ADEUS EMPREGO: REVOLUÇÃO NO TRABALHO
A era do emprego se encerra. Começa a era da prestação de serviços e dos trabalhadores pluriativos. Hoje, segundo mostram as pesquisas, há mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico
4 DE JUNHO DE 2014 ÀS 16:18
Por Luis Pellegrini
Como nossos filhos trabalharão amanhã? Mais do que nunca, esta pergunta ocupa os corações e as mentes de todos os pais e mães empenhados na preparação de seus filhos prestes a se lançar na vida profissional. A preocupação é justa: as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho no mundo não configuram um panorama de simples transformações, mas sim de uma verdadeira revolução.
"Já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico", afirma o francês Thierry Gaudin, fundador e presidente do Foresight 2100, uma das mais importantes organizações mundiais de prospecção de tendências econômicas e socioculturais. Ele explica que o modelo de organização do trabalho desenvolvido ao longo do século 20 passa por um processo radical de transformação.
Tudo será diferente para as próximas gerações. "Para começar", diz Gaudin, "já agora, em todos os países desenvolvidos, observamos um grande número de pessoas evoluírem para: um retorno ao campo; o trabalho à distância, como a tecnologia permite cada vez mais; organizar a vida a partir de uma renda modesta; desempenhar algum trabalho mas, ao mesmo tempo, cultivar um pomar no fundo do quintal; reformar a casa com suas próprias mãos; viver a partir de pequenos serviços informais; ganhar a vida desempenhando funções e tarefas temporárias".
Um posto de trabalho no seio de uma multinacional
Essa descrição de um mundo do trabalho completamente diverso do até agora vigente, no qual ainda pontificam advogados, médicos, engenheiros, técnicos em informática, empresários, especialistas em aplicações financeiras e coisas do gênero, é mesmo surpreendente. Nas últimas décadas, toda a cultura ocidental, através da mídia e da educação, tentou nos persuadir de que o objetivo maior da existência era a ocupação de um posto de trabalho no seio de uma multinacional. E agora chega alguém para nos dizer que o futuro não mais pertence aos especialistas das modernas tecnologias, mas sim aos que, além de saber mexer num computador e surfar na internet, são pluriativos e souberam conquistar um bom know-how de ofícios considerados rudimentares, como cultivar a terra, trabalhar a madeira, a pedra, refazer um telhado, instalar painéis solares!
As visões de Gaudin vão ainda mais longe. Na questão dos salários, por exemplo. A prestação de serviços contra uma remuneração, bem como o dinheiro, não estão destinados a desaparecer amanhã. Mas a ideia de um assalariado colocado sob a autoridade de um patrão durante oito horas por dia está destinada a sumir. O modelo ainda vigente de uma semana de trabalho de 44 horas e de um emprego formal está superado.
Mas sem essa estrutura organizativa, como financiar os sistemas de assistência social, as aposentadorias, os salários desemprego, as greves? Gaudin sugere, como um primeiro passo para a solução, a simplificação dos processos administrativos e o estímulo às micro-organizações de menos de dez pessoas. "É necessário parar de acreditar nas informações oficiais que afirmam, por exemplo, que o crescimento cria empregos. Isso é falso. A transformação atual do sistema técnico nos faz passar da civilização industrial para a civilização cognitiva", diz ele.
Período crucial de transformações
As prospecções do Foresight 2100 apontam a década entre 2010 e 2020 como o período crucial dessas transformações. Os estudos revelam que estamos encerrando um ciclo: metade da espécie humana vive agora num meio urbano, e a maior parte do consumo energético acontece nas cidades (entre 70 e 80%). Mas já é possível imaginar uma adaptação urbana, ou de zonas rurais urbanizadas, mais autônoma e pluriativa. Muitos cidadãos já são pluriativos. Nesse sentido, Gaudin lembra um ponto crucial: os novos sistemas de comunicação que permitem, por exemplo, o trabalho à distância ainda não produziram os seus efeitos sobre a estruturação de territórios e a repartição entre cidade e campo.
Essas consequências se farão sentir na segunda metade desta década: as pessoas irão fazer novas escolhas quanto à maneira de organizar e equilibrar suas vidas, de desfrutar do seu tempo livre, de fazer a trouxa e partir quando sentir necessidade disso, de pôr termo à corrida desabalada em direção ao sucesso. Essa é uma postura que já se observa num número crescente de pessoas.
Quais são as causas dessa revolução no mundo do trabalho? Em primeiro lugar, segundo as pesquisas, o progresso técnico e a globalização. Hoje, em todas as áreas, produzimos muito mais com menos trabalho. Existem, no entanto, alguns limites: setores como as indústrias têxtil e alimentar, que utilizam matérias-primas "leves", de tratamento mais delicado, são mais refratários à mecanização. Além disso, num curtíssimo tempo, boa parte delas foi transferida para países emergentes como a China e a Índia, onde a mão de obra é menos cara. Nos dois casos, o resultado é o mesmo: no mundo ocidental, as grandes empresas não param de descartar seus empregados.
A globalização da economia de mercado exportou o modelo ocidental de trabalho para esses e outros países emergentes, os quais exploram hoje sua força de trabalho de maneira quase escravagista, com o objetivo de conquistar uma revanche econômica sobre os países do Ocidente. Mas isso, para os especialistas, não durará muito tempo.
