O MAIOR RIO DO MUNDO É INVISÍVEL E CORRE NO CÉU
Num típico dia ensolarado na Amazônia, 20 bilhões de metros cúbicos de água são sugados da terra pelas árvores e por elas lançados na atmosfera para, em seguida, alçar voo em direção ao alto. Lá em cima, essa imensa massa de vapor forma um rio invisível que logo se põe a correr, levado pela força dos ventos, atravessando boa parte do continente. Sem esse rio invisível, a maior parte do nosso continente seria um deserto.
25 DE OUTUBRO DE 2018 ÀS 19:58 // INSCREVA-SE NA TV 247
Por: Antônio Donato Nobre (*)
Vídeo: Palestra no TED Ideas Worth Spreading
Tradução: TED Translators Admin. Revisão: Leonardo Silva
“Esse rio de vapor que se eleva da floresta e vai para a atmosfera é maior e mais volumoso do que o próprio rio Amazonas”, diz Antônio Donato Nobre, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (http://portal.inpa.gov.br/). Na opinião de Nobre, o fato mais notável a respeito da Amazônia – até mais do que seu gigantesco rio de quase 7 mil quilômetros de extensão e das suas centenas de bilhões de árvores – é que ela é, essencialmente, um sistema de aspersão movido a energia solar, capaz de pulverizar água sobre todo um continente. Se fosse um sistema criado pelo homem, diz Nobre, causaria inveja a todo o mundo. É por isso que, como se diz, a natureza é o maior e melhor de todos os engenheiros.
A imagem ilustra o ciclo das águas, como acontece na Amazônia. As árvores retiram água do solo, lançam por evaporação a umidade na atmosfera, ocorre a formação de vapor e nuvens que, a seguir, voltam para a terra na forma de chuva, perfazendo assim um ciclo virtuoso.
Toda árvore é um gêiser silencioso. Através de um processo chamado transpiração, uma grande árvore na Amazônia pode liberar mil litros de água na atmosfera em um único dia. “Há uma evaporação frenética acontecendo aqui”, diz Nobre. Ele compara a força desse processo a um gêiser jorrando água no ar, mas “com muito mais elegância”. Afinal de contas, gêiseres extraem seu poder do calor escaldante do magma, enquanto as árvores só precisam se aquecer à luz do sol para liberar seu vapor invisível. Além disso, elas têm a força dos números: centenas de bilhões de árvores na floresta liberam 20 bilhões de toneladas métricas de água na atmosfera todos os dias. Isso significa que, se o Amazonas, que despeja 17 bilhões de toneladas de água no Oceano Atlântico por dia, é o maior rio da Terra – ele ainda é ultrapassado pelo rio no ar que flutua acima do dossel das árvores.
O rio no ar se transforma em chuva, que reabastece a floresta. As florestas tropicais criam suas próprias nuvens de chuva, repletas de esporos microscópicos, pólen e fungos, ou “cheiros”, como Nobre os chama. Esses cheiros são críticos para o ciclo de vida da selva, já que o vapor das árvores condensa em torno dessas partículas microscópicas, formando nuvens, que eventualmente liberam chuva torrencial. Este processo é exclusivo da selva; os oceanos, por exemplo, raramente criam nuvens pesadas como as da Amazônia, porque o ar do mar não é tão ricamente semeado com a vida das plantas. “Essa relação entre uma coisa viva, que é a floresta e uma coisa não-viva, que é a atmosfera, é muito engenhosa na Amazônia”, diz Nobre. É por isso que o rio invisível retorna ao solo em forma de chuva, reabastece a floresta, para em seguida subir novamente até as copas das árvores e delas ser novamente lançado na atmosfera, estabelecendo um ciclo virtuoso. Sem a Amazônia, boa parte da América do Sul provavelmente seria um deserto.
