico da rivalidade entre Esaú e Jacó,[125] mas dessa vez personificando a nova República e a já "despedaçada" Monarquia,[126] enquanto a psicose do ciúme de Bentinho em Dom Casmurro aproxima-se do drama Otelo de William Shakespeare.[127] Os acadêmicos também notam a constante presença do pessimismo. Suas últimas obras de ficção assumem uma postura desencantada da vida, da sociedade, e do homem. Crê-se que não acreditava em nenhum valor de seu tempo e nem mesmo em algum outro valor e que o importante para ele seria desmascarar ocinismo e a hipocrisia política e social.[127] O capítulo final de Memórias Póstumas de Brás Cubas é exemplo cabal do pessimismo que vigora na fase madura de Machado de Assis e do narrador morto:
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
— Memórias Póstumas de Brás CubasCapítulo CLX[128]
Sua preocupação no psicologismo das personagens obrigavam-no a escrever numa narrativa lenta que não prejudicasse o menor detalhe para que este não comprometesse o quadro psicológico do enredo.[129] Sua atenção desvia-se comumente do coletivo para ir à mente e à alma do ser humano — fator denominado "microrrealismo".[129] Por conta destas características, Machado criou um estilo enxuto que os acadêmicos chamam de "quase britânico".[129] Sua economia vocabular é rara na literatura brasileira, ainda mais se procurada em autores como Castro AlvesJosé de Alencar ouRui Barbosa, que tendem ao uso imoderado do adjetivo e do advérbio.[129] Embora enxuta, não era adepto de uma linguagem mecânica ou simétrica, e sim medida por seu ritmo interior.[129]

Temática

A temática de Machado envolve desde o uso de citações referentes a eventos de sua época até os mais intricados conflitos da condição humana. É capaz de retratar desde relações implicitamentehomossexuais e homoeróticas, como no conto "Pílades e Orestes",[130] até temas mais complexos e explícitos como a escravidão sob o ponto de vista cínico do senhor de escravos, sempre criticando-o de forma oblíqua.[131] Sobre a escravidão, Machado de Assis já havia tido uma experiência familiar, quer por seus avós paternos terem sido escravos, quer porque lia os jornais com anúncios de escravos fugitivos.[132] Em seu tempo, a literatura que denunciava crenças etnocêntricas que posicionavam os negros no último grau da escala social era distorcida ou tolhida, de modo que este tema encontra uma grande expressividade na obra do autor.[133] A começar, as Memórias Póstumas de Brás Cubas narra o que seria uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo: o negro liberto compra seu próprio escravo para tirar sua desforra.[131]

Pelourinho por Jean-Baptiste Debret, retrata a escravidão no Brasil de Dom Pedro II: Machado de Assis escrevia sobre a dissimulação na relação senhor e escravo.[133]
Outras obras notáveis, como Memorial de Aires, ou a crônica Bons Dias! de maio de 1888, ou o conto "Pai Contra Mãe" (1905), expõem explicitamente as críticas à escravidão.[131] Esta última é uma obra pós-escravidão, como podemos notar na frase de início: A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos [...][134] Um destesofícios e aparelhos a que Machado refere-se é o ferro que prendia o pescoço e os pés dos escravos e a máscara de folha-de-flandres. O conto é ainda uma análise de como o fim da escravidão levara estesaparelhos para a extinção, mas não levou a miséria e a pobreza.Roberto Schwarz escreve que "se grande parte do trabalho era exercido pelo sescravos, restava aos homens livres trabalhos mal remunerados e instáveis."[135] Schwarz nota que tal dificuldade dos homens livres, somada às relações dependentes que estes homens traçarão para sua sobrevivência, são grandes temas no romance machadiano.[135] Para Machado, o trabalho acabaria com as diferenças impostas pela escravidão.[136]
Castro Alves escrevia sobre a violência explícita a que os escravos estavam expostos, enquanto Machado de Assis escrevia as violências implícitas, como a dissimulação e a falsa camaradagem na relação senhor e escravo.[133] Este mesmo caráter dissimulativo também é encontrado em sua ótica acerca da República e da Monarquia. Um de seus últimos romances, Esaú e Jacó, é considerado uma alegoria sobre as duas formas de governo e, principalmente, sobre a substituição de um pelo outro em território nacional.[137] Numa das linhas da obra, os irmãos Paulo, republicano, e Pedro, monarquista, discutiam a proclamação da República; o primeiro, que admirava Deodoro da Fonseca, afirmava que Podia ter sido mais turbulento. enquanto Pedro afirmava: Um crime e um disparate, além de ingratidão; o imperador devia ter pegado os principais cabeças e mandá-los executar. (...)[138] Ambos avultam o fato de o regime ter sido mudado por um golpe de estado, sembarricadas nem participação popular.[138]

Mulheres na revista A Estação, 1884. Os livros de Machado possuem notáveis personagens femininas.

