COMO A CIDADE DE BOSTON DIMINUIU EM 79% A CRIMINALIDADE DE MENORES
Um dos líderes do programa “Boston Miracle”, Reverendo Jeffrey Brown, começou como um jovem pastor perplexo de ver seu bairro em Boston desmoronar ao seu redor, com as drogas e violência de gangues controlando os jovens nas ruas. O primeiro passo para a recuperação: ouvir esses jovens, não apenas pregar para eles e ajudá-los a reduzir a violência em seus próprios bairros. Esta é uma poderosa palestra sobre ouvir para realizar mudanças.
22 DE FEVEREIRO DE 2018 ÀS 17:28 // INSCREVA-SE NA TV 247
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Andrea Mussap. Revisão: Wanderley de Jesus
Ativista-chave do programa “Boston miracle” que conseguiu baixar de 79% o índice de criminalidade infanto-juvenil e a violência de gangues na cidade de Boston, Reverendo Jeffrey Brown é pastor da Igreja Batista. Ele é presidente do RECAP (Rebuilding Every Community Around Peace, “Reconstruir as comunidades sob a égide da paz”), uma organização norte-americana de âmbito nacional que auxilia as cidades a construir parcerias entre as comunidades religiosas, o governo e as agências legais para reduzir a violência das gangues infanto-juvenis.
Brown é também um dos co-fundadores da Boston Ten Point Coalition, Coalisão dos Dez Pontos em Boston, grupo religioso atuante no projeto “Boston miracle”, “Milagre de Boston”, um processo através do qual a cidade experimentou um declínio de 79% do índice de crimes violentos a partir dos anos 1990, e desenvolveu incontáveis ações urbanas nos anos subsequentes.
Reverendo Brown é hoje consultor de várias municipalidades e departamentos da polícia norte-americana para assuntos tais como a violência urbana, sobretudo a infanto-juvenil, e o fortalecimento das instituições legais. Ele promove também importantes ações destinadas a conscientizar o público e as autoridades sobre a importância das instituições religiosas na segurança pública.
Vídeo:
Tradução integral da palestra do Reverendo Jeffrey Brown no TED:
Aprendi algumas das minhas mais importantes lições de vida com os traficantes de drogas e membros de gangues e prostitutas. E tive algumas das minhas mais profundas conversas teológicas não nos salões sagrados de um seminário, mas em uma esquina em uma madrugada de sexta-feira.
Isso é um pouco incomum, já que sou pastor batista, seminarista, e fui pastor de uma igreja por mais de 20 anos, mas é verdade. Isso veio como uma parte da minha participação em uma estratégia de segurança pública de redução crime que viu uma redução de 79% nos crimes violentos ao longo de um período de oito anos em uma grande cidade.
Mas não comecei querendo ser parte da estratégia de alguém para a redução do crime. Eu estava com 25 anos, tinha minha primeira igreja. Se você me perguntasse qual era a minha ambição, teria lhe dito que queria ser um pastor de uma mega-igreja. Queria uma igreja com 15, 20 mil membros. Queria meu próprio clero na televisão. Queria a minha própria linha de roupas. (Risos) Queria ser seu apoio a longa distância. Sabe, queria ser tudo. (Risos)
Após cerca de um ano como pastor, minha filiação chegou a cerca de 20 membros. Então, a mega igreja passou bem longe. Mas sério, se me perguntasse: "Qual é a sua ambição?" Teria dito, apenas ser um bom pastor, poder estar com as pessoas em todas as passagens da vida, pregar mensagens que tivessem um significado simples para as pessoas e na tradição afro-americana, poder representar a comunidade que sirvo.