Na China, já pode ser verificado um número crescente de manifestações de protesto, em geral reprimidas com extrema violência. O que é certo é que, também nesses países, os ofícios que podem ser mecanizados serão fatalmente desempenhados por robôs. "Se acrescentarmos a tudo isso os efeitos do aquecimento global", explica Gaudin, "que não permitirá que a produção cresça a níveis delirantes, compreenderemos que será necessário prestar muita atenção às consequências globais".
Emprego, menos frequente e mais precário
As consequências desses fatores sobre o trabalho já podem ser verificadas. O emprego se torna cada vez menos frequente e mais precário, até mesmo para as profissões mais bem qualificadas. É comum, hoje, consultores profissionais aconselharem a seus clientes: "Procurem trabalho, não procurem emprego." Na maior parte dos países ocidentais, um número cada vez maior de engenheiros trabalha em projetos temporários, que podem durar um, dois ou três anos, e após esse período são demitidos. Então, que faremos das pessoas que vivem essa situação ou que veem seus parentes vivê-la? Elas se dirão: "Atenção, não podemos mais contar com um empregador, é preciso se virar por nossa conta, diversificar nossas possibilidades de entradas financeiras." Essa é a razão pela qual o mundo do trabalho de nossos filhos e netos será aquele desenhado no início deste texto por Thierry Gaudin.
E em relação aos jovens nos quais os pais e a escola incutiram o desejo de segurança, de carreira estável, a convicção de que a melhor e mais segura profissão é a de funcionário público? Gaudin responde que a maior parte deles estará condenada à decepção: "Os humanos são, como quase todos os primatas, animais tribais. No passado, pertencíamos a uma tribo por nascimento; hoje, a empresa tomou o lugar da tribo. Mas como ser fiel a um patrão infiel? O modelo da empresa 'patriarcal' se quebrou." Evidentemente, uma parte da população não conseguirá administrar as exigências de uma postura profissional "diversificada", e necessitará de um sistema de trabalho mais enquadrado.
Felizmente, para esses, os grandes empreendimentos estruturais, em que os Estados continuarão a investir para amenizar as crises, permitirão a colocação de um certo número de pessoas que não conseguem se adaptar à nova economia "leve", ou que, por razões psicológicas, precisam de um emprego para se sentir seguras. Mas para os outros (que serão a maioria), e graças às novas tecnologias, a solução passará pela multiassociação, as conexões múltiplas, outras formas de organização baseadas na amizade, na proximidade física ou, via internet, na proximidade virtual.
A ligação não será mais jurídica, para tornar-se informal. Isso já pode ser observado em várias organizações: o chefe não é um líder à antiga, mas sim um organizador; as pessoas funcionam em "socioanálise", ou seja, juntas elas analisam suficientemente bem uma situação até que cada um dos membros saiba o que deve fazer, sem ser preciso que ordens lhe sejam dadas. As pessoas de uma equipe não mais funcionarão a partir de relações de força ou de influência, e sim pelo esclarecimento.
Nesse novo contexto do mundo do trabalho, como ficará a questão crucial da "realização de si mesmo"? Para Gaudin, há uma formidável ambiguidade no modo como utilizamos a palavra trabalho. Ela implica, ao mesmo tempo, a ideia de esforço, de emprego, e de realização de si. "Todo trabalho, inclusive aquele sobre si mesmo, requer perseverança e disciplina." É preciso trabalho para se desenvolver um talento pessoal, para se praticar uma atividade artística ou esportiva, ou até mesmo para se praticar ioga! Por outro lado, nem todo emprego possibilita uma realização de si mesmo.
A preparação das crianças
No plano da consciência coletiva, uma nova filosofia começa a eclodir. Cada vez mais, ela deverá nortear todas as atividades humanas, inclusive o mundo do trabalho. É a ideia de que a espécie humana é apenas uma entre muitas outras espécies, mas o que a diferencia é a sua posição de guardiã do ecossistema. Esse papel é absolutamente vital, sobretudo agora, quando a natureza é cada vez mais uma "tecnonatureza" em boa parte modelada pela mão do homem.
Quanto à preparação de nossas crianças para esse futuro que já bate às portas, ela começa em casa e na escola. Até agora, como a escola era formatada para preparar as pessoas a empregos que não mais existem, todas as coisas essenciais eram aprendidas fora da escola, no mundo exterior.
A nova escola deverá, é claro, proporcionar aos alunos os conhecimentos básicos para eles poderem ter acesso aos resultados da ciência e da cultura. Mas deverá também lhes dar as ferramentas que possibilitarão o desempenho de um mínimo de atividade artística, para que cada um deles possa exprimir sua própria personalidade. Será também necessário ensinar a eles o que é e como funciona a natureza, suas leis, os animais e as plantas, bem como o know-how básico de várias técnicas práticas. Como lembra Gaudin, uma coisa é certa: já hoje, há muito mais gente correndo atrás de um bom padeiro do que de um bom politécnico!
Para saber mais:
www.2100.org
www.odisseyofthefuture.net
http://www.foresightinternational.com.au/
Bibliografia
Economia Cognitiva, Thierry Gaudin, Ed. Beca.
La Prospective, Thierry Gaudin, Éditions Puf.