COMO NASCEU A TRADIÇÃO DOS OVOS DE PÁSCOA
O ovo, para todas as culturas antigas, possuía um valor simbólico enorme: era o símbolo da vida e do renascimento. O cristianismo, ao integrar essa ideia de clara origem pagã, reinterpretou uma tradição muito mais antiga à luz do Novo Testamento.
17 DE ABRIL DE 2019 ÀS 17:31
Por: Luis Pellegrini
A maior parte dos historiadores concorda que as origens do ovo de chocolate remontam a Luís 14, rei da França. Com efeito, parece que foi ele, o Rei Sol, no início do século 18, o primeiro a encomendar ovos de creme de cacau ao chocolateiro da corte. Eram mimos do soberano destinados a agradar os cortesãos nos dias do advento da Páscoa.
Mas o costume de presentear familiares e amigos com ovos de Páscoa é muito mais antigo e se perde na distante Idade Média. Suas origens são bem outras: o ovo, mais propriamente a forma oval, é um dos mais importantes, fortes e antigos símbolos criados pelo imaginário da humanidade. Representa a vida e o renascimento – provavelmente por que de dentro dele saem os pássaros e vários outros animais recém nascidos. Por analogia, representa também o renascimento de um novo ciclo vital associado à primavera, que, no Hemisfério Norte, coincide com o período da Páscoa cristã. Cristo, por sua vez, desde os primórdios do cristianismo, surge como salvador e redentor da humanidade, como força capaz de regenerar a alma humana através de um renascimento místico. É, portanto, facilmente compreensível como e por que todo esse universo simbólico entrelaçado ao ovo persista no inconsciente coletivo das pessoas.
Graças a esse valor simbólico enorme, não se pode dizer que a escolha de presentear as pessoas queridas com um ovo no período da Páscoa seja algo casual. Ele vem da origem dos tempos, e isso está claro na visão de diversas culturas da mais remota antiguidade para as quais a Terra e o Céu, unidos, formavam um ovo perfeito, símbolo da vida. Para os antigos egípcios o ovo era a origem de tudo e a fonte da qual surgiam os quatro elementos (ar, terra, água e fogo). Os persas pensavam da mesma forma e, para eles, quando chegava a primavera (época do ressurgimento da vida) a regra popular era promover grandes banquetes à base de ovos, pois eles simbolizavam a chegada de uma nova vida. Outros povos da Antiguidade, como os romanos, propagavam a ideia de que o universo teria a sugestiva forma oval. Na Idade Média, houve quem acreditasse que o mundo teria surgido dentro da casca de um ovo.
O ovo cristão
Se o simbolismo do ovo é antiquíssimo, o que explica a sua associação com o coelho nas celebrações da Páscoa cristã? Há controvérsias e diferentes versões circulam entre os religiosos.
Uma dessas versões, que tem sido disseminada ao longo dos séculos é a de que, Maria Madalena teria ido antes do amanhecer de domingo ao sepulcro de Jesus de Nazaré – crucificado, na sexta-feira – levando consigo material para ungir o corpo dele. Ao chegar ao local, teria visto a sepultura entreaberta.
Um coelho, que teria ficado preso no túmulo aberto na rocha, teria sido o primeiro ser vivo a testemunhar a ressurreição de Jesus. Por essa razão, ganhou o privilégio de anunciar a boa nova às crianças do mundo inteiro na manhã do Domingo de Páscoa. É ele, portanto, o suposto portador do “ovo de chocolate”, neste caso uma representação do próprio Jesus Cristo.
Logo, estabeleceu-se o hábito de presentear uns aos outros com ovos de galinha.
“Muitos séculos antes do nascimento de Cristo, a troca de ovos no equinócio da primavera, comemorado no dia 21 de março no hemisfério Norte, era um costume que celebrava o fim do inverno”, explica o monsenhor André Sampaio Oliveira, doutor em Direito Canônico. “Quando a Páscoa cristã começou a ser celebrada, o rito pagão de festejar a primavera foi integrado à Semana Santa. Os cristãos, então, passaram a ver no ovo um símbolo da ressurreição de Jesus.”