(*) Antonio Donato Nobre é pesquisador dos sistemas naturais da Amazônia. Seu trabalho ilustra a bela complexidade desta região, bem como sua fragilidade em um cenário de mudança climática. Esse cientista brasileiro vê e entende a natureza como uma sinfonia bem orquestrada. Cientista visitante do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ele estuda o solo, a hidrologia e a bioquímica da Amazônia, para aprender mais sobre os sistemas complexos e interligados da Amazônia. Ele procura entender as interações entre a floresta e a atmosfera e como “o suor da floresta” corre em um córrego que transporta umidade para outras partes da América do Sul e do mundo, desempenhando um grande papel na estabilidade climática. Seu estudo “Futuro Climático da Amazônia” sintetiza pesquisas sobre como os seres humanos estão afetando o delicado equilíbrio desta região e o enorme risco que corremos se a perdermos.
Vídeo:
Tradução integral da palestra de Antônio Donato Nobre no TED
O que vocês acham? Para quem viu a memorável palestra dada por Sir Ken Robinson, no TED, eu sou um típico exemplar do que ele descreve: “um corpo carregando uma cabeça”. Professor universitário. E vocês poderiam achar que é uma covardia me colocar, depois dessas duas primeiras apresentações, para falar de ciência. Não consigo balançar meu corpo no ritmo. Depois de um cientista que se tornou filósofo, eu tinha que falar da ciência pura. Poderia ser um tema muito árido e, no entanto, eu me sinto agraciado. Nunca na minha carreira – e já vai longe a minha carreira – eu tive a oportunidade de começar uma palestra com tamanha inspiração, como esta.
Normalmente, falar de ciência é como se exercitar numa terra árida. No entanto, tive a felicidade de ser convidado para vir aqui falar sobre água. E “água” e “árido” não combinam, não é mesmo? Melhor ainda, falar sobre água na Amazônia, que é um berço esplêndido de vida. Por isso estou aqui. A gente sabe que há controvérsia – a Amazônia é o pulmão do mundo, é o que se diz – pelo poder que ela tem de trocar massivamente gases vitais – a floresta com a atmosfera. A gente também escuta falar dela como um celeiro da biodiversidade. Embora muitos acreditem nisso, poucos sabem do que se trata.
Se vocês saírem aqui fora, nesse igapó, vocês vão se maravilhar com a quantidade de bichos. Vocês quase não conseguem ver os bichos. Os índios dizem: “Na floresta tem mais olhos do que folhas.” Isso é real, e eu vou tentar mostrar alguma coisa para vocês. Mas hoje, eu trouxe uma outra abordagem aqui, uma abordagem em que, inspirado por essas duas iniciativa, uma harmônica e outra filosófica, eu vou tentar colocar a abordagem que é um pouco material, mas ela tenta transmitir também que existe, na natureza, uma filosofia e uma harmonia extraordinárias. Não vai ter música na minha apresentação, mas eu espero que vocês vejam a música da realidade que eu vou mostrar. Vou falar de fisiologia – não é do pulmão, mas sim de outras analogias com a fisiologia humana, principalmente com a do coração.
A gente começa pensando que a água é como o sangue. A circulação no nosso corpo leva o sangue fresco, que alimenta, que nutre e que sustém, e traz de volta o sangue usado, para ser renovado. Na Amazônia, ocorrem coisas muito semelhantes. E a gente começa falando sobre o poder de todos esses processos. Isso aqui é uma imagem, em movimento, das chuvas. E o que vocês estão vendo ali são os anos passarem a cada segundo. As chuvas no mundo inteiro. E o que vocês veem? Que a região equatorial em geral, a Amazônia em particular, é enormemente importante para o clima do mundo. É um motor poderoso. Existe aqui uma atividade frenética em relação à evaporação. Se a gente olhar outra imagem, que mostra os fluxos de vapor de água, o que é preto ali é ar seco, o que é cinza é ar úmido e o que é branco são nuvens. Vocês veem ali um ressurgimento extraordinário na Amazônia.
