PESQUISA BIBLIOGRÁFICA CIENTÍFICA (com IAC)
investigação realizada pelo Pr. Psi. Jor Jônatas David Brandão Mota
o conteúdo original que inclui este estudo está neste link aqui
MAIS UMA VEZ, O CRISTIANISMO COMPROMETIDO COM CRIMES CONTRA A HUMANIDADE, USANDO O NOME DE JESUS, POR TODO O PLANETA.
aí está o responsável por ódios, guerras, persguição, violências e muitas outras atrocidades dentro e fora do país... o Cristianismo Joio.
Abaixo deste próximo artigo está um outro com o título
A epifania da extrema-direita cristã nos EUA
A DIREITA CRISTÃ E A POLÍTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA
DURANTE A ADMINISTRAÇÃO W. BUSH
Luiza Rodrigues Mateo
Resumo
A chamada direita religiosa constitui um importante ator na recente história política
norte-americana. A articulação de evangélicos e católicos conservadores originou
uma agenda para temas como aborto, pesquisa com células-tronco, casamento gay,
criacionismo, abstinência sexual, seularismo e big government, entre outros temas
sensíveis e determinantes no jogo político doméstico. Conquanto a mobilização
deste grupo de interesses tenha histórico de pelo menos três décadas, foi durante a
administração republicana de George W. Bush que a direita cristã atingiu seu auge,
quando seus membros puderam circular livremente nos corredores do poder em
Washington. Além dos estreitos laços mantidos com membros do Partido
Republicano, líderes da direita religiosa empreenderam reuniões a portas fechadas
na Casa Branca, no Congresso e na Suprema Corte. Já na política externa, a
influência da direita cristã se fez sentir pela adesão aos programas financiados pelo
Office of Faith Based and Community Initiatives e em temas como o apoio a Israel, a
promoção da liberdade religiosa, o combate ao ativismo ambientalista e, em alguma
medida, o suporte a própria guerra ao terror, fortalecendo a popularidade da visão
maniqueísta entoada oficialmente pela presidência. Na tentativa de delimitar as
interfaces entre religião e política nos Estados Unidos, verificamos a composição da
direita cristã e seu modus operandi, esboçando o perfil deste que é um dos alicerces
da nova direita americana.
Palavras-chave: Estados Unidos, direita cristã, política externa
[a direita religiosa] transformou o Partido Republicano, a agenda política
nacional e a cristandade evangélica. Sua história esteve entrelaçada com o
movimento dos direitos civis, o nascimento do Bible Belt, o realinhamento
político do sul e com a política externa americana. (WILLIAMS, 2010, p.9)
A direita religiosa é um movimento de conservadores sociais cujo objetivo é
a retomada da moralidade americana que, no século XX, esteve ameaçada pelo
avanço do homossexualismo, feminismo e uso de entorpecentes, além do currículo
evolucionista e do banimento da oração nas escolas públicas. Seu maior inimigo é o
Estado secular, humanista e liberal, que deu espaço para a atual crise de valores –
crescimento da promiscuidade, divórcio, índices de suicídio, eutanásia e aborto – e
da família americana. (FINGUERUT, 2009, p.142)
O movimento fundamentalista que nasce na virada par a década de 1920 é
uma reação ao liberalismo teológico e uma tentativa de revigorar os traços
protestantes da nação. O fundamentalismo logo se torna um movimento amplo de
combate ao liberalismo cultural em prol da tradição, com foco nas instituições
públicas como escolas e governo. A direita cristã se fortaleceu com as tendências
religiosas dos Estados Unidos ao longo do século XX: o declínio das denominações
protestantes mainstream e o aumento das igrejas fundamentalistas, pentecostais,
carismáticas e da Convenção Batista do Sul.
Estes conservadores religiosos atuaram enquanto sociedade civil
organizada, defendendo sua agenda moral em programas de rádio e tevê, revistas e
organizações pró-família. A face política desta agenda religiosa ficou por muito
tempo frustrada pela indiferença dos partidos à “guerra cultural”. Na década de 20,
houve uma aproximação com políticos democratas em defesa da Prohibition Law
(proibição da comercialização e consumo de bebidas alcoólicas).
Já na década de 40, fundamentalistas de diversas denominações e regiões
do país criam a National Association of Evangelicals (NAE), passando a exercer
lobby em Washington e ampliando sua agenda do plano social para o econômico e
internacional. O avanço dos temas religiosos foi tributário ao alinhamento à “guerra
cultural” e ao apoio a “leis de base moral” (como a proteção de radiodifusão
evangélica e restrições na propaganda de álcool).
A aproximação da direita religiosa com a política republicana se deu em
duas etapas. No período que vai de 1940-60, o Grand Old Party (GOP) era visto
como o partido do anticomunismo e da tradição moral. Apesar de estreitados laços
entre os religiosos (principalmente Billy Graham) e os presidentes Eisenhower e
Nixon, a direita religiosa não influenciou amplamente a política nacional ou a
organização do GOP. Neste período, as divergências internas do protestantismo
americano dificultaram a expressão uníssona da direita religiosa. Fundamentalistas
como Bob Jones e Jerry Falwell eram mais refratários ao alinhamento com liberais
ou católicos que Graham e os evangélicos moderados da NAE.
Se a candidatura do católico John Kennedy, em 1960, logrou unificar
diversas frentes do movimento religioso conservador, a vitória democrata os colocou
como outsiders em Washington. Nesta década, o mote da direita cristã foi o
antissecularismo e a defesa da família americana. As rápidas mudanças sociais,
como a revolução sexual e a contracultura, catalisaram a reação de conservadores,
que por sua vez se apegaram ao anticomunismo e às legislações sobre aborto
(principalmente Roe v. Wade) e sobre direitos civis (Equal Rights Amedndment).
A partir da década de 1970, os conservadores religiosos lograram ampliar
suas alianças e influenciar a agenda republicana. “O que mudou não foi o interesse
dos evangélicos pela política, mas seu nível de comprometimento partidário.”
(WILLIAMS, 2010, p.2) O apoio de inúmeros fundamentalistas batistas trazidos por
Falwell, pentecostais e carismáticos por Pat Robertson e da volumosa Convenção
Batista do Sul foi fundamental para o estreitamento dos laços com o GOP.
Nos anos Carter, a oposição à lei fiscal para escolas particulares culminou
na ampla mobilização de cristãos, que escreveram mais de 500 mil cartas-protesto.