Mas havia algo mais acontecendo na minha cidade e em toda a área metropolitana, e na maioria das áreas metropolitanas nos Estados Unidos: a taxa de homicídios começaram a subir vertiginosamente. Havia jovens que estavam se matando por razões que achavam muito triviais, como esbarrar em alguém em um corredor do ensino médio, e então, após a aula, atiravam na pessoa. Alguém com a camisa de cor errada, na esquina errada, na hora errada. E algo precisava ser feito sobre isso. Chegou a um ponto onde começou a mudar a característica da cidade. Se você fosse a qualquer conjunto habitacional, como o da rua da minha igreja, por exemplo, e entrasse, era como uma cidade fantasma, porque os pais não deixavam seus filhos saírem para brincar, mesmo no verão, por causa da violência. Ouviria nos bairros em qualquer noite, -- e para o ouvido destreinado soava como fogos de artifício --mas eram tiros. Ouviria quase todas as noites, quando estava cozinhando, colocando seu filho para dormir ou assistindo TV. E em qualquer quarto de emergência, de qualquer hospital, o que você via nas macas eram jovens negros e latinos feridos e morrendo. E eu estava fazendo funerais, mas não de venerados patriarcas e matriarcas que viveram uma vida longa e havia muito a ser dito. Eu estava fazendo funerais de jovens de 18 anos, 17 anos, e 16 anos, e estava em uma igreja ou em um velório lutando para dizer alguma coisa que causasse algum impacto significativo. Então, enquanto meus colegas construíam catedrais grandes e altas, e compravam propriedades fora da cidade e levavam suas congregações para lá, de modo que pudessem criar ou recriar suas cidades de Deus, as estruturas sociais no interior das cidades estavam cedendo sob o peso de toda essa violência.
Jovens de Boston unidos no combate à violência juvenil urbana.
Então eu fiquei porque alguém precisava fazer algo, e olhei para o que tinha e segui com aquilo. Comecei a pregar condenando a violência na comunidade. E comecei a observar a programação da minha igreja, e a criar programas que atraíssem jovens em situação de risco, aqueles que estavam inclinados à violência. Até tentei ser inovador na minha pregação. Já ouviram falar de música rap, certo? Até tentei um sermão em ritmo rap. Não deu certo, mas ao menos tentei. Nunca esquecerei do jovem que veio falar comigo depois do sermão. Ele esperou todos saírem, e disse: "Ei, Rev, sermão rap, hein?" E eu: "É, o que você achou?" E ele disse, "Não faça mais isso, Rev. Boston Miracle”
Mas preguei e criei estes programas, e pensei que talvez se meus colegas fizessem o mesmo que isso faria uma diferença. Mas a violência resvalou fora de controle, e pessoas que não tinham a ver com a violência, eram baleadas e mortas: alguém indo comprar um maço de cigarros em uma loja de conveniência, ou alguém sentado num ponto, apenas esperando pelo ônibus, ou crianças que brincavam no parque, alheias à violência do outro lado do parque, mas que chegava até elas. As coisas estavam fora de controle, e eu não sabia o que fazer, e então algo aconteceu que mudou tudo para mim. Foi um garoto chamado Jesse McKie, caminhando para casa com seu amigo Rigoberto Carrion, para o conjunto habitacional na rua da minha igreja. Eles deram de cara com um grupo de jovens que era de uma gangue em Dorchester, e foram mortos. Mas, enquanto Jesse fugia da cena, mortalmente ferido, e corria em direção à minha igreja, ele morreu a cerca de 30 a 45 m dela. Se ele tivesse chegado à igreja, não teria feito diferença, porque as luzes estavam apagadas; não havia ninguém. Eu tomei aquilo como um sinal. Quando pegaram alguns dos jovens que tinham feito aquilo, para minha surpresa, eles tinham quase a minha idade, mas o abismo que havia entre nós era vasto. Era como se estivéssemos em dois mundos completamente diferentes.
E assim que contemplei tudo isso e observei o que estava acontecendo, de repente, percebi que um paradoxo surgia dentro de mim. E o paradoxo foi o seguinte: em todos esses sermões que pregava condenando a violência, eu também falava sobre como construir uma comunidade, mas de repente percebi, que havia um segmento da população que eu não estava incluindo na minha definição de comunidade. E então, o paradoxo era este: se eu realmente queria a comunidade para a qual estava pregando, precisava alcançar e incluir este grupo que tinha excluído da minha definição. Não era só uma questão de criar programas para atrair aqueles que estavam inclinados à violência, mas para alcançar e incluir aqueles que estavam comprometidos com ela: membros de gangues, traficantes de drogas.