Foi uma questão de tempo para que os ovos presenteados passassem a ser ornamentados. Na Idade Média, as cascas dos ovos de galinha eram pintados à mão. “Na Alemanha, os ovos coloridos são até hoje pendurados nos galhos das árvores, como se fossem bolas de Natal. Na Rússia, são colocados nos túmulos como homenagem aos que já se foram. Na Itália, as mesas da ceia pascal são decoradas com ovos coloridos”, exemplifica o escritor e pesquisador Evaristo Eduardo de Miranda, autor do livro Guia de Curiosidades Católicas.
Fabergé, o mago dos ovos preciosos
Os czares russos elevaram o hábito de dar ovos de presente a um novo patamar. Entre 1885 e 1916, 50 ovos foram encomendados a Peter Carl Fabergé, um famoso joalheiro russo, pelos czares Alexandre III e Nicolau II.
Um deles, dado de presente por Alexandre III para sua mulher, a imperatriz Maria Feodorovna, trazia em seu interior um relógio cravejado de safiras e diamantes. Em abril de 2014, o mimo, de 8,2 cm de altura, foi avaliado em 20 milhões de dólares!
Por volta do século 18, os confeiteiros franceses resolveram experimentar uma nova técnica de preparo: que tal esvaziar os ovos e recheá-los de chocolate? Um século depois, os ovos passaram a ser feitos de chocolate e recheados com bombons. A invencionice gastronômica foi aprovada até por quem não vê qualquer significado religioso em ovos e coelhos.
É o caso do rabino Michel Schlesinger, da Confederação Israelita do Brasil (Conib). “Crianças judias que ganham ovos de Páscoa de presente ficam muito felizes e não os recusam de jeito nenhum”, faz graça o rabino. “Imagino que as crianças cristãs que experimentarem o matzá (pão ázimo) com chocolate ou requeijão também vão gostar”, sugere.
Coelhinho da Páscoa
Mas, e o coelho? Se o animal, como a maioria dos mamíferos, não bota ovos, por que, então, se consolidou como um símbolo da maior festa cristã? Isso aconteceu provavelmente por que o coelho é um dos animais mais prolíficos do mundo.
Desde o antigo Egito, o simpático roedor já era sinônimo de fertilidade. Em média, podem gerar filhotes de 4 a 8 vezes por ano, de oito a 10 coelhinhos por ninhada.
Com o tempo, o coelho tornou-se também símbolo de renascimento, por ser o primeiro animal a sair da toca depois do inverno. “A lebre já foi associada até a Cristo na iconografia cristã, com orelhas grandes para escutar melhor a palavra de Deus”, observa o pesquisador Evaristo de Miranda.
No Brasil, o costume de associá-lo à ressurreição de Jesus teve início na década de 1910. Na ocasião, imigrantes alemães pintavam ovos à mão e os escondiam pela casa para as crianças encontrarem.
“Na perspectiva histórica, não é possível precisar a origem do coelho e dos ovos de Páscoa. No máximo, é possível saber que não existe uma única versão, mas diversas, todas válidas, narradas pelos mais diferentes povos e culturas”, esclarece o doutorando em História pela Universidade de Campinas (Unicamp) Jefferson Ramalho.
“Para nós, historiadores, o mais importante não é identificar a ‘verdadeira história’, mas decifrar os significados atribuídos a esses símbolos e as ideias que eles procuram transmitir”, completa.
O símbolo maior da Páscoa, no entanto, é a luz de Cristo. A luz do Domingo da Páscoa se contrapõe à escuridão da Sexta-Feira da Paixão. O que era dor e tristeza se transforma em força e alegria. E é assim que os cristãos e os fieis de todas as outras religiões deveriam comemorar o advento da Primavera, um novo ciclo da vida sobre este planeta terra.
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