Que fenômeno faz com que a água jorre do solo para a atmosfera, com tamanho poder, que a gente vê do espaço? Que fenômeno é esse? Poderia ser um gêiser. O gêiser é a água subterrânea aquecida pelo calor do magma, que explode para a atmosfera, transfere essa água para a atmosfera. Nós não temos gêiseres na Amazônia, a menos que eu me engane. Eu não sei se alguém conhece algum. Mas nós temos algo que faz o mesmo papel, mas com muito mais elegância: são as amigas e benfazejas árvores, que, assim como os gêiseres, conseguem transmitir uma quantidade enorme de água do solo para a atmosfera. São 600 bilhões de árvores na Amazônia, 600 bilhões de gêiseres. E isso com uma sofisticação extraordinária. Não precisam do calor do magma. Usam a luz do Sol para fazer esse processo. Então, em um dia, um típico dia ensolarado na Amazônia, uma árvore grande chega a colocar mil litros de água através da sua transpiração. Mil litros. Se você pegar toda a Amazônia, que é uma área muito grande, e você somar toda essa água que está sendo transpirada – é o suor da floresta -, você chega num número extraordinário: 20 bilhões de toneladas de água em um dia. Vocês sabem quanto é isso? O rio Amazonas, o maior rio da Terra, um quinto de toda a água doce que sai dos continentes no mundo inteiro e que chega nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia no Oceano Atlântico. Esse rio de vapor, que sai da floresta e vai para a atmosfera, é maior que o rio Amazonas. Só para vocês terem uma ideia., se a gente pudesse pegar uma chaleira bem grandona, aquelas de botar na tomada, chaleira elétrica, e colocar todos esses 20 bilhões de toneladas dentro, de quanta eletricidade você precisaria para evaporar essa água? Alguém tem ideia? Uma chaleira bem grande mesmo. Chaleira dos gigantes, né? 50 mil Itaipus. Itaipu, para quem não sabe, é a maior hidroelétrica do mundo, ainda, e é um orgulho brasileiro porque fornece mais de 30% da energia que é consumida no Brasil. E a Amazônia está aqui, fazendo isso de graça. É uma poderosíssima e viva usina de serviços ambientais. Ligando nesse tema, nós vamos falar sobre o que eu chamo de “paradoxo da sorte”, que é uma curiosidade.
Se você olhar o mapa-múndi – é fácil perceber isso – você vê que, na zona equatorial, você tem as florestas, e os desertos estão organizados a 30 graus de latitude norte e 30 graus de latitude sul, alinhados. Veja ali, no hemisfério sul, o Atacama, a Namíbia e o Kalahari na África, o deserto da Austrália. No hemisfério norte, o Saara, Sonora e etc. E tem uma exceção, e é uma curiosidade: é o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires, de São Paulo aos Andes. Esse quadrilátero era para ser um deserto. Está na linha dos desertos. Por que não é? Por isso que eu chamo de “paradoxo da sorte”. O que que tem de diferente na América do Sul? Se a gente puder usar a analogia da circulação sanguínea no corpo e do sangue, com a circulação da água na paisagem, a gente vê nos rios que eles são veias, eles drenam a paisagem, eles drenam o tecido da natureza. E onde estão as artérias? Algum palpite? Como é que a água chega a irrigar os tecidos da natureza e trazer de volta tudo pelos rios? Tem um novo tipo de rio, que nasce no oceano azul, que flui pelo oceano verde – não só flui, mas ele é bombeado pelo oceano verde – e cuja foz é a terra da gente. Toda a nossa economia, aquele quadrilátero, 70% do PIB da América do Sul, saem daquela região. Depende desse rio. E esse rio flui, invisível, acima de nós. Estamos flutuando aqui, num dos maiores rios da Terra, o rio Negro. Está meio seco, meio bravo, mas estamos flutuando aqui, e em cima de nós existe um rio invisível passando. E esse rio, ele pulsa. Aqui está a pulsação dele. Por isso que a gente fala de coração também. Você vê ali as estações do ano. Chove uma época… Na Amazônia, a gente costumava ter duas estações, a úmida e a mais úmida. Agora temos a estação seca. E você vê ali ele lambendo essa região que deveria, de outra forma, ser um deserto e não é.