Assim que percebi isso, uma rápida questão veio à minha mente. Por que eu? Esta não é uma questão de aplicação da lei? É para isso que temos a polícia, certo? Tão rápido quanto a pergunta, "Por que eu?", veio a resposta: Por que eu? Porque sou eu quem não consigo dormir à noite pensando nisso. Porque sou eu quem está por aí dizendo que alguém precisa fazer algo sobre isso, e estou começando a perceber que esse alguém sou eu. Não é assim que os movimentos começam? Não começam com uma grande convenção e as pessoas se juntando e então, caminhando em sintonia com um propósito. Começa com apenas alguns, ou talvez apenas um.
Começou comigo, daquele jeito. Então decidi entender a cultura da violência que estes jovens estavam cometendo, e comecei a voluntariar no ensino médio. Depois de duas semanas de voluntariado na escola, percebi que a juventude que tentava alcançar não estava na escola. Comecei a andar na comunidade, e não era preciso ser um cientista para perceber que eles não saíam durante o dia. Então comecei a andar pelas ruas à noite, tarde da noite, indo aos parques onde eles estavam, criando o relacionamento necessário.
Carlos Ramos e Francisca Alvarado com seu filho Carlos, família de imigrantes hispanos radicada em Boston integrada no programa Boston Miracle.
Aconteceu uma tragédia em Boston que uniu uma série de cleros, e um pequeno grupo de nós concluiu que tinha de sair das quatro paredes de nosso santuário e atender os jovens onde eles estavam, e não tentar descobrir como trazê-los pra dentro. E assim, decidimos caminhar juntos, e nos reuniríamos em um dos bairros mais perigosos da cidade nas sextas e sábados à noite, às 22h, e caminharíamos até as 2 h ou 3 h da manhã. Quando começamos a caminhar, imagino que éramos uma anomalia. Quero dizer, não éramos traficantes. Não éramos usuários de drogas. Não éramos a polícia. Alguns de nós usavam colarinhos. Provavelmente era uma coisa realmente estranha. Mas, depois de um tempo, eles começaram a falar conosco e nós descobrimos que enquanto caminhávamos, eles nos observavam, e queriam certificar-se de algumas coisas: a primeira, que seríamos consistentes em nosso comportamento, que continuaríamos indo lá; e segundo, eles queriam ter certeza que não estávamos lá para explorá-los. Porque havia sempre alguém que dizia: "Resgataremos as ruas", mas parece que sempre havia uma câmera de TV, ou um repórter, e queriam melhorar a sua própria reputação em detrimento dos que estavam nas ruas. Então, quando viram que não tínhamos nada daquilo, decidiram falar conosco. E então, fizemos uma coisa incrível para pregadores. Decidimos ouvir em vez de pregar. Vamos lá, palmas para mim. Tudo bem, vocês estão tomando meu tempo, ok? Mas foi incrível. Dissemos a eles: "Não conhecemos nossas próprias comunidades após as 21h, entre 21h e 5h, mas vocês conhecem. Vocês são os especialistas no assunto, se quiserem, nesse período de tempo. Então, falem conosco. Ensine-nos. Ajude-nos a ver o que não estamos vendo. Ajude-nos a entender o que não conseguimos entender." E todos ficaram felizes em fazer isso, e tivemos uma ideia do que era a vida nas ruas, muito diferente do que você vê no noticiário das 23 horas, muito diferente do que é retratado nas mídias popular e social.
Grafite referente às gangues juvenis norte-americanas.
