RELIGIÕES E A VIOLÊNCIA NO MUNDO



Um dos assuntos tratados em alguns Cultos Matutinos Terapêuticos



  PESQUISA BIBLIOGRÁFICA CIENTÍFICA (com IAC)
investigação realizada pelo Pr. Psi. Jor Jônatas David Brandão Mota
uma das atuações do seu Pastorado4 

 

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CONTEÚDOS....
1. Apresentação do temaLinkA

2. O mundo seria mais pacífico se não houvesse religião?  LinkB

3. Sobre a responsabilidade de paz das religiões LinkC

4. A paz e as religiõesXLinkD




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1.APRESENTAÇÃO DO TEMA

Estes artigos abaixo me desafiou como pessoa, como religioso, como Pastor e, como cristão.A pergunta em si é desafiadora, mas a dúvida que a pergunta menciona, é mais desafiadora ainda. É correto se fazer esta questão, faz parte da pesquisa, embora a resposta deveria ser fácil de ser encontrada, a afirmativa que religião produz paz, incentiva paz, e que sem religião não haveria paz no mundo... Mas esta não é a resposta encontrada; é aí que o desafio se torna maior, na verdade a questão é levantada por que já é tranquila a resposta a ser encontrada.... Nâo é a religião que promove a violência e a guerra, mas os religiosos usam-na para promoverem a desavença, os motivos de lutas e separatismos.

Como cristão, a minha pergunta é: o mundo seria mais pacífico se não existisse o cristianismo? Se não existisse cristãos? A resposta que encontro é a seguinte... O mundo seria infinitamente pacífico, um céu se as religiões não tivessem o joio, os pseudo-religiosos, pois, como disse C.S.Lewis... Dentre todos os homens maus, os maus e religiosos são os piores.


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2. O mundo seria mais pacífico se não houvesse religião?

BBC
iWonder
16 julho 2016


Legenda da foto,

Razões que levam ao início de uma guerra são múltiplas


Religião e guerra são dois temas que muitas vezes se cruzam.


Desde as Cruzadas em 1095 até hoje em dia, vimos inúmeros conflitos travados em nome da fé.


E enquanto muitos acreditam que as guerras explodiriam se não houvesse a religião e que a fé é, na realidade, uma grande promotora da paz, para outros a guerra e a religião não podem se separar.


Nesta reportagem, um historiador analisa o caso do grupo que se autodenomina Estado Islâmico; mostramos três conflitos que normalmente são associados à religião, mas também têm outras causas; e falamos de trechos de livros religiosos que se referem a conflitos.


Justin Marozzi, historiador e jornalista


Desde muito tempo, a guerra e a religião se encontram em uma relação complicada e, muitas vezes, tensa.



Disputas territoriais, armas nucleares e desconfiança: o legado da divisão da Índia e do Paquistão, 70 anos depois



Mas será que a religião alguma vez é a causa principal de uma guerra? Ou simplesmente um veículo utilizado para incitar as tropas, dividir sociedades e saquear países?


A causa original de qualquer guerra ou conflito é complexa e cheia de nuances, e há muitos fatores em jogo, como poder, ideologia, dinheiro, território e identidade.


Ocasionalmente, esse causa original até é esquecida, se perde ou é mal interpretada.


Na Irlanda do Norte, por exemplo, um conflito de 30 anos parecia dividir a sociedade em grupos religiosos: os unionistas protestantes contra os republicanos católicos.


De fato, o problema era mais territorial, com visões distintas sobre a identidade e sentimento de pertencimento nacional em sua essência. Os unionistas queriam permanecer no Reino Unido e os republicanos queriam voltar a ser parte da República da Irlanda.



CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,

Durante três décadas, os nacionalistas e republicanos da Irlanda do norte se enfrentaram em seu próprio país


Alguns especialistas acreditam que a religião nunca é a causa das guerras. Já outros dizem que a religião tem um papel de protagonismo na instigação da violência e do conflito.


A campanha do grupo autodenominado Estado Islâmico, por exemplo, criou uma violência generalizada que sacrificou milhares de inocentes, de todas e de nenhuma fé, em muitas partes do mundo.


O EI pratica uma versão extrema do Islã, e não pensa duas vezes antes de derramar sangue para lograr seus objetivos.