A Origem das Espécies, 1859, de Charles Darwin: o "Humanitismo" de Machado de Assis ironiza a "lei do mais forte" de Darwin.
Outra temática notada pelos acadêmicos na obra machadiana é afilosofia que lhe é peculiar. Há em sua obra um constante questionamento sobre o homem na sociedade e sobre o homem diante de si próprio.[139] O "Humanitismo", elaborado pelo filósofo Joaquim Borba dos Santos em Quincas Borba, constitui-se da ideia "do império da lei do mais forte, do mais rico e do mais esperto".[139] Antonio Candido escreveu que a essência do pensamento machadiano é "a transformação do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica e espiritual."[140] Os críticos notam que o "Humanitismo" de Machado não passa de uma sátira ao positivismo de Auguste Comte e ao cientificismo do século XIX, bem como a teoria de Charles Darwin acerca da seleção natural.[141] Seu Quincas Borba apresenta um conceito onde "a ascensão de um se faz a partir da anulação do outro"[142] e que, em essência, constitui a vida inteira do personagem Rubião, que morre desagregado e crendo ser Napoleão.[143]Desta forma, a teoria do "ao vencedor, as batatas" seria uma paródia à ciência da época de Machado; sua divulgação seria uma forma de desnudar ironicamente o caráter desumano e anti-ético do pensamento da "lei do mais forte".[141]
Aos moldes do Naturalismo, Machado de Assis também retratava a sociedade de forma coletiva.Roberto Schwarz propôs que A Mão e a LuvaHelenaIaiá Garcia e Ressurreição são romances sobre tradições, casamento, família ligadas ao homem e à mulher.[144] A mulher tem papel fundamental no texto machadiano. Tanto em sua fase romântica, com Ressurreição, onde ele descreve o "gracioso busto" da personagem Lívia, até sua fase realista, onde nota-se uma fixação pelo olhar dúbio de Capitu em Dom Casmurro.[145] Suas mulheres são "capazes de conduzir a ação, apesar do predomínio da trama romanesca não ter se esvaziado."[146] As personagens femininas de Machado de Assis, ao contrário das mulheres de outros românticos — que faziam aheroína dependente de outras figuras e indisposta à ação principal na narrativa — são extremamente objetivas e possuem força de caráter: a já citada Lívia de Ressurreição é quem culmina no rompimento de seu caso com o personagem Félix e é da Guiomar de A Mão e a Luvade quem parte a procura por Luiz Alves, que satisfará suas ambições, assim como a heroína deHelena deixa-se morrer para não se passar como aventureira e, por fim, a Estela de Iaiá Garcia, que conduz a ação e promove o destino dos demais personagens.[146]

Crítica literária

José de Alencar chamou Machado de Assis "o primeiro crítico brasileiro".[64] De fato, o escritor foi um prolífico analisador da literatura de sua época antes mesmo de Sílvio Romero. Além de percorrer e analisar as obras publicadas em sua época, ele escrevia sobre a literatura vigente.Mário de Alencar escreve que Machado começou como crítico antes mesmo de ser romancista: pretérito a Ressurreição (1872), suas críticas iniciaram-se em 1858.[147] Estes textos circularam exclusivamente em jornais e revistas — A MarmotaA Semana IlustradaO Novo MundoCorreio MercantilO CruzeiroGazeta de NotíciasRevista Brasileira — até 1910, quando Alencar reuniu estes textos num volume.[148] Segundo Machado de Assis, para o crítico efetuar o julgamento de uma obra, "cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção."[149]

Eça de Queirós, com seuPrimo Basílio, foi criticado por Machado por ter "suprimido aestética".
Em críticas poéticas, preocupou-se, portanto, com a métrica, overso e com a "sensibilidade" e o "sentimento" do poeta. Quanto àLira dos Vinte Anos (1853) de Álvares de Azevedo, Machado destacou a imaginação vigorosa e o talento robusto do poeta que morreu muito jovem mas que deixou uma obra de "seiva poderosa".[150] Na prosa, destaca seu enredo e desenvolvimento. Elogiou as obras O Guarani (1857) e Iracema (1865) de José de Alencar, chamando-lhes de "poemas em prosa".[151] Machado reprovava o recurso inverossímil ou fortuito na trama prosaica — e este foi um dos motivos de criticar severamente O Primo Basílio(1878) de Eça de Queirós, razão pela qual foi alvo de ataques de colegas e outros críticos brasileiros que haviam aceitado a obra.[152]Por um outro lado, preconizava a simplicidade, e por isto elogiou asCenas da Vida Amazônica (1899) do colega José Veríssimo.[153]Embora desse valor a estas características, era explicitamente avesso à rotulação de teorias, escolas ou estilos artísticos; criticava a ligação de Eça com o Realismo, ao pedir: "Voltemos os olhos para a realidade, mas excluamos o realismo; assim não sacrificaremos a verdade estética."[154] Também reprovava em Eça a descrição naturalista das cenas de adultério, ao escrever: "essa pintura, esse aroma de alcova, essa descrição minuciosa, quase técnica, das relações adúlteras, eis o mal."[155]