Em 1979 o pastor Jerry Falwell criou a Maioria Moral – agência de lobby evangélico
que agregava, em seu debut, 300 mil membros. (FINGUERUT, 2009, p. 120-122)
Organizações da direita religiosa mobilizaram seus adeptos, encorajando-os
a filiação junto ao Partido Republicano, assumindo seus escritórios locais
por toda a América, e participando de eleições em todos os níveis. Eles têm
sido extremamente eficazes no tratamento do processo democrático para
garantir apoio máximo as suas perspectivas política e religiosa. (MARSDEN,
2008, p.16)
O tabuleiro político dos Estados Unidos na década de 80 foi influenciado
pela aliança entre os neoconservadores e a direita religiosa. Os cristãos
conservadores iniciaram, então, uma aproximação com o universo judeu americano,
dando espaço para discursos pró-Israel, notadamente os proferidos por Falwell, e
consolidando o sionismo cristão moderno.
Programas de televangelistas americanos trabalhavam com orçamentos
multimilionários e atingiam diariamente 60 milhões de americanos – o que
representava um quarto do eleitorado. Criada em fins da década de 50, a CBN
(Christian Broadcasting Network) de Pat Robertson e seu programa “Clube dos 700”
faziam sucesso estrondoso e já em 1985 atingiam um milhão de americanos, além
de 60 países na África, América Central e Oriente Médio. (FINGUERUT, 2009,
p.126-127) Os programas de rádio de James Dobson alcançavam, semanalmente, 5
milhões de ouvintes americanos. No final do século XX, os EUA tinham mais de 200
estações de televisão cristãs e 1.500 rádios cristãs. (MARTIN, 1999, p.71)
Os evangélicos cresceram em número e capacidade de influência. Além da
presença marcante na mídia, com shows de grande audiência e livros best-sellers,
fundaram escolas e universidades, como a Liberty University de Falwell, a Bob
Jones University ou a Regent University de Pat Robertson. Logo ficou evidente a
capacidade de mobilização evangélica, seja na arrecadação de recursos, no registro
para o voto, ou na formação de quadros políticos.
A eleição de Reagan (político pessoalmente comprometido com as ideias da
direita religiosa) deu aos evangélicos a influência política necessária para aumentar
seu poder sobre o GOP (sobretudo no sul). A direita religiosa passava por um
momento de crescimento político através dos insiders na capital. Na virada dos anos
80, surgiram doze organizações evangélicas dispostas a moldar o curso da política
americana, donde se destacam o Focus on the Family (1977) de James Dobson, o
Concerned Woman for America (1979) de Bev LaHaye, o Family Research Council
(1982) de Gary Bauer e o Traditional Values Coalition (1980) de Lou Sheldon.
Influenciado por Ralph Reed, proeminente ativista da Assembleia de Deus,
Pat Robertson cria a Coalizão Cristã a fim de trazer novos eleitores para sua
campanha pela indicação no GOP em 1988. A Coalizão Cristã seguiu bastante
articulada com grupos da direita americana, nos níveis local e nacional. Com 1,7
milhão de membros e 1.700 escritórios por todo o país, a organização de Robson
dispôs de um dos maiores lobbies do Senado Federal. (PEREIRA, 2009, p.229)
A ideia era não somente montar uma campanha presidencial, mas construir
uma duradoura plataforma política que pudesse, a partir do Partido Republicano,
transformar os valores americanos, principalmente os temas da educação, família e
do papel do Estado. O ativismo cristão deveria estar em prol da mudança política.
Não obstante tenha conseguido arrecadar US$ 30 milhões para sua campanha,
através de fiéis e telespectadores da CBN, os pouco mais de um milhão de votos
(cerca de 9%) não foram suficientes para superar o então vice de Reagan, George
H. W. Bush, que saiu como candidato do partido em 1988.
Os anos 90 serviriam para retomar o fôlego. A direita cristã contava, na
convenção nacional do Partido Republicano de 1992, com metade dos delegados
“cristãos renascidos”. De fato, 40% dos candidatos apoiados pela direita cristã
venceram nas eleições legislativas, aumentando o peso relativo da direita religiosa
no Congresso e no GOP. (FINGUERUT, 2009, p.131)
No final do século vinte, a direita religiosa liderava pelo menos um terço dos
comitês estaduais republicanos, elegendo políticos e congressistas conservadores,
principalmente no Meio Oeste e no Sul, e empurrando a agenda do partido cada vez
mais à direita. “Se tornou impossível, para qualquer candidato do GOP à presidência
ignorar as demandas da direita cristã sobre aborto, direitos gay e outros temas
sociais.” (WILLIAMS, 2010, p.8)
Nas eleições presidenciais de 1994, a direita religiosa apoiou o
peleoconservador Pat Buchanan que, com apenas 20% dos votos, perdeu as
prévias republicanas para Bush pai. Ainda que a base eleitoral da direita cristã fosse
grande (20% do eleitorado se dizia renascido cristão ou fundamentalista), o GOP
declinou e Bill Clinton assumiu a Casa Branca. Já nestas eleições pode-se observar
o poder de voto do bloco evangélico. Em 1994, 60% dos evangélicos votaram em
Bush pai, assim como 70% dos frequentadores de igrejas.
Dois anos mais tarde, os republicanos e principalmente a direita cristã
saíram como grandes vitoriosos das eleições congressuais. Em 1996, eles atingiram
a maioria nas duas casas do Congresso, além de trinta estados. O liberalismo de
Clinton reascendeu o conservadorismo religioso e político da nova direita.
Foi exitosa [...] a estratégia histórica da articulação da direita cristã ao
Partido Republicano datada da década de 1980 e, da mesma forma, a
instrumentalização do “nascer de novo” de Bush acabou por angariar o
apoio dessa porção da sociedade civil organizada e esperançosa na
obtenção de recursos e apoio governamental para a sua ação e reprodução.