Sua causa imediata é a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos, durante a qual seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, foi preso.


Ao mesmo tempo, havia uma luta de poder em Bagdá entre duas facções do Islã: o governo dirigido por xiitas e os sunitas privados de representação.


Estes últimos se uniram a insurgentes anti-governo.


O EI aproveitou a situação e ganhou território na Síria e no Iraque.



CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,

Sinal dando direções para chegar a um dos bastiões do autodenominado Estado Islâmico


Com esta situação política de fundo, podemos responsabilizar somente a religião por este conflito violento?


Especialistas como o ex-oficial da CIA e psiquiatra forense Mark Zeiman diriam: "Não, não se trata da fé, sim da indignação emocional e moral, o que leva às pessoas a se unir a grupos como o EI."


Mas eu tenho outro ponto de vista.


Depois de passar a maior parte da última década vivendo em meio a conflitos e escrevendo sobre muitos dos países mais assolados pela guerra, meu parecer é que não se trata de anti-imperialismo.


Trata-se se pintar o mundo de negro.


Com sua interpretação extremista do Islã, para este núcleo duro de crentes, o motivo é puramento religioso.



Histórias de guerras


Esses três conflitos são muitas vezes interpretados como tendo causas religiosas.


Mas será que é isso mesmo?


Os historiadores Marozzi e Aaron Edwards resumem fatores que, para eles, precisam ser levados em conta quando se pensa nessas guerras.

Guerra da Bósnia



CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,

Bósnios contra sérvios no centro de Sarajevo



No início da década de 1990, a Iugoslávia se desintegrou diante de uma série de guerras civis.


Depois da Eslovênia e da Croácia se separarem, a Bósnia teve seu referendo de independência, o que levou a um conflito entre muçulmanos, sérvios (predominantemente cristãos ortodoxos) e croatas (predominantemente católicos).


Com um forte apoio do governo sérvio e grupos extremistas de Belgrado, os bósnios sérvios estavam determinados a ficar no que restava da Iugoslávia e ajudar a estabelecer uma grande Sérvia.


A guerra foi, então, principalmente um conflito territorial, alimentado por nacionalismo e divisões étnicas.


Os enfrentamentos foram amargos, os bombardeios indiscriminados, houve violações massivas sistemáticas e limpeza étnica.


Esta limpeza étnica obrigou comunidades inteiras a deixarem seus lares em operações cuidadosamente planejadas.


O incidente mais notório resultou no assassinato de quase 8 mil homens e meninos bósnios muçulmanos em Srebrenica em 1995, meses antes do fim da guerra.

Afeganistão



CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,

Osama bin Laden, homem com mudou o rumo da história do mundo


Quando os Estados Unidos foram atacados em 11 de setembro de 2011, foram considerados culpados a Al Qaeda e seu líder Osama Bin Lader, que previamente havia dito que os EUA haviam declarado "a guerra contra Deus, seu mensageiro e muçulmanos" e havia pedido a todos os muçulmanos que "cumprissem a ordem de Deus de matar os americanos".


Depois do 11 de setembro, os dirigentes do Talebã do Afeganistão foram acusados de proteger a Al Qaeda e Bin Laden.


Os EUA, apoiados por aliados, invadiram o país.



CRÉDITO,MARINHA AMERICANA
Legenda da foto,

Operação Liberdade Duradoura: ideia era destruir bases da Al Qaeda e desbancar Talebã. Mas nem tudo saiu como se pensava


O objetivo alegado era desmantelar a Al Qaeda e impedir que tivessem uma base segura para suas operações, tirando os talebãs do poder no Afeganistão, onde eles aplicavam uma rígida interpretação da lei islâmica.


Depois do Afeganistão, a "guerra contra o terror" se expandiu com a invasão ao Iraque, justificada com argumentos que em sua maioria foram desacreditados.


Alguns começaram a considerar a "guerra contra o terror" com uma guerra do Ocidente contra o Islã.

Estado Islâmico



CRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,

Carta enviada a um reverendo batista por membros do EI avisando que um missionário cristão havia sido decapitado.


O chamado Estado Islâmico emergiu dos escombros da invasão do Iraque e da guerra civil síria, e pratica uma forma extrema de islamismo no qual sangue é derramados com objetivos políticos e religiosos.