Garrett, onde Machado celebrou a literatura mas não a política.
Seus escritos críticos culminaram numa análise comparativa entre literatura e política. Em geral, por exemplo, na resenha "Garrett" (1899), celebrou o escritor que havia em Almeida Garrett, mas desprezou a política que havia nele.[156] Do mesmo modo, na resenha de 1901 sobre Pensées détaches et souvenirs, Machado comemorou o fato de a política não ter ofuscado a obra do colegaJoaquim Nabuco.[157] E, no entanto, Machado de Assis aderiu à questão da nacionalidade que a geração de 1870 questionava fortemente. Escreveu o artigo "Literatura brasileira: instinto de nacionalidade" (1873).[158] O artigo analisa praticamente todos os gêneros a que a literatura nacional aderiu durante os séculos. Concluiu que o teatro é praticamente ausente, falta uma crítica literária elevada, a poesia se orienta pela "cor local" mas ainda é débil, a língua é por demais influenciada pelo francês, mas o romance, por sua vez, "já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala."[159] Machado acreditava que o escritor brasileiro precisaria unir o universalismo com os problemas e os eventos do país, num sistema que Schwarzdefiniu como "dialética do local e do universal".[160] Entre as críticas já detalhadas, também analisouJunqueira FreireFagundes Varela, entre outros.[160]
Tem surgido a questão entre os estudiosos de Machado se ele não começou a escrever romances por conta da crítica. O estudioso Luis Costa Lima aventa a hipótese de que se Machado houvesse insistido no exercício da crítica teria tido dificuldades de circulação e produção literárias naquele ambiente sócio-cultural.[161] Mário de Alencar, contudo, não sentia-se por inteiro satisfeito com o crítico literário Machado de Assis: "Suscetível, suspicaz, delicado em extremo, receava magoar ainda que dizendo a verdade; e quando sentiu os riscos da profissão, já meio dissuadido da utilidade do trabalho pela escassez da matéria, deixou a crítica individualizada dos autores pela crítica geral dos homens e das coisas, mais serena, mais eficaz, e ao gosto do seu espírito."[162]Sobre a literatura de seu tempo, Machado afirmava que as obras de Basílio da Gama e de Santa Rita Durão "quiserem antes ostentar certa cor local do que tornar independente a literatura brasileira, literatura que não existe ainda, que mal poderá ir alvorecendo agora."[163]

