Há 400 anos nascia a escravidão na América do Norte
Os primeiros africanos que chegaram por mar aos futuros Estados Unidos em 1619, não eram escravos, mas trabalhadores sob contrato. Aquele desembarque, no entanto, gerou as bases da sociedade escravagista norte-americana.
Por: Equipe Oásis
Em agosto de 1619, em Point Comfort, na Virgínia – primeira colônia inglesa na América do Norte -, ancorou a fragata White Lion. Ela levava a bordo vinte homens de origem africana (então chamados negroes) destinados a serem vendidos como trabalhadores. Três dias depois, no mesmo porto, chegou a nave Treasurer, carregada com outra “mercadoria humana”. Os dois eventos são tradicionalmente considerados o início do escravagismo norte-americano, embora muito provavelmente aqueles primeiros africanos chegados à Virgínia fossem comprados como “servidores por contrato”, seguindo uma modalidade de emprego muito difundida na época: a da “servidão por débito”.
De servos a escravos
Tratava-se de um sistema no qual a mão de obra não recebia nenhum salário, mas trabalhava durante um certo período de tempo para pagar algum débito contraído. Terminados os prazos contratuais, o servidor voltava a ser livre. A “servidão por débito” revelou-se no entanto pouco conveniente para os proprietários dos grandes cultivos, e assim sendo foi pouco a pouco substituída pelo sistema claramente escravagista, ou seja, baseado na posse do trabalhador. Serviram também de estímulo à implantação desse sistema as notícias vindas da Capitania de Pernambuco, no nordeste do Brasil, referindo o grande sucesso econômico e financeiro das plantações de cana de açúcar movidas pela mão de obra escrava. No Brasil, o sistema escravagista tivera início bem antes, já entre os anos de 1539 e 1542, com a implantação de um tráfico cada vez maior de escravos, controlado por africanos, portugueses, holandeses, ingleses e brasileiros.
Monumento comemorativo da chegada dos primeiros africanos no Estado da Virgínia, EUA. Encyclopedia Virginia: The landing of the first Negroes – Na América do Norte, a propriedade privada de seres humanos nasceu há 400 anos, com o primeiro transporte de vinte homens africanos que chegaram na condição de “servidores por débito”.
Superioridade da raça branca
Já no momento da declaração de independência dos Estados Unidos (4 de julho de 1776), todas as treze colônias originárias tinham sancionado a escravidão através de um código específico de leis denominado Slave Codes. Para legitimar a “propriedade privada de seres humanos” foi chamada formalmente em causa a superioridade da raça branca. Com a adoção da escravidão nos Estados Unidos foi colocada a peça faltante do “tráfico negreiro atlântico”, a mais imponente migração forçada de pessoas registrada em toda a história (foram mais de 11 milhões de africanos deportados para a América entre os séculos 16 e 19).
Mapa mostrando as principais rotas do Tráfico Negreiro Atlântico
Para garantir a estabilidade da organização escravagista, a legislação se empenhou no exercício de um forte controle social dos negros, impedindo a eles, por exemplo, a livre circulação, a agregação e em muitos casos a instrução. Da mesma forma que em outros países, entre eles o Brasil, isso não impediu que os escravos norte-americanos organizassem coalizões contra os seus patrões, embora cada tentativa de insurreição tenha sido sufocada com o derramamento de sangue e a aplicação de horrendas punições exemplares. Ficou célebre a revolta desencadeada em 1831 no Condado de Southampton, guiada pelo escravo predicador Nat Turner. Só naquela ocasião foram mortos mais de duzentos escravos: um número bem superior aos diretos responsáveis pela rebelião.
Foto do final do século 19 mostrando escravos norte-americanos e descendentes.
Tráfico interno
A crescente demanda internacional de tabaco e sobretudo de algodão, bem como a difusão de novos empreendimento agrícolas no Sul do país provocou uma rápida expansão territorial dos Estados Unidos e desencadeou ao mesmo tempo um “tráfico interno” de escravos. Segundo dados fornecidos perlos pesquisadores David Eltis e David Richardson (Atlas of the Transatlantic Slave Trade, Yale Univ. Pr. 2010), nas décadas situadas entre a ratificação da Constituição dos Estados Unidos (1787) e a Guerra Civil (1861), o tráfico mobilizou cerca de um milhão de indivíduos, ou seja mais do que o dobro do número dos que foram deportados diretamente da África.
Gravura retratando um leilão de escravos norte-americanos
No início do século 19, a menos de 100 anos do seu nascimento, os Estados Unidos se acharam divididos em dois lados: no Sul se desenvolvia um modelo de vida rural, conservadora, baseada na exploração da mão de obra escrava; ao Norte a economia se orientara no sentido da produção industrial, e a escravidão fora gradualmente abolida desde o final dos século 18 quando ocorreu a sangrenta Guerra de Secessão norte-americana. Na base de tudo estava exatamente o desejo dos nortistas de impor o abolicionismo em todos os EUA, desejo que se fundia com o projeto de uma expansão industrial nas terras do Sul. De qualquer modo, no final da guerra, em 1865, entrou em vigor a 13a Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que sancionava a abolição da escravidão. A liberdade fora finalmente conquistada, pelo menos no papel. Na prática, pode-se dizer que o processo de libertação e de resgate da comunidade afrodescendente norte-americana em vários aspectos se prolonga até os dias de hoje.
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