ELA É COMO UM LIVRO QUE APRENDEREMOS A LER
Pesquisadores britânicos mostram que é possível “ver” as memórias de uma pessoa com a ajuda de um exame de ressonância magnética funcional
23 DE JANEIRO DE 2017 ÀS 13:20 // RECEBA O 247 NO TELEGRAM
Por: Equipe Oásis
Ler a mente passou a ser uma habilidade mais próxima do mundo real depois de um estudo do University College de Londres (UCL), publicado na revista Current Biology. A pesquisa, conduzida pelos professores Eleanor Maguire e Demis Hassabis, indica que é possível “ler” as memórias de uma pessoa simplesmente examinando sua atividade cerebral. De acordo com os cientistas, nossas memórias são gravadas em padrões regulares, uma descoberta que contraria o atual pensamento científico.
Eleanor e Hassabis já haviam investigado o papel do hipocampo, uma pequena área do cérebro considerada essencial para a navegação, a recordação de memórias e a imaginação de eventos futuros. Num estudo realizado alguns anos atrás, ela examinou os cérebros de motoristas de táxi londrinos, os quais passam anos aprendendo o complexo mapa de ruas da capital britânica, conhecido como “The Knowledge”. Eleanor mostrou que, no cérebro desses motoristas, uma área na parte de trás do hipocampo estava aumentada, o que parecia indicá-la como a região envolvida no aprendizado da localização e da direção.
O novo estudo confirma que os padrões relacionados à memória espacial estão situados na mesma área, sugerindo que a parte de trás do hipocampo tem um papel chave na representação de ambientes espaciais. Nele, os cientistas conseguiram mostrar como essa área cerebral traz as memórias à tona. Isso é possível com a participação fundamental de neurônios específicos do hipocampo, denominados “células de localização” (place cells). De acordo com Eleanor e Hassabis, quando nos movemos, as células de localização são ativadas para nos dizer onde estamos.
Mudanças no fluxo sanguíneo
A equipe de pesquisadores utilizou um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que mede as mudanças no fluxo sanguíneo dentro do cérebro, para examinar a atividade das células de localização enquanto voluntários se movimentavam num ambiente de realidade virtual. As informações obtidas foram então analisadas por um algoritmo informático desenvolvido por Hassabis.
“Perguntamos se conseguiríamos ver padrões interessantes na atividade neural que nos pudessem contar o que os participantes estavam pensando, ou, nesse caso, onde eles estavam”, disse Eleanor. “Surpreendentemente, apenas por ver as informações do cérebro podíamos prever, de forma exata, onde eles estavam no ambiente de realidade virtual. Em outras palavras, podíamos ‘ler’ suas memórias espaciais.”
Estudos anteriores realizados com ratos não davam pistas a respeito da existência de uma estrutura na qual as memórias fossem gravadas. É por isso que a pesquisa de Eleanor e Hassabis surpreendeu. Ela disse: “Os aparelhos de fMRI nos permitiram ver a imagem mais ampla de o que está acontecendo nos cérebros das pessoas. Ao observarmos a atividade de dezenas de milhares de neurônios, pudemos ver que deve haver uma estrutura funcional – um padrão – para a maneira segundo a qual essas memórias são codificadas. De outra forma, simplesmente não seria possível realizar nossa experiência.”
Memória erodida por doenças
A cientista avalia que essa pesquisa abre um leque de possibilidades a respeito de como as memórias reais são codificadas através dos neurônios, permitindo ir além das memórias espaciais e examinar lembranças mais ricas do passado ou visualizações do futuro. “Compreender como nós, humanos, recordamos nossas memórias é essencial para nos ajudar a aprender como a informação é processada no hipocampo e como nossas memórias são erodidas por doenças como o Alzheimer”, observa Hassabis. “É também um pequeno passo rumo à ideia de leitura da mente, porque simplesmente por observar a atividade neural podemos dizer o que alguém está pensando.” Ele avalia que se passariam pelo menos dez anos antes de se chegar a uma tecnologia com a qual se conseguisse ler os pensamentos de alguém numa sessão simples, mesmo contra a vontade da pessoa examinada.
Eleanor também vislumbra um longo caminho científico até que seja possível “ver” dentro da cabeça de alguém. “Podemos descansar tranquilos em termos de leitura da mente. Embora tecnicamente nesse estudo pudéssemos predizer a memória espacial de alguém a partir de sua atividade cerebral, não houve nada intrusivo a respeito do que fizemos. Não é que pudemos pôr alguém em um aparelho de ressonância magnética e de repente lemos seus pensamentos. É um processo que ainda está num estágio bastante preliminar. Está provavelmente bem distante de ter implicações sociais, éticas e provavelmente forenses.” De qualquer forma, uma brecha na caixa de Pandora da leitura da mente já foi aberta – tanto é que Hassabis considera que já seria útil começar a discutir as implicações éticas dessa possibilidade.
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