Especulações sobre Machado

Política


Que é a política senão obra de homens?
—Machado de Assis.[164]
Machado de Assis pôde assistir, ao longo do século XIX e no começo do século XX, a alterações vastas e decisivas no cenário internacional e nacional, nos costumes, nas ciências da natureza e da sociedade, nas técnicas e em tudo o que entende com o progresso material. Alguns estudiosos supõem, no entanto, que as crenças atribuídas a Machado de Assis como um escritor engajado são falsas e que ele não esperava nada ou quase nada da história e da política.[165] Por exemplo: quanto às guerras e os conflitos políticos de sua época, dá de ombros, ao escrever:
"Guerras africanas, rebeliões asiáticas, queda do gabinete francês, agitação política, a proposta de supressão do senado, a caixa do Egito, o socialismo, a anarquia, a crise europeia, que faz estremecer o solo, e só não explode porque a natureza, minha amiga, aborrece este verbo, mas há de estourar, com certeza, antes do fim do século, que me importa tudo isso? Que me importa que, na ilha de Cretacristãos e muçulmanos se matem uns aos outros, segundo dizem telegramas de 25? E o acordo, que anteontem estava feito entre chilenos e argentinos, e já ontem deixou de estar feito, que tenho eu com esse sangue e com o que há de correr?"[166]
Por outro lado, Machado foi um grande comentador dos casos que ocorriam com os políticos do país. Suas crônicas estão repletas destes comentários. Em 1868, por exemplo, D. Pedro II demitiu o gabinete liberal de Zacarias de Góis e substitui-o pelo gabinete conservador de Itaboraí. Grêmios e jornais liberais acusaram a atitude do imperador de bonapartista.[165] Machado testemunhou o ato com simpatia aos liberais;[167] de fato, era essa a sua "cor ideológica" ao longo dos anos 60. Em 1895, ao noticiar a morte de Joaquim Saldanha Marinho, liberal, maçom e republicano,[167]Machado escreveu: "Os liberais voltaram mais tarde, tornaram a sair e a voltar, até que se foram devez, como os conservadores, e com uns e outros o Império."[168] Sabe-se, também, que Machado era fervorosamente contra a escravidão. Em 1888, com a abolição da escravatura, sai às ruas em carruagem aberta, como escreveu numa crônica de A Semana:
"Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente [ Princesa Isabel ] sancionou, e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito, em carruagem aberta (...) Verdadeiramente, foi o único dia de delírio que me lembra ter visto."[169]
Em crônica de 22 de julho de 1894, intitulada "Canção de Piratas", também refere-se à Guerra de Canudos (1896-1897), apoiando Antonio Conselheiro de Canudos por seus legionários se indignarem com a realidade clichê e tediante da época, e escreve: "Jornais e telegramas dizem dos clavinoteiros e dos sequazes do Conselheiro que são criminosos; nem outra palavra pode sair de cérebros alinhados, registrados, qualificados, cérebros eleitores e contribuintes. Para nós, artistas, é a renascença, é um raio de sol que, através da chuva miúda e aborrecida, vem dourar-nos a janela e a alma. É a poesia que nos levanta do meio da prosa chilra e dura deste fim de século."[170]
Fundou em 1860 com seu cunhado Josefino Vieira o periódico O Jequitinhonha, por meio do qual teria difundido o ideal republicano.[171] No entanto, a República trouxe muitos desagrados a ele. Com o fim do Império, o jornalismo começou a dar mais atenção à companhias, aos bancos e àBolsa do que à arena parlamentar.[172] Neste breve período, o capitalismo brasileiro, mediado pelo Estado, "ensaiava temerariamente os primeiros passos no regime nascente", como escreveuRaimundo Faoro.[173] Sabe-se que Machado detestava o "vale-tudo do dinheiro pelo dinheiro".[172]Em crônica de 18, escreveu: "Prisões, que tenho eu com elas? Processos, que tenho eu com eles? Não dirijo companhia alguma, nem anônima, nem pseudônima; não fundei bancos, nem me disponho a fundá-los; e, de todas as coisas deste mundo e do outro, a que menos entendo, é o câmbio. (...) Finanças, finanças, são tudo finanças."[174]
Machado acreditava que o sonho poético de outrora estava se desfazendo com a modernização política. E, de certa forma, ele mesmo se desfazia: em 1900, envia uma carta a um colega discutindo se o que aparecia naquele determinado momento eram os "pés" do século XIX ou se já era a "cabeça" do século XX e ele afirma: "eu sou pela cabeça",[175] ou seja, "meu século já acabou".[176] Alfredo Bosi escreveu que o autor não via maus ou bons resultados na mudança do "despotismo milenar" ao "liberalismo dos reformadores turcos", mas que a "beleza da tradição" [monárquica ] sucumbia à "força das mudanças ideológicas".[177] Para Machado de Assis, enfim, tudo tinha sua mudança. Em crônica do dia 16 de junho de 1878, escreveu: "Os dias passam, e os meses, e os anos, e as situações políticas, e as gerações, e os sentimentos, e as ideias."[178]

Religião

Tem-se intensificado a tentativa de descobrir a religião de Machado de Assis. Sabe-se que na infância ajudava uma igreja local e que fora parcialmente educado em idiomas por um padre, o já citado Silveira Sarmento.[24] [25] Analisando sua obra, muitos críticos o colocaram ao lado de Otávio Brandão, crendo que ele era adepto absoluto do niilismo.[179] Outros o enxergavam como um perfeito ateu,[179] no entanto recebeu profunda influência de textos católicos (ver seção Leituras). De fato, a religião de Machado de Assis tornou-se tão obscura que talvez não haja outro método senão procurá-la em sua obra.

"Vi de um lado o Calvário, e do outro lado
Capitólio, o templo-cidadela.
E torvo mar entre ambos agitado,
Como se agita o mar numa procela. [...]"

