DEPRESSÃO NA ADOLESCÊNCIA

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27.10.2017, 13:50

SÍNDROME ESTÁ RELACIONADA À INICIAÇÃO SEXUAL DEMASIADO CEDO

Meninas que iniciam a vida sexual com menos de 17 anos de idade têm probabilidade maior de apresentar episódio depressivo na adolescência do que aquelas que tiveram a primeira relação mais tarde. O achado está publicado em artigo de outubro de 2017 do Journal of Affective Disorders.



Por: Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)  
Fonte: Site português.medscape.com

Os dados vêm da análise de uma coorte de nascimentos de 1993, de Pelotas, Rio Grande do Sul. Mais de quatro mil crianças nascidas nesse ano foram avaliadas aos 11, 15 e 18 anos de idade por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), e da University of Bristol, no Reino Unido. Em entrevista ao Medscape, a psicóloga e professora do Departamento de Medicina Social da UFPEL Helen Gonçalves, uma das autoras da pesquisa, e a médica hebiatra Lilian Day Hagel, coordenadora do Serviço de Adolescentes do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) e da Linha de Cuidado do Adolescente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC)/Ministério da Saúde, e médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), falaram sobre o tema.
Maioria de meninas brancas
Na investigação que envolveu 4031 crianças nascidas em 1993, alguns dados foram obtidos na visita perinatal (renda familiar no mês prévio ao nascimento, escolaridade materna e idade da mãe), e quando os adolescentes atingiram 11 anos de idade (cor da pele, experimentação de álcool e tabaco e saúde mental materna). Características da iniciação sexual (idade e tipo de parceiro) foram avaliadas em acompanhamentos feitos aos 15 e 18 anos de idade. Episódios de depressão maior foram avaliados aos 18 anos usando a versão brasileira da Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI).
Entre os adolescentes investigados, predominaram meninas e a cor de pele branca. A maioria das mães tinha entre 20 e 29 anos quando deu à luz, e 40% delas apresentaram transtornos mentais comuns. As taxas de experimentação de álcool e tabaco aos 11 anos de idade foram 17,3% e 3,5%, respectivamente.
Sobre a iniciação sexual, entre os meninos, 66,7% disseram ter tido a primeira experiência até os 16 anos. Entre as meninas, 58,6% reportaram iniciação sexual nesse período. Enquanto para as participantes do sexo feminino a primeira relação ocorreu principalmente com namorado/namorada (83,8%), no grupo masculino predominou parceiro casual ou outra pessoa (58,4%).
Episódios de depressão maior foram mais frequentes em meninas (10,1%) do que em meninos (3,4%). Meninas que tiveram iniciação sexual antes dos 17 anos tiveram probabilidade duas vezes maior de ter um episódio de depressão. Não houve associação entre idade de iniciação sexual e depressão entre os meninos.
Maior desigualdade entre os sexos, resultados mais diferentes
A associação entre iniciação sexual precoce (geralmente antes dos 16 anos de idade) e sintomas depressivos em adolescentes do sexo feminino foi observada em pesquisas feitas em outros países, por exemplo, Estados Unidos e Coréia do Sul.
A pesquisadora Helen Gonçalves explica que, no Brasil, considerando as influências históricas e culturalmente conhecidas, alguns comportamentos sexuais são esperados e incentivados muito mais em homens do que em mulheres.
Diferença entre iniciação sexual masculina e feminina
"A iniciação sexual masculina antes dos 16 anos não está vinculada à necessidade, por exemplo, de ocorrer em um contexto afetivo e amoroso como é o esperado para as meninas. Aquelas que se iniciam precocemente – quer seja por desejo, receio de não ceder ou medo de perder – tendem a sofrer mais críticas e represálias de sua rede de relações, por vezes avaliando seu comportamento sexual ativo como uma qualidade menor sua, e mesmo quando de uma iniciação mais jovem não resultam gravidez, aborto e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)", diz Helen, ressaltando que as meninas são então mais propensas a valorizar negativamente a própria iniciação sexual, um início que pode levar à sintomatologia depressiva.
Helen afirma que os contextos sociocultural e do relacionamento sexual na época da primeira relação sexual definem e delimitam consequências que podem se desenvolver ao longo da adolescência e, algumas vezes, também na vida adulta, criando outros fatores concomitantes que podem levar a um episódio depressivo maior.