E enquanto conversávamos com eles, uma série de mitos a respeito deles foram dissipados. E um dos maiores mitos era que eles eram frios e sem coração, e estranhamente ousados em sua violência. O que descobrimos foi exatamente o oposto. A maioria dos jovens que estava lá fora nas ruas, está apenas tentando sobreviver nelas. E também descobrimos que algumas das pessoas mais inteligentes, criativas, magníficas e sábias que já encontramos estavam na rua, engajados em uma luta. Alguns deles chamam isso de sobrevivência, mas eu os chamo de vencedores, porque quando se está nas condições em que eles estão, conseguir viver cada dia é uma realização de superação. E, como resultado disso, perguntamos a eles: "Como vocês veem esta igreja, esta instituição ajudando essa situação?" E desenvolvemos um plano em conversa com estes jovens. Paramos de encará-los como o problema a ser resolvido, e começamos a olhar para eles como parceiros, como trunfos, como co-trabalhadores na luta para reduzir a violência na comunidade. Imagine o desenvolvimento de um plano, você tem um pastor em uma mesa e um traficante de heroína na outra, se aproximando de modo que a igreja possa ajudar toda a comunidade.
A intenção do programa "Boston Miracle" era a aproximação das pessoas. Tivemos outros parceiros. Tivemos parceiros da lei. Tivemos policiais. Não era toda a polícia, porque ainda havia aqueles que tinham a mentalidade de prendê-los, mas havia outros policiais que viram honra em trabalhar com a comunidade, que viram a responsabilidade em si mesmos de trabalharem como parceiros com líderes de comunidades e líderes da fé para reduzir a violência na comunidade. Mesmo com oficiais da condicional, o mesmo com juízes, o mesmo com pessoas que estavam acima dessa hierarquia da lei,pois como nós, eles entenderam que nunca nos libertaremos desta situação, que não haverá acusações suficientes, que não adianta encher as cadeias para aliviar o problema. Eu ajudei a começar uma organização há 20 anos, uma organização baseada na fé, para lidar com esta questão. Eu a deixei há cerca de 4 anos e comecei a trabalhar em cidades nos Estados Unidos, 19 no total, e descobri que nessas cidades, sempre havia este componente dos líderes comunitários que entravam de cabeça e trabalhavam sério, que deixavam seus egos de lado e viam o todo como maior que a soma de suas partes, e se uniam e encontravam formas de trabalhar com a juventude nas ruas; que a solução não era mais policiais, era extrair o que já havia de bom na comunidade, ter um forte componente comunitário colaborando com a redução da violência.
Esportes, artes, diversão e educação foram itens fundamentais para o êxito do programa Boston Miracle.
Há um movimento de jovens nos Estados Unidos, do qual tenho muito orgulho, que está lidando com questões estruturais que precisam mudar se queremos ser uma sociedade melhor. Mas há uma manobra política para colocar a brutalidade policial e a má conduta policial contra a violência de negros contra negros. Mas isso é uma ficção. Está tudo ligado. Quando você pensa em décadas de políticas habitacionais fracassadas e estruturas educacionais pobres; quando você pensa na persistência do desemprego e subemprego em uma comunidade; quando você pensa em um sistema de saúde pobre, e joga drogas nessa mistura e mochilas cheias de armas, não é de se admirar que você veja esta cultura de violência emergir. E então a resposta que vem do estado é mais policiais e mais supressão de locais de risco. Está tudo ligado, e uma das coisas maravilhosas que conseguimos fazer é mostrar o valor da parceria: comunidade, polícia, setor privado e a cidade para reduzir a violência. Você tem de valorizar esse senso de comunidade.
Acredito que podemos acabar com a era da violência em nossas cidades. Acredito que é possível e que pessoas estejam fazendo isso agora. Mas preciso de sua ajuda. Não tem como vir de pessoas que estão prejudicando a si próprias na comunidade. Elas precisam de apoio, de ajuda. Voltem para a sua cidade. Encontre essas pessoas. "Você precisa de ajuda? Vou ajudá-lo." Encontre essas pessoas. Elas estão lá. Reúna-as com a lei, o setor privado e a cidade com o objetivo de reduzir a violência, mas certifique-se de que o senso da comunidade seja forte. Porque o velho ditado que vem do Burundi está certo: "O que você faz por mim, sem mim, está contra mim."
Deus lhes abençoe. Obrigado.
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