—Machado de Assis (clique aqui para ler o poema)
Como poeta, escreveu três poemas correlacionados no que se refere à orações e ao antagonismo entre a Roma antiga, o Paganismo e a Cristandade: "", "O Dilúvio" e "Visão",[179] as duas primeiras publicadas em Crisálidas (1864) e a última emFalenas (1870). Alguns especialistas notam nestes três poemas que Machado vangloriava a  e a grandeza de Deus, mas num sentido mais poético erenascentista que doutrinário ou moralista.[179] Autores como Hugo Bressane de Araújo analisaram sua obra sob aspecto exclusivamente religioso, citando muito embora os dizeres de Machado ser "anti-clerical";[180] contudo, a mentalidade de Araújo limita-se a um pensamento religioso e não crítico literário, por ter sido bispo diocesano. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, há uma passagem em que Quincas Borba diz: "O Humanitismo há de ser também uma religião, a do futuro, a única verdadeira. O cristianismo é bom para as mulheres e os mendigos, e as outras religiões não valem mais do que essa: orçam todas pela mesma vulgaridade ou fraqueza. O paraíso cristão é um digno êmulo do paraíso muçulmano; e quanto ao nirvana de Buda não passa de uma concepção de paralíticos. Verás o que é a religião humanística. A absorção final, a fase contrativa, é a reconstituição da substância, não o seu aniquilamento, etc."[181] Entretanto, tal trecho não passa da fala de uma personagem fictícia, em que Quincas Borba tenta elevar sua própria religião, e mesmo o Humanitismo é apenas uma das invenções irônicas de Machado de Assis; Candido escreveu que a essência da crítica machadiana é "a transformação do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica e espiritual."[182]
Para entenderem mais a fundo suas convicções pessoais, os críticos analisam as crônicas publicadas nos jornais para entenderem melhor seu real pensamento. Em "Canção de Piratas", publicada naGazeta de Notícias em 22 de julho de 1894, apoia Antonio Conselheiro de Canudos por seus legionários se indignarem com a realidade clichê e tediante da época, e critica os métodos da Igreja: "O próprio amor é regulado por lei; os consórcios celebram-se por um regulamento em casa do pretor, e por um ritual na casa de Deus, tudo com a etiqueta dos carros e casacas, palavras simbólicas, gestos de convenção."[170] Além disso, no Rio de Janeiro de sua época, também sabe-se que o Espiritismo crescia expressivamente.[183] Numa suposta visita à Federação Espírita Brasileira, escrevera numa crônica na Gazeta de Notícias do dia 5 de outubro de 1885 onde relata uma supostaviagem astral que tivera.[184] Embora tenham surgido análises afirmando que Memórias Póstumas de Brás Cubas fosse um livro cujo estilo era influenciado pelo conceito de "psicografia",[185] críticos modernos acreditam que Machado encarava a religião espírita como todo movimento novo que possui a pretensão de se apresentar como solução dos males "não resolvidos" pelos seres humanos.[186]

Saúde

Para biógrafos ortodoxos, Machado de Assis possuía uma saúde muito frágil;[187] acredita-se que tenha nascido com epilepsia e gagueira,[37] e que desenvolveu ao longo de sua vida problemas nervosos, cegueiradepressão, e que teriam se agravado de após o falecimento da esposa.[188] As crises epilépticas teriam se iniciado na infância, tendo remissão na adolescência e recidivaram na terceira década, tornando-se mais frequentes nos últimos anos.[188] Na imagem abaixo, vê-se Machado sendo acudido próximo ao Cais Pharoux, em 1º de setembro de 1907, fotografia tirada porAugusto Malta,[189] [190] embora haja dúvidas de que seja realmente o escritor.[191]
Disfarçando a gagueira, conta-se que certa vez lhe notaram a dificuldade com que se expressava por conta das mordeduras na língua, ao que o escritor retrucou: "estas aftas, estas aftas..."[192] Quanto à epilepsia, crê-se que não a contou nem mesmo para Carolina antes do casamento até acometê-lo uma crise generalizada tônico-clônica que desde criança prefigurava como "umas coisas esquisitas" que não haviam se repetido até o casamento. Crê-se que o autor não tivesse tido até então uma crise típica.[193] Mesmo antes da morte de Carolina, em 1880 parcialmente perdeu a visão, tendo que ouvir a esposa ler-lhe textos de jornais ou livros.[193]