(PEREIRA, 2009, p.206)
Os anos 2000 seriam definitivos para a experiência da direita religiosa no
poder em Washington. George W. Bush era um renascido evangélico que explorou
abertamente sua fé pessoal para se comunicar com sua base eleitoral. A coalizão
formada entre Reed, Dobson e Richard Land foi fundamental na mobilização do
eleitorado religioso. Em 2000, 68% dos evangélicos brancos votaram em Bush,
proporção que aumenta na ocasião de sua reeleição. Em 2004, 78% dos
evangélicos brancos confiaram seus votos ao republicano. O ganho de poder
evangélico também aparece com o aumento da bancada religiosa no Congresso,
que passou de 10% em ambas as casas em 1970 para 25% em 2004. Nesta época,
de um total populacional com 300 milhões nos EUA, 60 milhões se identificaram
como direita religiosa. (MEAD, 2007, p.111-12)
A gestão George W. Bush foi a mais propensa a apoiar as demandas da
direita cristã. O presidente era visto como o maior líder do movimento, e vários
cargos em Washington foram concedidos a conservadores morais. Os resultados
concretos do movimento religioso, no entanto, se mostraram diminutos. No final da
administração Bush, o aborto ainda era legal e a oração na escola proibida. O
público americano estava cada vez mais favorável aos direitos gay, com muitos
estados aprovando uniões civis e casamentos do mesmo sexo.
Conquanto 70% dos evangélicos tivessem votado em candidatos
republicanos nas eleições congressuais de 2006, preponderava uma desilusão,
principalmente dos jovens, para com o GOP. Isto se deveu ao lento avanço da
agenda cristã, ao desgaste do discurso da “guerra cultural” e aos escândalos
pessoais envolvendo líderes da direita religiosa, como Tom DeLay.
Em 2007, apenas 40% dos jovens evangélicos se identificavam como
republicanos (comparado com 55% dois anos antes). A juventude religiosa do século
XXI estava preocupada com questões ambientais e sociais – como a pobreza, AIDS
e tráfico de pessoas. Em suma, o estilo confrontacional de Falwell, Robertson e
Dobson estava em crise. “Os conservadores evangélicos descobriram que podiam
ganhar eleições, mas não mudar a cultura. Havia capturado um partido, mas
falharam em recuperar a nação.” (WILLIAMS, 2010, p.8)
Muitos analistas americanos diagnosticaram, com o final da administração
George W. Bush, um franco declínio da direita religiosa. Os dados das eleições de
2008, entretanto, reforçam a relação entre religiosos devotos e republicanos. A
escolha da conservadora pró-vida Sara Palin como vice na chapa de John McCain
atraiu muitos votos evangélicos. Com a adesão de Palin, o apoio cresceu 10%. De
fato, a adesão evangélica foi tão importante na campanha de McCain (constituiu
38,5% de seus votos) quanto nas campanhas de Bush em 2000 (40%) e 2004
(36%). McCain recebeu o apoio nas urnas de 73% dos evangélicos e 80% dos
evangélicos brancos que iam semanalmente à igreja. (WILLIAMS, 2010, p.275)
Apesar do desgaste da imagem pública de muitas lideranças da direita
religiosa e do encolhimento do poder republicano com as eleições de 2006 e 08, o
GOP ainda parece ser o único caminho para conservadores religiosos que
pretendem “retomar a alma da América”.
Direita cristã e política externa
A direita cristã foi ampliando progressivamente o escopo de sua agenda e
incorporando temas de política externa. Durante muito tempo, a única preocupação
internacional dos conservadores religiosos foi o combate ao comunismo ateu, dentro
e fora dos Estados Unidos. Na gestão Reagan, por exemplo, as forças evangélicas
apoiaram a corrida armamentista e as investidas contra a União Soviética e contra
movimentos de esquerda na América Central. A CBN de Robertson financiou
parcela das operações anticomunistas na Nicarágua, Honduras e Guatemala.
A Maioria Moral de Jerry Fawell, o Freedom Council de Pat Robertson e a
Heritage Foundation foram alguns dos muitos grupos de direita envolvidos
no Outreach Working Party on Central America da administração Reagan,
elaborando propaganda e estratégia no apoio à campanha de assassinatos
seletivos e outras atividades anticomunistas. (MARSDEN, 2008, p.32)
O mandato de Bush pai, em sua determinação em findar a Guerra Fria,
frustrou amplamente direita religiosa. A administração Clinton, por sua vez, manteve
o executivo impermeável à política religiosa que passou a trabalhar sua agenda
internacional no âmbito do lobby congressual e da mídia cristã, com destaque para o
tema dos cristãos perseguidos no Sudão. Nos anos 90, os conservadores ainda
pressionaram contra a inclusão da China ao status comercial de “nação mais
favorecida” devido aos níveis de perseguição religiosa do governo comunista chinês.
Em 1998, deputados conservadores conseguiram bloquear US$18 bilhões em
fundos ao FMI (Fundo Monetário Internacional) que iriam para organizações que
apoiam o aborto como método de controle de natalidade.
Ainda que a direita cristã não controle nenhum think tank capaz de influir
diretamente na tomada de decisão, ela está bem representada em organizações de
peso como a Heritage Foundation, o Council of Foreign Relations, o Hudson Institute
(onde Nina Shea dirige o Center for Religious Freedom) e o Ethics and Public Policy
Center, dirigido pelo conservador Michael Cromartie.
Foi durante a administração Bush filho que a direita cristã se tornou um
relevante ator da política externa americana, ocupando cargos importantes em
Washington, formulando políticas públicas e representando os EUA no mundo.
Como veremos adiante, a direita religiosa esteve afinada com o discurso messiânico
e atitude altiva americana na expansão da democracia e combate ao terror.