Nós, cientistas, estudamos como as coisas funcionam, por quê funcionam, etc., e esses estudos estão gerando uma série de descobertas absolutamente extraordinárias para nos trazer a consciência da riqueza, da complexidade e da maravilha que nós temos, da sinfonia que nós temos nesse funcionamento. Um deles é: como é que se forma a chuva? Em cima da Amazônia, tem ar limpo, igual a em cima do oceano. O oceano azul tem ar limpo e forma muito poucas nuvens, quase não chove. No oceano verde, o ar é igualmente limpo e forma muita chuva. O que que acontece aqui que é diferente? A floresta emite “cheiros”, e esses cheiros são núcleos de condensação, que formam gotas na atmosfera, e aí formam-se as nuvens que chovem torrencialmente. O regador do Jardim do Éden. Essa relação de uma entidade viva, que é a floresta, com uma entidade não viva, que é a atmosfera, é virtuosa na Amazônia, porque a floresta joga água e joga sementinhas, a atmosfera forma chuva e devolve, e aí garante-se a sobrevivência da floresta. Tem outros fatores também. Falamos um pouco do coração, e agora vamos falar de uma outra função: o fígado! Quando ar úmido, uma alta umidade e radiação são combinados junto com esses compostos orgânicos, que eu chamo de “Vitamina C Exógena”, generosa vitamina C gasosa, as plantas liberam antioxidantes que reagem com os poluentes. Vocês podem estar tranquilos porque vocês estão respirando o ar mais puro da Terra aqui na Amazônia, porque as plantas estão tomando conta dessa característica também. E isso favorece o próprio funcionamento das plantas, um outro ciclo virtuoso.
Falando de fractais, e a relação com o nosso funcionamento, a gente vê outras comparações. Como nas vias superiores do pulmão, o ar da Amazônia é limpo do excesso de poeira. O ar que a gente respira é limpo da poeira pelas vias respiratórias. Isso impede que o excesso de poeira prejudique a chuva. Quando tem queimadas na Amazônia, a fumaça acaba com a chuva, para de chover, a floresta seca e o fogo entra. Tem uma outra analogia fractal. Como nas veias e artérias, você tem um retorno na água que chove e volta para a atmosfera. Como nas glândulas endócrinas e nos hormônios, você tem aqueles gases, que eu expliquei para vocês, que formam, como se fossem hormônios soltados na atmosfera, que promovem a formação da chuva. Como o fígado e os rins, acabei de falar: a limpeza do ar. E, por fim, como um coração: o bombeamento da água que vem de fora, do oceano, para dentro da floresta.