Machado é acudido na rua durante o que se supõe ser uma de suas crises de epilepsia; fotografia de Augusto Malta.[190]
Certos biógrafos dizem que ele não aludia sua enfermidade e nem lhe escrevia o nome, como em sua correspondência com o amigo Mário de Alencar: "O muito trabalhar destes últimos dias tem-me trazido alguns fenômenos nervosos..."[194] Para alguns, a censura da palavra "epilepsia" lhe fez excluí-la das edições ulteriores de Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas que deixaria escapar na edição primeira ao descrever o padecimento da personagem Virgília diante da morte do amante: Não digo que se carpisse; não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica..., que fora substituída por: Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa...[195]
Praticamente todos seus biógrafos fizeram o diagnóstico de epilepsia: Lopes (1981) sugeriu a ocorrência, muito comum pelo menos na última fase da vida, de crises psicomotoras, provavelmente decorrentes de foco temporal e da ínsula, enquanto Guerreiro (1992), utilizando conceitos da epileptologia atual, assinalou que sofria alterações da consciência, automatismos e confusão pós-crítica. Ambos autores chegaram à conclusão que as crises eram provenientes do lobo temporal direito.[196] Alguns indicam que um complexo de inferioridade acrescido de um grandeintrovertimento contribuíram para sua personalidade epileptóide.[97] Segundo A. Botelho, "o epiléptico nem sempre está irritado, porém se mostra com frequência apáticodeprimido e triste, com plena consciência de sua inferioridade social."[197] A epilepsia seria, definitivamente, um fardo para Machado. Carlos de Laet presenciou o que seria uma de suas crises públicas e descreveu-a assim:
"Estava eu a conversar com alguém na Rua Gonçalves Dias, quando de nós se acercou o Machado e dirigiu-me palavras em que não percebi nexo. Encarei-o surpreso e achei-lhe desmudada a fisionomia. Sabendo que de tempos em tempos o salteavam incômodos nervosos, despedi-me do outro cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um cordial na mais próxima farmácia e só o deixei no bonde das Laranjeiras, quando o vi de todo restabelecido, a proibir-me que o acompanhasse até casa." —Carlos de Laet[198]
Apesar dessas teses, críticos como Jean Michel Massa e Valentim Facioli afirmam que as enfermidades de Machado não passam de "mitos românticos". Para esse grupo, os biógrafos tendem a exagerar seus sofrimentos, o que seria fruto do "psicologismo que invadiu a crítica literária dos anos 30 e dos anos 40".[199] Argumentam que na época muitos negros eram guindados ao Ministério e que o próprio Machado foi subindo socialmente, o que desvalidaria a tese de sentimento de inferioridade.[200] Contudo, outros críticos conectam a saúde de Machado com sua obra. O conto "Verba Testamentária" de Papéis Avulsos descreve uma crise epiléptica ([...] tinha ocasiões de cambalear; outras de escorrer-lhe pelo canto da boca um fio quase imperceptível de espuma.),[201]enquanto que em Quincas Borba um dos personagens percebe que andava à toa, vertiginoso (Deu por si na Praça da Constituição.)[202] Memórias Póstumas de Brás Cubas conta em uma de suas linhas um problema nervoso em que o narrador vai andando conforme a perna lhe leva ([...] nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas que a fizeram),[203] enquanto que no poema Suave Mari Magno há explicitamente o uso da palavra "convulsão": Arfava, espumava e ria,/ De um riso espúrio e bufão,/ Ventre e pernas sacudia,/ Na convulsão. Alguns notam que o Bentinho de Dom Casmurro, por ter se tornado uma pessoa fechada, taciturna, mal-humorada, podia sofrer dedistimia,[204] enquanto que seu companheiro Escobar sofria de transtorno obsessivo-compulsivo e detiques motores, com possível controle sobre eles.[204] Em 1991, O Alienista foi visto como a primeira contribuição brasileira à anti-psiquiatria e a escrita de Machado, que faz inúmeras referências à problemas mentais de saúde, vista como uma extensão de seu "sentimento de inferioridade por sermulato, de origem pobre, órfão, e epiléptico".[205]
Acredita-se que Machado de Assis tenha consultado um homem da região, Dr. Miguel Couto, e este lhe indicou brometo. Parece que a droga ingerida foi ineficaz e que, causando efeitos indesejáveis, obrigou Machado a seguir o conselho de um dos amigos para descontinuar o tratamento e optar pelahomeopatia.[206] Em seus últimos dias, morreu com uma úlcera cancerosa na boca, provavelmente derivada de seus diversos tiques nervosos, e que lhe impedia de ingerir qualquer alimento sólido.[97]

Reputação crítica

"É grande, é imenso, o Machado. É o pico solitário das nossas letras. Os demais nem lhe dão pela cintura."
Monteiro Lobato[207]
Machado usufruiu de grande prestígio em vida, fato raro para um escritor na época.[20] [208] Desde cedo ganhou reconhecimento de Antônio de AlmeidaJosé de Alencar, que liam-no através de suas crônicas e contos nas revistas e jornais cariocas.[209][210] Em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas...Urbano Duarte escreveu que sua obra era "falsa, deficiente, sem nitidez, e sem colorido."[211] Com o impacto inovador do volume, Capistrano de Abreu questionava se o livro era mesmo um romance,[212] ao passo que um outro comentarista chamava-lhe "sem correspondência nas literaturas de ambos os países de língua portuguesa".[213]