O isolacionismo que deu cor à agenda internacional da direita religiosa e aos
discursos de Falwell e Robertson tem origem na teologia dispensacionalista, que
tentou encontrar em líderes como Hitler, Stalin ou mesmo na União Europeia a
imagem do anticristo e a aproximação do fim dos tempos. O inimigo é personalizado
em instituições seculares como as Nações Unidas (ONU) e a Corte Criminal
Internacional. A direita cristã interferiu, por exemplo, na conduta norte-americana
durante a Conferência Mundial da Mulher em Beijing, de 1995, e a Convenção sobre
os Direitos da Criança, de 1989. (MARTIN, 1999, p.77-79)
Consoante Walter R. Mead (2007), as principais mudanças trazidas pela
direita religiosa para a política externa americana seriam o grande apoio ao tema
dos Direitos Humanos, o aprofundamento das relações com Israel e uma
preocupação especial com o continente africano. O lobby evangélico no Capitólio
contribuiu na aprovação de legislações relevantes para a política externa americana,
como o International Religious Freedom Act de 1998, o Trafking Victims Portection
Act de 2000, o The Sudan Peace Act de 2002 e o North Korea Human Rights Act de
2004. (HAYNES, 2008, p.75) Para termos uma ideia, durante a gestão Bush filho, o
auxílio destinado à África subiu 67% e US$15 bilhões foram destinados
exclusivamente ao combate da AIDS. (MEAD, 2007, p.112-13)
No plano global, os motivos que nutrem a direita cristã são os mesmos da
agenda doméstica: descrença no governo secular, combates às ameaças que ferem
a tradição e os valores familiares, liberdade para pregar e praticar sua religião sem
restrições, e a convicção de que a globalização é o cumprimento da profecia bíblica
do Armageddon. (MARTIN, 1999, p.67)
A direita religiosa e a administração Bush
A seleção dos membros de gabinete e da Casa Branca fez da administração
George W. Bush a mais abertamente evangélica de todos os tempos. O presidente
frequentemente discutia sua fé e experiência de renascimento cristão, começava
cada dia no Salão Oval com uma oração e frequentava, junto a 40% de seus
colegas de Casa Branca, os estudos semanais da Bíblia. (WILLIAMS, 2010, p.252)
[...] a partir do 11 de setembro, a direita cristã teve sua maior oportunidade
para influenciar a política externa dos Estados Unidos. Eles tomaram estas
oportunidades oferecidas pelo Partido Republicano, Congresso e
administração George W. Bush, para influenciar, em termos de assistência
humanitária, a condução da política norte-americana de expansão
democrática, diretos humanos, ajuda externa, meio-ambiente, a questão de
Israel e a guerra ao terror. (MARSDEN, 2008, p.21)
Nesta administração, a direita religiosa celebrou ganhos tangíveis – Bush
assinou o Partial-Birth Abortion Act (2003), o Unborn Victms of Violence Act (2004),
aumentou o financiamento para campanhas de educação sexual pela abstinência,
restringiu a pesquisa com células tronco-embrionárias e deu uma ordem executiva,
dias após sua posse em Washington, para estabelecer as iniciativas baseadas da fé.
Além dos evangélicos que ocuparam assentos no Executivo, Bush apontou
conservadores sociais para a Suprema Corte e importantes postos no exterior.
Fundamentalistas e evangélicos foram entusiastas do projeto de promoção
da democracia pela política externa dos EUA, uma vez que a abertura política
facilitou o programa missionário em países comunistas, mulçumanos ou autoritários.
A direita religiosa gerou apoio popular e suporte teológico para a campanha
democrática de Bush, mirando na capacidade do liberalismo político e do “american
way of life” de sustentar a liberdade religiosa e, com ela, o proselitismo internacional.
Ficava garantido, assim, o lugar das igrejas cristãs no “mercado religioso” de países
no leste europeu, Ásia, África e Oriente Médio. (MARSDEN, 2008, p.90-112)
Neste âmbito, cabe destacar a campanha da direita religiosa pela liberdade
religiosa, originada nos anos 90. Dentre outros, Nina Shea e Michael Horowitz foram
os expoentes da luta pelos perseguidos cristãos no exterior, que culminou na criação
do International Religious Freedom Office em 1998. Instituída a nova diretriz de
direitos humanos, o Departamento de Estado se responsabilizou por monitorar e
punir os governos que ferissem o livre exercício da fé. O governo americano garantiu
mudanças constitucionais favoráveis ao pluralismo religioso no Vietnã, Laos, Arábia
Saudita e Iraque. A direita religiosa segue preocupada com os níveis de restrição à
liberdade religiosa (principalmente de cristãos) em países como China, Birmânia,
Coréia do Norte, Uzbequistão, Paquistão, Irã e Sudão.
A direita religiosa e o combate ao terrorismo
A guerra ao terror ajudou a unificar e reavivar a direita religiosa, cimentando
os laços entre o presidente Bush e o movimento. “Depois de setembro de 2001,
Bush se tornou o líder de facto da direita evangélica”. (WILLIAMS, 2010, p.254) Dois
dias após os ataques, Jerry Falwell e Pat Robertson falaram no show televisivo
“Clube dos 700” que os ataques terroristas eram consequência do julgamento de
Deus sobre os pecados sexuais, aborto, humanismo secular que dominavam a
América. O terrorismo era visto, pela direita religiosa, como o “novo comunismo”.
O periódico evangélico Christianity Today descreveu a política externa de
Bush como morality-based e faith-based. O próprio presidente teria admitido a
influência da sua fé na tomada de decisão e, principalmente depois dos ataques em
New York e Washington, sua linguagem esteve marcadamente influenciada pelo
imaginário evangélico. Os eventos de 11 de setembro foram aludidos como um
“chamado” à América contra as “forças do mal” representadas pelo terrorismo
islâmico – “[...] liberdade e medo, justiça e crueldade têm estado em guerra, e nós
sabemos que Deus não é neutro entre eles”.
A equipe que escrevia os discursos de Bush incluía o evangélico Michael
Gerson. As abundantes metáforas religiosas derivavam, também, do próprio “acervo
bíblico” do presidente metodista. “Quando Bush fala, ele se coloca como um
evangélico conservador e um membro da direita religiosa.” (MARSEDN, 2008, p.106)
O simbolismo religioso conectava liberdade e democracia aos valores ocidentais e à
herança judaico-cristã na construção do excepcionalismo americano.
As invasões do Afeganistão e do Iraque foram respaldadas pelas lideranças
da direita religiosa que, baseadas na escatologia fundamentalista, viam Bush como
o homem escolhido por Deus para conduzir o país na derradeira batalha entre bem e
mal. Visões maniqueístas colocavam Saddam Hussein como uma força das
sombras, o governador da antiga Babilônia (conhecida na linguagem bíblica como
lócus do mal). Quase 65% dos evangélicos apoiaram a invasão do Iraque me
fevereiro de 2003. Pouco antes da empreitada, respeitados líderes evangélicos,
dentre eles Richard Land e Charles Colson, escreveram uma carta a Bush pedindo
pela guerra contra Saddam. (WILLIAMS, 2010, p.255)
A direita religiosa e o meio ambiente
O antiambientalismo da direita religiosa se nutre de três fontes: a refutação
das evidências científicas do aquecimento global, a escatologia que prevê a
segunda vinda de Cristo para a criação de um “novo paraíso” na Terra, e a oposição
a organismos multilaterais como a ONU. Dentro do Partido Republicano, a voz da
direita religiosa se une ao coro dos interesses corporativos e conservadores fiscais.
As indústrias petrolífera e automobilística obtiveram o apoio de líderes como Dobson
e Land para fazer lobby em Washington contra a “onda verde”. Em 2002, a
administração Bush rejeitou um relatório ambiental elaborado pelo Pentágono. No
ano seguinte, adotou o texto do Environmental Protection Agency, que não
mencionava o aquecimento global antropogênico.