A gente está chamando isso de “A Bomba Biótica de Umidade”. É uma teoria nova que é explicada de uma maneira muito simples. Se você tem um deserto no continente, e você tem um oceano contíguo, a evaporação no oceano é maior, produz uma sucção e puxa o ar de cima do deserto. O deserto está preso nessa condição. Ele vai ser sempre seco. Se você tem uma condição inversa, com floresta, a evaporação, como a gente mostrou, é muito maior, pelas árvores, e essa relação se inverte. Então, o ar é puxado de cima do oceano e aí você tem a importação da umidade. Essa aqui é uma imagem que foi feita um mês atrás, de satélite – Manaus está ali embaixo, nós estamos ali embaixo – que mostra esse processo. Não é um riozinho bonitinho, daqueles que fluem num canal, mas é um rio poderoso, que irriga a América do Sul e tem outras finalidades. Essa imagem mostra, naquelas trajetórias ali, todos os furacões de que nós temos registros. E vocês veem que, no quadrado vermelho, quase não tem furacões. Isso não é por acaso. Essa bomba, que puxa umidade para dentro do continente, também acelera o ar sobre o oceano e isso impede a organização dos furacões. Para encerrar essa parte, numa síntese, eu queria falar alguma coisa um pouco adversa. Eu tenho várias colegas que participaram no desenvolvimento dessas teorias, que são da opinião, eu inclusive, de que nós podemos recuperar o planeta Terra. Eu não estou falando hoje aqui só de Amazônia. A Amazônia nos dá uma lição de como a natureza pristina funciona. Nós não entendíamos esses processos antes porque o resto do mundo está todo detonado. Aqui nós pudemos entender. Então, esses colegas colocam: “Nós podemos, sim, recuperar as outras áreas, inclusive desertos”. Se a gente consegue estabelecer florestas nessas outras áreas, nós podemos reverter o clima. Inclusive, o aquecimento global. E eu tenho uma colega muito querida na Índia, chamada Suprabha Seshan, que tem um lema. O lema dela em inglês é: “Gardening back the biosphere”, reajardinando a biosfera. Faz um trabalho maravilho de reconstrução de ecossistemas. Nós precisamos fazer isso.
Concluída essa introdução rápida, a gente chega à realidade que nós estamos vendo aqui fora, que é a seca, essa mudança climática, e coisas que nós já sabíamos. E aqui, eu queria contar uma historinha para vocês. Eu, uma vez, escutei, quatro anos atrás, uma declamação de um texto do Davi Copenaua, um sábio representante do povo ianomâmi, que dizia mais ou menos o seguinte: “Será que o homem branco não sabe que, se ele tirar a floresta, vai acabar a chuva? E se acabar a chuva, ele não vai ter o que beber, nem o que comer?” E eu escutei aquilo, eu cheguei às lágrimas, e falei: “Nossa! Estou há 20 anos estudando isso, com supercomputador, dezenas, milhares de cientistas, e a gente está começando a chegar a essa conclusão, e ele já sabe!” Um agravante: os ianomâmis nunca desmataram. Como eles podem saber que desmatar significa acabar com a chuva? Aí, eu fiquei com isso na cabeça e fiquei completamente impactado. Como ele podia saber? Alguns meses depois, eu o encontrei, num outro evento, e falei: “Davi, como é que você sabia que, tirando a floresta, acaba a chuva?” Ele falou: “O espírito da floresta nos contou”. E isso aí, para mim, representou uma mudança total, porque eu falei assim: “Poxa! Então, por que eu estou fazendo toda essa ciência, para chegar à conclusão do que ele já sabe?” E aí, me bateu algo absolutamente crítico, que é… “o que os olhos não veem o coração não sente”. E isso é uma necessidade que o meu antecessor colocou, que nós precisamos ver as coisas – nós, quando eu digo, é a sociedade ocidental que está se tornando global, civilizada, – nós precisamos ver. Se a gente não vê, a gente não registra. A gente vive na ignorância. Então, eu faço a seguinte proposta: Vamos – claro que os astrônomos não vão gostar – mas vamos virar o Hubble de ponta-cabeça. E vamos fazer o Hubble olhar para cá. Não para os confins do universo. Maravilhosos os confins do universo, mas, agora, nós temos uma realidade prática, que é: nós vivemos num cosmos