Machado de Assis c. 1905, pintado por Henrique Bernardelli.
Em 1908, a publicação de História da Literatura Brasileira, deJosé Veríssimo, intensificou esta última perspectiva crítica posicionando Machado de Assis como o cume da literatura nacional.[214] [215] Veríssimo entrou em conflito intelectual comSílvio Romero, que também atribuía a Machado o título de maior escritor brasileiro, embora não notasse em seu trabalho uma maior expressividade.[216] O Brasil do fim do século XIX e o Brasil no início do século XX eram precários nos meiosgráficos e de difusão, todavia seus livros alcançaram distantes regiões do país: na primeira metade do século XX, intelectuais e escritores do Mato Grosso já liam Machado e apoiavam-se em seu estilo como grande influência estética.[217] Osmodernistas de 22, contudo, consideravam-no "artificioso, sem vida e fora da realidade cotidiana".[218] Mário de Andradeescreveu que, embora tenha produzido "apaixonante obra e do mais alto valor artístico", detestaria tê-lo por perto.[219]Enquanto Astrojildo Pereira preconizava o "nacionalismo" em Machado, Octávio Brandão criticava a falta do socialismo científico em sua obra.[220] Desta época, destaca-se também a crítica de Augusto Meyer, para quem o uso do homem subterrâneo na obra machadiana é um meio em que ele teria encontrado para relativizar todas as certezas.[221]
A revolução modernista durante o começo e o meio do século vinte aproveitou a obra de Machado em objetivos da vanguarda. Ela foi alvo de feministas da década de 1970, como Helen Caldwell, que enxergou a personagem feminina Capitu de Dom Casmurro como vítima das palavras do narrador-homem, mudando completamente a perspectiva que se tinha até então deste romance.[222] Antonio Candido escreveu que a erudição, a elegância e o estilo vazada numa linguagem castiça contribuíram para a popularidade de Machado de Assis.[223] Com estudos da sexualidade e a psique humana, bem como com o surgimento do existencialismo, atribuiu-se um certo psicologismo às suas obras, especialmente "O Alienista", muitas vezes comparando-as com as de Freud e Sartre.[139] [224] A partir dos anos 80 e seguinte, a obra machadiana ficou amplamente aberta para movimentos como apsicanálisefilosofiarelativismo e teoria literária,[225] [226] comprovando que é aberta a diversas interpretações e que nos últimos tempos tem crescido um grande interesse em sua obra.[227] [228]
Nos últimos tempos, com recentes traduções para outras línguas, Machado de Assis tem sido considerado, por críticos e artistas do mundo inteiro, um "gênio injustamente relegado à negligência mundial".[229] Harold Bloom o posicionou entre os 100 maiores gênios da literatura universal e "o maior literato negro surgido até o presente".[230] Sua obra tem sido estudada hoje em dia por críticos do mundo inteiro, tais como Helen Caldwell (Estados Unidos), John Gledson (Inglaterra), Anatole France (França), David Jackson (Estados Unidos), Victor Orban (França), Samuel Putnam (Estados Unidos), Edith Fowke (Canadá), Susan Sontag (Estados Unidos) e outros,[231] além de no Brasil serem conhecidos os nomes de Afrânio CoutinhoAlfredo BosiLúcia Miguel PereiraRoberto SchwarzRaimundo Faoro, etc. A crítica moderna confere a Machado de Assis o título de melhor escritor brasileiro de todos os tempos,[232] e sua obra é vista hoje em dia de fundamental importância para as universidades e a vida acadêmica em geral no país.