Apesar da profunda ligação entre a “velha guarda” da direita religiosa e os
setores industriais, evidências como desastres ambientais despertaram, na nova
geração de evangélicos, a demanda pelo debate ambientalista. O vice-presidente da
NAE, Rochard Cizik, tomou dianteira ao se unir ao movimento internacional
Evangelical Climate Initiative e lançar o documento Climate Change: and evangelical
call to action (2006), apontando o dever cristão de cuidar do planeta. Líderes da
direita religiosa, como Dobson e Land, contestaram a representatividade da NAE, a
legitimidade de Cizik e atuaram pelo seu afastamento. (MARSDEN, 2008, p.156-60)
Para os protestantes fundamentalistas, os desastres naturais são evidências
da aproximação do retorno de Jesus para o grande julgamento. O papel do bom
cristão não seria remediar o meio-ambiente, mas salvar almas. O ambientalismo
seria, portanto, uma demonstração de falta de confiança em Deus, uma maquinação
do anticristo e das forças de esquerda para erguer um governo mundial.
Assim, a bancada evangélica, em ambas as casas do Congresso, ajudou o
governo Bush a refrear um comprometimento com programas de controle na
emissão de gases estufas, como o Protocolo de Kyoto. Este é o caso do senador
republicano James Inhofe que, à frente do Environment Public Works Comitee
(2003-07) demonstrou grande indiferença para com os relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
As iniciativas baseadas da fé
Durante a administração Bush, os conservadores religiosos tiveram grande
influência nas políticas públicas dos Estados Unidos. Destaca-se o Office of Faith
Based and Community Initiatives criado em janeiro de 2001e considerado por muitos
a recompensa pelo apoio maciço dos evangélicos nas eleições de 2000, verdadeiro
patrocínio estatal para a direita cristã. Este escritório, criado no âmbito da Casa
Branca, se projetou ainda sobre cinco núcleos nos ministérios da Saúde e Serviços
Humanitários, Habitação e Desenvolvimento Urbano, Educação, Trabalho e Justiça.
Criou-se, assim, um mecanismo institucional que permitiu a projeção de
organizações religiosas através de projetos voltados aos serviços de bem-estar
social. A gestão Bush diminuiu barreiras regulatórias e aproximou a sociedade civil
religiosa do governo federal, facilitando o acesso a fundos públicos de contribuintes.
Somaram-se às reformas legislativas muitas campanhas para aumentar o acesso à
informação e o treinamento técnico para capacitar as organizações religiosas. Após
alguns anos construindo know how em casa, estas organizações (de maioria cristã)
passam a atuar no exterior através do canal oficial de ajuda externa, a USAID (U.S.
Agency for International Development).
A USAID administra aproximadamente US$10 bilhões anuais em programas
de ajuda externa em 84 países em desenvolvimento, dos quais metade tem maioria
mulçumana. Paradoxalmente, a maioria das organizações islâmicas falha na
solicitação dos fundos pelas Iniciativas Baseadas na Fé. Do montante destinado aos
projetos, 98% são manejados por organizações cristãs. Da mesma forma, muitas
organizações seculares têm projetos negados pela USAID por defenderem, por
exemplo, o aborto como uma opção para planejamento familiar e saúde reprodutiva.
(MARSDEN, 2008, p.125)
Muitas organizações da direita cristã, como a Operation Blessing e a
Samaritan’s Purse (de Franklin Graham) receberam dezenas de milhões de dólares
e, através dos projetos da USAID, puderam aumentar sua presença missionária pelo
globo. (MARSDEN, 2008, p.72) Enquanto isso, os parceiros tradicionais sofreram
cortes de recursos. A predileção pelas organizações religiosas é tácita e diluída nos
gabinetes em Washington, sobretudo através de membros da direita cristã ocupando
cadeiras importantes na USAID. (MARSDEN, 2008, p.125)
Nos anos Bush filho, a luta por corações e mentes na oposição ao terror
incentivou a injeção de incríveis montantes para ajuda externa americana. De 2002
a 2004, o orçamento da USAID dobrou de US$7 bilhões para US$14 bilhões. Os
gastos exclusivos com as iniciativas baseadas na fé somaram US$1,1 bilhão em
2003 US$2,15 bilhões em 2005. Estima-se que 57% das congregações religiosas
americanas estejam engajadas em algum serviço social, geralmente com
desenvolvimento comunitário para atender necessidades imediatas como comida,
roupa e abrigo. (PEREIRA, 2009, p.218)
Apesar de formalmente renunciarem ao proselitismo, as organizações
acabam invariavelmente vinculando sua formação religiosa aos serviços prestados.
Há relatos de que mensagens religiosas estejam associadas ao auxílio humanitário,
como caixas de mantimentos da Convenção Batista do Sul, que traziam a grafia, em
árabe, do versículo 1:17 de João – “Porque a Lei foi dada por meio de Moisés; a
graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.” (PEREIRA, 2009, p.227)
Na África subsaariana, condicionamentos para financiamentos e instalações
médicas são importantes fronts para a evangelização. “Juntamente com assistência
de saúde, os pacientes são sujeitados a versos bíblicos, mostras de “filmes de
Jesus” e proselitismo dos médicos e enfermeiros.” (MARSDEN, 2008, p.128-129)
Muitas organizações só contratam cristãos e incentivam seus membros a converter
os que recebem ajuda.
A mobilização dentro do aparato estatal é ainda complementada com
dezenas de milhares de voluntários que excursionam pelo mundo para “salvar
almas”. São jovens americanos instruídos por seus mentores espirituais a começar
negócios ou trabalhar nas áreas da saúde e educação em diversos países
subdesenvolvidos. Fundamentalistas como Franklin Graham e Pat Robertson não
escondem sua visão sobre o islã e apontam países mulçumanos como alvos de
conversão.
A direita cristã nos círculos militares
A direita cristã não esteve presente somente como agente de soft power, a
moldar programas de ajuda externa norte-americana, mas instalou-se no seio do
aparelho militar, o Pentágono. Segundo Marsden, as campanhas de evangelização
são ostensivas e muitos “renascidos cristãos” ocuparam importantes posições
militares durante o governo Bush. (2008, p. 10-13)
Em 2006, um vídeo produzido pela organização evangélica conservadora
Christian Embassy mostra oficiais de alta patente, em uniforme militar, exaltando sua
religiosidade. Uma série de escândalos e investigações nas Academias do Exército,
Marinha e Forças Armadas revela uma cultura militar abertamente religiosa e um
ambiente que encoraja a evangelização dos novatos.