desconhecido, e nós somos ignorantes. Nós estamos tripudiando sobre este cosmos maravilhoso que nos dá morada e abrigo. Converse com um astrofísico: a Terra é uma improbabilidade estatística. A estabilidade e o conforto que nós apreciamos, com todas as secas do rio Negro, com todos os calores e frios, tufões, etc., não existe nada igual no universo, nada conhecido. Então, viremos o Hubble para cá e vamos olhar a Terra. Vamos começar pela Amazônia! Vamos dar um mergulho, vamos chegar na realidade que nós vivemos cotidianamente, e olhá-la bem de perto, já que a gente precisa disso. Davi Copenaua não precisa. Ele já tem algo que eu acho que perdi. Eu fui educado pela televisão. Eu acho que perdi esse algo, que é um registro ancestral, que é uma valorização daquilo que eu não conheço, que eu não vi. Ele não precisa da prova de São Tomé. Ele acredita com veneração e reverência naquilo que os ancestrais lhe ensinaram, e os espíritos. Já que a gente não consegue, então vamos olhar a floresta. Mas mesmo quando a gente está com o Hubble lá, olhando para o céu – essa daqui é a visão do pássaro, né? Mesmo quando isso acontece, a gente vê algo que também desconhecemos. Os espanhóis chamaram de inferno verde. Se você sair aqui, nesse mato aqui, e se perder, e você for, por acaso, para o oeste, são 900 quilômetros para chegar na Colômbia. Mais mil para sair em algum lugar. Então, dá para entender por que eles chamavam de inferno verde. Mas vai lá olhar o que tem ali dentro. É um tapete vivo. Cada cor ali é uma espécie de árvore. Cada árvore, cada copa, chega a ter 10 mil espécies de insetos dentro dela, sem falar nos milhões de espécies de fungos, bactérias, etc. Tudo invisível. Tudo um cosmos mais estranho para nós do que as galáxias distantes, a bilhões de anos-luz da Terra, que o Hubble nos trás todos os dias nos jornais. E eu encerro a minha apresentação – eu tenho só uns poucos segundos – mostrando esse ser maravilhoso, que quando a gente vê – a borboleta morpho – na floresta, a gente tem a sensação de que alguém esqueceu a porta do paraíso aberta e essa criatura escapou de lá, porque ela é muito bonita. Mas, eu não posso terminar sem mostrar um lado tecnológico. A gente tem a arrogância da tecnologia. Nós despossuímos a natureza da sua tecnologia. Uma mão robótica é tecnológica, a minha mão é biológica; e a gente não pensa mais no assunto. Então, vamos olhar a borboleta morpho, que é um exemplo de uma invisível competência tecnológica da vida, que está no âmago da nossa possibilidade de sobrevivência no planeta, e vamos dar um zoom nela. De novo, o Hubble lá. Vamos entrar na asa da borboleta. E esses estudiosos tentaram explicar: por que que ela é azul? E vamos dar um zoom lá. E o que vocês veem é que a arquitetura do invisível humilha os melhores arquitetos do mundo. Isso tudo numa escala muito pequena. Além da beleza e do funcionamento, tem um outro aspecto. Tudo o que é, na natureza, organizado em estruturas extraordinárias, tem uma função. E essa função, da borboleta morpho – ela não é azul, não tem pigmento azul nela. Ela tem cristais fotônicos na superfície -segundo quem estudou isso – cristais extremamente sofisticados. Nada igual ao que a nossa tecnologia tinha ainda na época. Agora, a Hitachi já fez um display de monitor que usa essa tecnologia e é usada em fibra ótica para transmissão. A Janine Benyus, que já veio várias vezes aqui, fala sobre isso: biomimética. E já acabou o meu tempo. Então eu vou concluir com o que está na base dessa capacidade, dessa competência da biodiversidade, de produzir todos aqueles serviços maravilhosos: a célula viva. É uma estrutura de alguns mícrons, que é uma maravilha interna. Tem palestras do TED sobre isso, não vou me alongar, mas cada um nessa sala, inclusive eu, tem 100 trilhões dessa micromáquina no seu corpo, para que vocês apreciem esse bem-estar. Imaginem o que tem na Floresta Amazônica. 100 trilhões. Isso é mais do que o número de estrelas no céu. E nós não temos consciência disso. Muito obrigado.
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