14.02.2018, 10:12
O PODER VICIANTE DA SACAROSE
A adição ao açúcar tem origem nas profundezas do cérebro: na zona do “circuito de recompensa”, aquela mesma área cerebral onde atuam todas as outras drogas. Como nos tornamos viciados em açúcar?
Por: Laurent Giordano – Le Figaro Santé
O açúcar é um pó branco, como a cocaína… Em 2007, o cientista Serge Ahmed e sua equipe da Universidade de Bordeaux relançaram com virulência um debate que desde então permanece em pauta: o poder viciante do açúcar. Na época, os pesquisadores mostraram que a sacarose possui um potencial de adição mais elevado do que a cocaína! Em suas experiências, ratos podiam escolher entre uma bebida açucarada e doses crescentes de cocaína. Pois bem: de 100 ratos testados, 94 preferiam o açúcar. Rapidamente, por causa do seu poder viciante, o açúcar foi assimilado a uma droga dura. A indústria açucareira se manifestou indignada, argumentando que aquelas experiências tinham sido feitas com animais, e não podiam ser aplicadas aos seres humanos.
Mas, logo em seguida, as investigações clínicas se intensificaram e, como afirma Serge Ahmed, “elas fazem crer que, também para as pessoas, exista realmente uma síndrome de adição ligada aos alimentos ricos em açúcar. Um paciente é considerado como dependente de produtos açucarados, ou de outra substância viciante, quando ele apresenta no mínimo dois dos onze critérios básicos de dependência química definidos pelo DSM (Manual de diagnóstico de distúrbios mentais) durante pelo menos um ano. Ora, numerosas pessoas afirmam não conseguir reduzir seu consumo diário de açúcar, embora tenham consciência dos seus efeitos deletérios para a saúde. Este é o critério mais frequente de todos”.
O vício do açúcar aumenta à medida que a pessoa engorda
É bem verdade que, hoje, pesquisas mais recentes indicam que o poder de adição do açúcar é menos importante do que os índices avaliados em 2007 na pesquisa com ratos. Segundo as avaliações mais atuais pesquisas, 5% dos consumidores regulares podem desenvolver uma dependência das delícias açucaradas (o que já é muito importante, em se tratando de um simples alimento), enquanto 20% dos que usam cocaína tornam-se viciados dependentes desta droga e 30% no caso dos cigarros. Apesar disso, salienta Serge Ahmed, “o poder de adição do açúcar aumenta à medida que a pessoa ganha peso. Estudo recente com mulheres obesas provou que cerca de 25% delas tinham desenvolvido uma relação de dependência ao açúcar! Conseguem imaginar a dimensão do problema? Só na França, existem entre 7 a 8 milhões de adultos sofrendo de obesidade, e um quarto deles pode estar potencialmente dependente do açúcar, quando na verdade deveriam emagrecer e portanto reduzir o consumo da substância!”
Mas qual é a origem desse apetite pelos alimentos doces? Como enfrentá-lo? “O gosto pelo açúcar é inato”, explica o médico Pierre Nys, endócrino-nutricionista. Com raras exceções, desde muito cedo todos nós gostamos do sabor das coisas doces. Por outro lado, o açúcar tem um comprovado efeito apaziguador e anti-estressante. Assim sendo, num mundo angustiante como o nosso, e oferecido em qualquer balcão, em qualquer mesa, ele nos convida facilmente ao consumo. Por fim, em certas pessoas, a ingestão de açúcares (glicídios, também chamados de carboidratos) leva a um efeito paradoxal: as quedas da glicemia (a taxa de açúcar no sangue) ditas reativas. Quando o organismo recebe o açúcar, ele produz uma quantidade importante de insulina – um hormônio hipoglicêmico – cujo efeito persiste mesmo depois que a glicemia voltou ao normal. O cérebro não tolera essa hipoglicemia e pede ainda mais açúcar”.
O açúcar ativa o circuito da recompensa
Quanto à adição ao açúcar, sua origem se localiza na parte mais profundo do cérebro, naquele lugar onde atuam todas as outras drogas. O açúcar estimula os neurônios que projetam suas ramificações em direção a uma região particular do cérebro: o à l’addiction au sucre, elle trouve son origine au plus profond du cerveau, là où agissent toutes les autres drogues. Le sucre stimule des neurones qui projettent leurs ramifications vers une région particulière du cerveau: le noyau accumbens. Esta é a peça-chave daquilo que chamamos de circuito da recompensa. O açúcar é ativado através de duas maneiras: seja excitando os captadores sensoriais da língua, seja penetrando diretamente no cérebro. Estimulados, os neurôn ios secretam a dopamina, uma molécula que assegura a comunicação entre certas células nervosas, e influencia por esse meio as funções comportamentais, tais como o desejo de renovar a experiência de saborear coisas açucaradas.
Quando, ativado por certos estímulos provenientes do meio circundante, o núcleo accumbens fica “dopado” pela dopamina, tais estímulos assumem um valor motivacional. Assim, quando um homem pré-histórico comia frutas ricas em açúcares descobertas por acaso, ele extraía da experiência um grande prazer. Essa satisfação, uma vez gravada no seu cérebro, o incitava a reproduzir a experiência para reencontrar essa preciosa fonte de energia. Este é, em síntese, o circuito da recompensa, um dispositivo de adaptação leva à repetição das experiências que nos são favoráveis. Problema: esse dispositivo é, hoje, continuamente estimulado por nosso hiper consumo de açúcar, num nível que vai muito além de qualquer necessidade biológica. Em algumas pessoas, a busca de satisfação se torna mais forte que a razão – que deveria incitar essas pessoas a parar de consumir açúcar em excesso.
O problema é ainda mais agudo em crianças e adolescentes. É no nível deles que é preciso agir com prioridade. Para os jovens é difícil compreender que o açúcar – um alimento tão saboroso – possa ser uma droga e ter, a longo prazo, efeitos realmente negativos para a sua saúde. É preciso, portanto, lhes explicar mais e mais – e também aos seus pais, recomenda o doutor Nys, “porque, com demasiada frequência, eles abusam da administração de alimentos açucarados para acalmar seus filhos”. Trata-se de um desafio muito importante, porque sabemos, agora, que quanto mais o sistema de recompensa é solicitado precocemente, mais o limite de satisfação será difícil de se respeitar e a necessidade de consumir açúcar se torna cada vez mais intensa.
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