Investigações a partir de denúncias do Instituto Militar da Virgínia, da
Academia da Força Aérea, Academia Naval em Annapolis e West Point,
entre 2004 e 2009 revelam grande pressão sobre os cadetes e aspirantes
da marinha para que se convertam ao cristianismo evangélico. A Fundação
Militar Liberdade Religiosa recebeu mais de quinhentas reclamações de
preconceito religioso por mês. (MARSDEN, 2009, p. 12)
A influência da direita cristã também se estende aos campos de batalha do
Afeganistão e do Iraque. Ao longo dos últimos anos, os evangélicos conservadores
assumiram quase sessenta por cento dos postos de capelania militar. Na cidade de
Najaf, um capelão americano ofereceu aos soldados a possibilidade de nadar na
piscina em troca de sua conversão e batismo. Mesmo em serviço, os soldados
recebem mídias com os cultos em suas igrejas nos EUA, e nos alojamentos eles
atendem a atividades religiosas, realizam reuniões para ler a Bíblia e rezar.
Estes eventos, que permeiam muitas atividades internacionais americanas,
nos mostram como a recente influência que grupos religiosos organizados, dos
quais destacamos a direita cristã, misturam imperativos teológicos e doutrinários
com projetos políticos, moldando a construção do interesse estadunidense.
O Lobby de Israel
Em seu artigo seminal, Walt e Mearsheimer (2006, p.43-73) definem a
relação entre Estados Unidos e Israel como central para a política norte-americana
no Oriente Médio. A atuação do Lobby de Israel constrói a percepção de que os
interesses estratégicos entre os dois Estados são idênticos, e de que os valores
compartilhados fazem da relação americana-israelense a “mais especial de todas” e
uma “relação de família da política internacional”.
Os Estados Unidos direcionaram um quinto de sua ajuda externa a Israel,
em soma de US$3 bilhões anuais. O parceiro especial é brindado com a
transferência financeira em parcela única no início do ano fiscal, sem necessidade
de prestar contas e afrouxamento das condicionantes para gastos militares. O
montante global em ajuda externa a Israel chega perto de US$ 200 bilhões.
(MARSDEN, 2008, p.177)
O apoio diplomático permanente se revela pelos vetos americanos a causas
prejudiciais a Tel Aviv no Conselho de Segurança da ONU. Muitos seriam os canais
de expressão da política pró-israelense, direcionada pela frouxa coalizão de
indivíduos e organizações que compõe o lobby. Dentre estes se destacam o
American-Israel Public Affairs Committee (Aipac), o Washington Institute for Near Est
Policy (Winep), neoconservadores, cristãos evangélicos e sionistas cristãos.
Diversos meios de influência envolvem pressão sobre o Congresso, a
mobilização de eleitores e financiamento de candidatos pró-Israel, atuação em
campi universitários, think tanks, controle da opinião pública, coordenação com
lideranças em Tel Aviv e pronta resposta (através, por exemplo, de campanhas de
redação de cartas) às críticas em relação a Israel. A influência do Aipac no
Executivo, por exemplo, se deve ao peso do eleitorado judeu e de suas doações em
campanhas presidenciais. O levantamento de fundos da comunidade judaica pode
somar 60% do orçamento de ambos os partidos.
Segundo Daniel Pipes, o conflito árabe-israelense tem grande peso eleitoral
e ajuda a definir ideologicamente os partidos. Ao final da Guerra Fria, a simpatia
republicana por Israel aumentou, e a causa palestina ficou isolada como uma
bandeira das esquerdas. O panorama é ilustrado pelos 72% dos republicanos, e
apenas 47% dos democratas, simpatizantes da causa israelense. (PIPES, 2006)
Foi durante a administração Bush filho que membros do Lobby israelense
assumiram postos altos na equipe governamental, donde se destacam Elliot Abrams
(diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para assuntos do Oriente
Próximo e Norte da África), John Bolton (subsecretário para controle de armas e
segurança internacional), Douglas Feith (subsecretário de defesa), “Scooter” Libby
(assessor do vice-presidente Dick Cheney para questões de segurança nacional),
Richard Perle (presidente do Conselho de Política de Defesa) e Paul Wolfowitz
(subsecretário do Departamento de Defesa e posteriormente presidente do Banco
Mundial). (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.63)
A direita cristã tem se tornado o grupo que dá maior suporte à causa
israelense nos Estados Unidos, perdendo espaço até mesmo para a comunidade
judaica do país. Se fizermos um levantamento dos nomes que sustentam o sionismo
cristão, encontraremos o vice Cheney, John Bolton (embaixador norte-americano na
ONU) e Wolfowitz. No Congresso, os defensores da política especial para o parceiro
judeu são os deputados Dick Armey, Tom Delay, Bill Frist e Rick Santorum.
No púlpito das igrejas e na mídia religiosa, destacam-se Falwell, Robertson e
Reed como lideranças pró-Israel. A operacionalização do Lobby israelense pela
direita cristã vai da organização de caravanas de turismo religioso à Terra Santa ao
financiamento de assentamentos na faixa de Gaza e à defesa da transferência da
embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, a “capital indivisível” de Israel.
O fundamento do chamado sionismo cristão reside na escatologia
fundamentalista admitida pela direita religiosa, que coloca Israel no centro do
cumprimento da profecia bíblica da segunda vinda de Jesus Cristo à Terra, no final
dos tempos. (MARSDEN, 2008, p. 184) Esta tese é conhecida como pós milenarismo e tem origem na interpretação literal do Primeiro Testamento,
sustentando o retorno do messias acontecerá somente quando os judeus estiverem
reunidos na Terra Santa. Característica do fundamentalismo americano, o sionismo
cristão defende o apoio cego e irrestrito a Israel, pois assim os Estados Unidos
estariam “apressando” a virada apocalíptica.
É importante salientar que nem todos os membros da direita cristã são
sionistas cristãos. Uma pequena minoria defende que a igreja ocupou o lugar de
Israel na aliança com Deus, outros defendem a conversão dos judeus ao
cristianismo. Os sionistas cristãos creem na ligação eterna de Deus com o povo
judeu, motivo pelo qual os Estados Unidos devem proteger a Terra Santa e os
descendentes de Abraão. Para o pastor John Hagee, com o renascimento de Israel
em 1948 e a unificação de Jerusalém em 1967, o retorno de Cristo é iminente.