"Portanto, os locais onde desigualdades entre os sexos são menores tendem a não mostrar diferenças marcadas como as notadas no estudo", diz.
Afeto é especialmente importante para elas
Na pesquisa com adolescentes de Pelotas os pesquisadores observaram que meninas que iniciaram a vida sexual com um parceiro que não o namorado(a) ou com um parceiro casual tiveram 3,2 vezes mais chance de ter depressão do que aquelas que tiveram essa experiência com um parceiro fixo.
"Embora um risco mais elevado tenha sido observado nas meninas que se iniciaram com um parceiro que não o(a) namorado(a), nossos dados não tiveram poder suficiente para confirmar essa hipótese, uma vez que o intervalo de confiança foi bastante amplo (ou seja, teve pouca precisão devido ao tamanho amostral, que não foi grande o suficiente para esta hipótese). No entanto, chamam atenção para um possível risco, que deve ser confirmado em outros estudos", diz a pesquisadora.
A Dra. Lilian diz que a depressão é uma doença multifatorial extremamente importante. Para ela, que é também membro do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o trabalho de Pelotas foi conduzido por um centro de estudos importante, e tem uma coorte muito bem planejada. A associação entre idade de iniciação sexual e depressão em meninas revelada na pesquisa merece, segundo a especialista, ser avaliada sob vários aspectos. Ela afirma que, de fato, os profissionais veem que alguns sintomas, tais como tristeza e choro fácil, são mais frequentes em meninas, enquanto outros, por exemplo, irritabilidade, são mais comuns em meninos.
"Como o próprio artigo chama atenção, a relação sexual tem aspectos comportamentais, culturais e de sigilo, e nas meninas tem impacto maior", diz.
A identificação de que meninas que tiveram relação com parceiro eventual apresentaram resultado pior do que daquelas com parceiro fixo ou envolvimento afetivo é um achado importante, pois, de acordo com a médica, salienta a importância dos afetos e das relações como fator protetor da doença mental.
Possíveis repercussões no cuidado
Segundo Helen, muitas jovens nem chegam aos serviços de saúde na época de sua iniciação ou anteriormente a ela e, quando chegam, nem sempre trazem demandas sobre este tema.
A psicóloga destaca a importância de entender melhor os mecanismos pelos quais a associação entre a idade da iniciação sexual e depressão pode ocorrer, e se o risco aumentado persiste na idade adulta, em diferentes contextos socioculturais.
"Profissionais de saúde que lidam com jovens precisam compreender que a iniciação sexual necessita de mais atenção, uma vez que, dependendo do contexto em que ocorre, pode ter efeitos nas condições físicas e emocionais desses jovens no futuro", defende.
Mas a especialista lembra que o vínculo notado entre a idade de iniciação sexual e o episódio depressivo maior aos 18 anos não prediz que o mesmo ocorra na vida adulta, embora ela e equipe entendam que haja grande potencial para tanto.
"Experiências pregressas são importantes para a saúde, mas novas experiências e transições, que caracterizam a vida como um processo dinâmico e interativo, podem interferir positivamente e aliviar a carga atribuída a um evento negativo (o contrário também pode ocorrer)", afirma.
Para a Dra. Lilian, os médicos devem abordar a sexualidade dentro dos demais itens fundamentais da avaliação psicossocial obrigatória na consulta do adolescente: avaliação do ambiente domiciliar, escolaridade, atividades, relação com amigos, uso de drogas e violência e humor.
"É muito importante falar sobre estes assuntos, e entender que isso faz parte da consulta médica", diz.
A Coorte de Nascimento de Pelotas de 1993, que foi conduzida pelo Programa de Pós-graduação da UFPEL com colaboração da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), recentemente realizou um novo acompanhamento, quando os participantes estavam com 22 anos. Segundo Helen, novamente o grupo avaliou aspectos relativos à saúde, como a sexualidade e transtornos mentais. Ela destaca que estudos longitudinais são os melhores para analisar relações entre situações vivenciadas na infância e na adolescência, e desfechos na idade adulta. Segundo ela, a equipe seguirá investigando estes e novos aspectos.
O projeto teve apoio da organização sem fins lucrativos Wellcome Trust, da União Europeia, do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde.



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