Leituras

Machado de Assis era um exímio leitor e, consecutivamente, sua obra foi influenciada pelas leituras que fazia. Após sua morte, seu patrimônio constituía, entre outras coisas, de aproximadamente 600 volumes encadernados, 400 em brochura e 400 folhetos e fascículos, no total de 1.400 peças.[233]Sabe-se que era familiarizado com os textos clássicos e com a Bíblia.[234] Em O Analista, Machado faz ligação à sátira menipeia clássica ao retomar a ironia e a paródia em Horário e Sêneca.[235] OEclesiastes, por sua vez, legou a Machado uma peculiar visão de mundo e foi seu livro de cabeceira no fim da vida.[236] [237]
Dom Casmurro é provavelmente a obra que mais possui influência teológica. Há referências a São Tiago e São Pedro, principalmente pelo fato de o narrador Bentinho ter estudado em seminário. Além disso, no Capítulo XVII Machado faz alusão a um oráculo pagão do mito de Aquiles e a ao pensamento israelita.[238] De fato, Machado dispunha de uma biblioteca abastecida com teologia: crítica histórica sobre religião, à vida de Jesus, ao desenvolvimento do cristianismo, à literatura hebraica, à história Muçulmana, aos sistemas religiosos e filosóficos da Índia.[237] Jean-Michel Massa realizou um catálogo dos livros da biblioteca do autor, que foi revisto em 2000 pela pesquisadora Glória Vianna, que constatou que 42 dos volumes da lista original de Massa estavam extraviados:[237]
  • 1. Les déicides: examen de la vie de Jésus et des développements de l´église chrétienne dans leurs rapports avec le judaïsme, de J. COHEN (1864).
  • 2. La science des religions, de Emile Burnouf (1872).
  • 3. Philosophie du droit ecclésiastique: des rapports de la religion et de l´État, de Adolphe Franck (1864).
  • 4. Le pape et le concile, de Janus (1864).
  • 5. L´Immaculée Conception - études sur l´origine d´un dogme, de A. Stap (1869).
  • 6. Histoire littéraire de l´Ancien Testament, de Theodor Nöldeke (1873).
  • 7. Historie du Mahométisme, de Charles Mills (1825).
  • 8. Chants populaires du sud de l´Inde, sem o nome do autor (1868).
  • 9. Pensées de Pascal (précédées de sa vie, par Madame Périer), de Blaise Pascal.
  • 10. A Bíblia, contendo o Velho Testamento e o Novo Testamento, traduzida em português porAntónio Pereira de Figueiredo, segundo a Vulgata Latina (1866).
Machado também lia seus contemporâneos; admirava o realismo "sadio" e "colorido" de Manuel Antônio de Almeida e a "vocação analítica" de José de Alencar.[234] Ele também leu Octave Feuillet,Gustave FlaubertBalzac e Zola, mas sua maior influência advém daliteratura inglesa, sobretudo Sterne e Jonathan Swift.[239] Adepto do romance da Era vitoriana, era oposto à libertinagem literária do século anterior e vinculado às litotes no vocabulário e no desenvolvimento narrativo.[239] Sua obra também possui uma variedade de citações e correlações com quase todas de Shakespeare, notavelmente Otelo,HamletMacbethRomeu e JulietaO Estupro de Lucrécia e Como Gostais.[240] Os escritores Sterne, Xavier de Maistre e Garretconstituem a gama de autores que mais influenciaram a obra madura de Machado, sobretudo os capítulos 55 e 139 pontilhados, ou os capítulos-relâmpago (como 102,107,132 ou 136) e o garrancho da assinatura de Virgília no capítulo 142 das Memórias Póstumas de Brás Cubas.[241] Suas maiores influências na sátira e na forma narrativa livre, contudo, não advém da Inglaterra — mas da França. A "maneira livre" que Machado se refere nas linhas iniciais deste romance é uma afirmação explícita de Maistre, que lhe legou uma "narrativa caprichosa, digressiva, que vai e vem, sai da estrada para tomar atalhos, cultiva o a- propósito, apaga a linha reta, suprime conexões".[242] De fato, Viagem à Roda do Meu Quarto (1794) fez com que Machado optasse por capítulos mais curtos do que aqueles produzidos em seu primeiro ciclo literário.[241]
Outros estudiosos também citam o nome de filósofos, comoMontaignePascal e Schopenhauer. Este primeiro, com seus Essais(1580), apresentou a Machado a concepção do "homem diante das coisas" e despertou a repulsa de Machado de Assis à increpação dematerialismo.[243] Pascal, por sua vez, era leitura necessária à Machado, como ele próprio escreveu numa de suas cartas ao colegaJoaquim Nabuco.[244] [245] Sérgio Buarque de Hollanda escreveu uma comparação da obra dos dois autores na seguinte forma: "Comparado ao de Pascal, o mundo de Machado de Assis é um mundo sem Paraíso. De onde uma insensibilidade incurável a todas as explicações que baseiam no pecado e na queda a ordem em que foram postas as coisas no mundo. Seu amoralismo tem raízes nessa insensibilidade fundamental."[246] E, por fim, Schopenhauer, onde, escrevem, Machado teria encontrado visões dopessimismo e ainda desdobrado sua escrita em mitos e metáforas acerca de uma "inexorabilidade dodestino".[247] Raimundo Faoro, sobre a obra do filósofo alemão na obra de Machado, argumentou que o autor brasileiro havia realizado uma "tradução machadiana da vontade de Schopenhauer" e que logrou conceber seu primeiro romance após "haver descoberto o fundamento metafísico do mundo, o demonismo da vontade que guia, sem meta nem destino, todas as coisas e os fantoches de carne e sangue."[248] O mundo como vontade e representação (1819), para alguns, encontra seu cume alto em Machado de Assis com os desejos frustrados do personagem Brás Cubas.[249]
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