Assim como Tim e Bev LaHayne, James Dobson e Tony Perkins, todos líderes da
direita cristã, Hagee é um comunicador de massas e sua opinião é endossada por
25 milhões de evangélicos norte-americanos. (MARSDEN, 2008, p.182-86)
Considerações Finais
O breve texto objetivou descrever o histórico de atuação da direta religiosa
ao longo do século vinte até seu auge durante o governo George W. Bush.
Organizações como a Maioria Moral, a Coalizão Crista e a Convenção Batista do Sul
conquistaram crescente influência na política americana, na medida em que
estiveram associadas a líderes carismáticos, meios de comunicação de massas e,
sobretudo, à mensagem religiosa interiorizada por grande parte da população.
Devido à sua capacidade de somar fundos, financiar campanhas e mobilizar
a população para o voto, a direita religiosa ganhou poder e conseguiu se instalar no
seio do Partido Republicano. Ali, muitas vezes foi instrumentalizada em tempos de
eleição. Todavia, no longo prazo o debate da “guerra cultural” se mostrou um grande
divisor de águas na política americana. Apesar de conquistas tímidas frente ao
avanço do liberalismo social, a direita religiosa seguiu articulando seus temas: a
favor da família e da oração nas escolas, contra o aborto e o casamento gay.
Nos anos Bush os evangélicos ocuparam importantes assentos no governo,
apoiando o tom missionário do presidente e a “relação especial” com Israel, influindo
nas políticas públicas para o meio ambiente, direitos humanos e ajuda externa. O
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imaginário evangélico que perpassou a campanha antiterror e a promoção
democrática foi orquestrado pelo então líder da direita religiosa americana, o próprio
George W. Bush. A América era representada como uma nação especial atendendo
a um chamado, uma “cidade sobre a colina” nas relações internacionais. Futuras
reflexões poderão averiguar o destino da direita religiosa que, apesar de encolhida
ao final da gestão Bush, seguiu relevante na eleição de 2008 e em sua associação
com novos grupos da direita americana, como o Tea Party.
Bibliografia
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Estados Unidos. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da (org). Uma nação com alma
de Igreja: religiosidade e políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra,
2009.
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York: Zed Books, 2008.
• ________. Civil Religion and US Foreign Policy. Revista NURES, n. 14, jan/abril
2009.
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Policy, n.114, p.66-80, 1999.
• MEAD, Walter R. País de Deus? Política Externa, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 103-
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Cebrap, n.76, nov. 2006, p.43-73.
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públicas no governo Bush. In: SILVA, Carlos Eduardo Lins da (org). Uma nação
com alma de Igreja: religiosidade e políticas públicas nos EUA. São Paulo: Paz e
Terra, 2009.
• PIPES, Daniel. Democrats, Republicans and Israel. New York Sun, 26 de maio
2006.
• WILLIAMS, Daniel K. God’s own party: the making of the Christian Right. New
York: Oxford University Press, 2010.
Fonte... http://www.proceedings.scielo.br/pdf/enabri/n3v3/a13.pdf
A epifania da extrema-direita cristã nos EUA
No dia 6 de janeiro de 2021, quando uma multidão de extremistas pró-Trump invadiu o Capitólio dos EUA, foi difícil não reparar na profusão de símbolos cristãos que tremulavam nas faixas e bandeiras dos manifestantes. Enquanto venciam as frágeis barricadas e irrompiam pelas portas do Capitólio, homens e mulheres carregavam consigo dizeres como “Jesus salva!”, “Deus, armas e Trump”, “Você precisa de Jesus” e “Jesus é o meu Salvador. Trump é o meu Presidente”. Ao lado de representantes de vários grupos do amplo espectro da extrema direita estadunidense – supremacistas brancos e neonazistas, Proud Boys, teóricos da conspiração ligados ao QAnon e extremistas violentos do movimento MAGA (Make America Great Again) –, cristãos confirmaram uma crença fervorosa na ideia de que a eleição presidencial foi ilegítima, de que houve fraude eleitoral em massa e, principalmente, de que eles foram chamados para defender o país como patriotas contra uma ameaça à própria democracia. Assim, eles não estariam atacando a nação, mas salvando-a.
Nesse sentido, a invasão do Capitólio dos EUA foi vista por muitos extremistas não apenas como um ato político, mas religioso. O ataque foi feito em nome de Deus. Aqueles que quebraram janelas, pisotearam jornalistas e aterrorizaram congressistas sentiram como se estivessem diante de um ofício sagrado. Deus certamente estaria com eles. Ora, a participação ativa de cristãos na turba que desafiou a democracia estadunidense no início de janeiro não foi um raio em céu sereno. Basta retomar os termos da aliança selada entre líderes cristãos conservadores e Donald Trump na campanha presidencial de 2016.
Desde Ronald Reagan, em 1980, nenhum outro candidato à Casa Branca havia feito um apelo tão forte ao voto evangélico. Em 2016, Trump fez do voto de fé dos evangélicos, especialmente os brancos, uma das peças centrais de sua campanha. Embora se apresentasse como presbiteriano, Trump nunca foi reconhecido como um homem religioso. No entanto, escolheu Mike Pence, um notável evangélico conservador, para compor sua chapa e abraçou a agenda de movimentos pró-vida e da direita religiosa estadunidense.
Ao longo da campanha de 2016, Trump enviou uma série de cartas de compromisso para organizações conservadoras prometendo nomear juízes pró-vida à Suprema Corte, retirar fundos da Planned Parenthood, caso eles continuassem a apoiar programas a favor da interrupção da gravidez, e criar uma legislação impedindo que impostos fossem destinados ao financiamento de abortos. Assim, o então candidato republicano se tornou a esperança de que uma agenda conservadora fosse implantada de maneira mais aprofundada nos EUA, algo em que outros presidentes mais bem quistos pela direita religiosa, como George W. Bush, pouco conseguiram avançar.
Presidente dos EUA, Donald Trump, discursa na Marcha pela Vida no dia 24 de janeiro de 2020, manifestação que ocorre anualmente em Washington. Reprodução
Em contrapartida, entre os católicos conservadores, Trump também obteve um apoio considerável, não só por conta de sua defesa dos valores da família tradicional e da oposição ao aborto e aos direitos da comunidade LGBTQI+, mas também por alimentar um forte sentimento anti papa Francisco. A eleição de Jorge Bergoglio em 2013 foi um choque para boa parte da Igreja Católica estadunidense e muitos católicos apresentaram resistência à ideia de ter um jesuíta latino-americano na cátedra de Pedro. Além disso, ao longo do pontificado, vários bispos passaram a acreditar que Francisco rompia com a tradição da Igreja em torno de temas como sexualidade e família, particularmente após a publicação da exortação apostólica Amoris Laetitia e diante do incentivo papal ao diálogo com grupos historicamente marginalizados pela Igreja.
Assim, Trump foi eleito em 2016 com amplo apoio de cristãos brancos e conservadores que encontraram nele um forte aliado no front das chamadas guerras culturais e um garantidor da liberdade religiosa, ainda que essa tal liberdade não incluísse os muçulmanos, por exemplo. Porém, ao longo do mandato, as igrejas estadunidenses não receberam muita coisa de Trump, exceto um punhado de juízes da Suprema Corte que deixaram claro que a revogação da legalização do aborto não seria alcançada por meios legais. Ainda assim, em 2020, católicos e evangélicos conservadores renovaram a sua confiança no presidente, que passou a ter uma aura profética para alguns movimentos cristãos de extrema-direita.
Ao longo da última campanha presidencial, várias lideranças religiosas utilizaram uma linguagem apocalíptica para interferir nas eleições e demonizar Joe Biden, o quarto católico a se candidatar à presidência dos EUA, depois de Al Smith, em 1928, John F. Kennedy, em 1960, e John Kerry, em 2004. Bispos referiram-se a Biden como um “mau católico” por seu apoio ao aborto legal e ameaçaram proibi-lo de comungar. Nos púlpitos e na mídia católica conservadora, padres reforçaram a incompatibilidade entre o catolicismo e a agenda do Partido Democrata, apontado como o “partido da morte”. A eleição virou uma batalha do Bem contra o Mal. Todos os cristãos que tivessem a intenção de votar em Biden deveriam estar prontos para encarar o fogo do inferno. Ao mesmo tempo, Trump recebeu afagos, orações e apoios silenciosos ou entusiasmados do clero e de muitos fiéis, que continuavam a ver nele um homem do bem e comprometido com os valores cristãos. Quem votasse nele, certamente poderia sonhar com a Terra Prometida e com a vida eterna.
Tear Gas outside United States Capitol. 6 January 2021. Autor: Tyler Merbler. Wikimedia Commons.
Por isso, quando a derrota de Trump foi confirmada, o Apocalipse tão alardeado durante a campanha encontrou os cristãos preparados para lutar pelo bem da Nação. Era chegada a hora de lutar contra o Mal. Católicos e evangélicos deram-se as mãos e, em oração, marcharam sobre o Capitólio para tentar impedir a confirmação da vitória de Biden, visto por eles como um fantoche das ideias da esquerda radical. Ao lado de outros extremistas, religiosos já não mais defendiam apenas os valores morais das suas igrejas, mas a religião da Nação, uma religião civil que venera a tradição, protege o status quo e constrói uma união nacional sob a supremacia branca e autoritária.
A invasão do Capitólio ocorreu coincidentemente no dia em que os cristãos celebram a manifestação de Jesus aos três reis magos. Porém, o que se viu em Washington naquele 6 de janeiro foi a epifania da extrema-direita cristã nos EUA. Cristãos conservadores revelaram ao mundo que é possível alcançar grandes feitos, ainda que aparentemente sejam derrotados. Enquanto o mundo reagia com horror e espanto à invasão, a extrema-direita usava a insurreição como uma ferramenta para recrutar e mobilizar mais pessoas em prol de ideias extremistas e antidemocráticas.
Muitas lideranças religiosas conservadoras lançaram notas de repúdio à violência da invasão ao Capitólio, mas não admitiram a cumplicidade com o ambiente de radicalização e a demonização do processo eleitoral. Outros representantes da mídia comandada por cristãos de extrema-direita preferiram a versão de que a violência havia sido obra de infiltrados do movimento antifascista. É bem verdade que muitas outras lideranças cristãs foram contrárias à invasão do Capitólio e se manifestaram em defesa da democracia. Algumas endossaram abertamente a candidatura de Biden e se engajaram na sua campanha. No entanto, ainda é muito comum que esses líderes progressistas se refiram aos conservadores como “falsos cristãos”, que não conhecem o “verdadeiro Evangelho de Cristo”. Muitos intelectuais também sentem dificuldade de reconhecer os religiosos que cerraram fileiras com os invasores do Capitólio como “verdadeiros cristãos”.
No entanto, apontar quem são os verdadeiros e os falsos cristãos, separar o joio do trigo, não resolve nada. Afinal, quem pode ter certeza de possuir a boa medida para definir os fiéis e os infiéis? Importa mais entender a formação desses cristãos que não desistiram do trumpismo: quem são eles, quais são as suas ideias, como as suas visões de mundo são forjadas nas igrejas e na própria sociedade. É fundamental ver nestes cristãos os fiéis comuns que vão à igreja todos os domingos e não apenas a caricatura de extremistas que simplesmente usam o nome de Deus para fazer o Mal. Eles não são estranhos àquela sociedade, são imagem e semelhança de tantos homens e mulheres estadunidenses que, embora não tenham chegado ao ponto de invadir o Capitólio, pensam como muitos daqueles invasores. Sentem-se representados por eles.
Enquanto estivermos preocupados em apontar quem são os verdadeiros e os falsos cristãos, estaremos deixando de lado a complexidade das igrejas e do cristianismo que, muitas vezes, revela a sua face humana e, em outras tantas, a face da barbárie, quando não as duas caras ao mesmo tempo. A relação do trumpismo com o cristianismo nos EUA não foi um parêntese na história religiosa e política do país. A aliança forjada em 2016, embora se encontre atualmente ameaçada por Biden, não está destinada a terminar com o governo do novo presidente, por mais urgente e necessário que isso seja para o triunfo da democracia nos EUA.
Crédito da imagem destacada: Apoiadores de Donald Trump unem-se em oração fora do Capitólio dos EUA em Washington, 6 de janeiro de 2021, onde o Congresso dos EUA se reuniu em sessão conjunta para certificar os votos do Colégio Eleitoral para o presidente Joe Biden. Reprodução.
fonte
https://www.historiadaditadura.com.br/post/a-epifania-da-extrema-direita-crist%C3%A3-nos-eua
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