O grupo conquistou território na Síria e no Iraque e assumiu a responsabilidade por ataques em várias partes do mundo, como Tunísia, Líbano, França e Bélgica.


Ele rechaça a democracia, considerando-a como uma ideologia ocidental desencaminhada, e tenta desafiá-la não apenas atacando o que chama de governos apóstatas (não crentes) do Oriente Médio e África do Norte, mas também as democracias liberais centrais do Ocidente.


O grupo advertiu outros grupos jihadistas do mundo que eles têm de aceitar sua autoridade suprema para erradicar os obstáculos para restaurar o reino de Alá Terra e defender a comunidade muçulmana contra infieis e apóstatas.



Aaron Edwards, historiador e escritor


O historiador e escritor Aaron Edwards reuniu uma mostra de citações relacionadas à guerra e o conflito em escrituras sagradas. Clique para vê-las.


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Hinduísmo
Do Bhagavad-gītā


Governando sentido, mente e intelecto, com a intenção de libertação, livre de desejo, medo e raiva, o sábio é sempre livre. [5:28]



Pense em seu dever e não duvide. Não há honra maior para um guerreiro que participar de uma guerra justa. [2:31]



*tradução livre

Judaísmo
Da Torá


Não matarás. [Exodus 20:30]



Jeová, nosso Deus, fará com que vocês entrem na terra que vão possuir e ele mesmo expulsará os povos que vocês enfrentarem.

E Jeová, nosso Deus, entregará esses povos nas suas mãos, e vocês os atacarão e destruirão completamente. Não façam nenhum acordo de paz com eles, nem tenham pena deles. [Deutoronomio 7:1-2]



*tradução livre

Islã
Do Corão


Combata por Alá contra quem combater contra vocês, mas não os exceda. Alá não ama os que se excedem. [Capítulo 2 verso 190]



Continue lutando contra eles até que todo o dano cesse e o caminho prescrito por Alá prevaleça. Mas se eles desistirem saiba que a hostilidade é só contra os malfeitores. [Capítulo 2 verso 193]



*tradução livre

Sikhismo
Do Guru Granth Sahib


Quando todos os esforços para restaurar a paz são inúteis e as palavras em vão, o raio do aço é legal. É correto desembainhar a espada. [Guru Goblnd Singh - 10º guru]



Ninguém é meu inimigo. Ninguém é estrangeiro, com todos estou em paz. O Deus que abrigamos nos torna incapaz de ódio e preconceito. [Fundador Guru Nanak]



*tradução livre





Cristianismo
Da Bíblia cristã


Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. (Mateus 5:9)



Não penses que vim para trazer paz à Terra; não vim para trazer paz, sim espada. (Mateus 10:34)



*tradução livre
FONTE
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-36762686






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3. Sobre a responsabilidade de paz das religiões


Todas as religiões declaram-se a favor da paz – mas todos os dias há conflitos, guerra e terrorismo em seu nome. Sobre o potencial de paz das religiões ouve-se muito pouco, uma competência que poderia ser muito melhor aproveitada pela política
29.09.2017





Martin Luther King recebeu em 1964 o Prêmio Nobel da Pazdpa/epa/AFP


O autor best-seller britânico Ian McEwan sonha com um mundo sem religião. Isso seria então, segundo McEwan, “um mundo cheio de humilde diante da santidade da vida”. As religiões, ao contrário, estariam “no centro dos grandes conflitos da nossa época”, escreveu ele no semanário “Die Zeit”. É verdade, afirma também a ex-secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, no seu livro “The Mighty and the Almighty”, as religiões sempre foram (mesmo que não apenas isso) uma “fonte de ódio e de conflito”, principalmente na política. Ela não deseja, porém, acabar com as religiões, mas sugere que se empenhe os teólogos e outros especialistas religiosos como assessores da política externa.

Potenciais de violência e de paz

Intelectuais e políticos, mídia e ciência, e naturalmente uma grande parte das pessoas: todos são fascinados com o potencial de violência e de conflito das religiões. E, diariamente, isso é fornecido a domicílio pela imprensa, pelo rádio e a televisão: guerra santa, terrorismo fundamentalista, assassínio e morte disfarçados de religião em todo o mundo. Não há dúvida: a religião pode ser uma arma perigosa e destruidora na resolução de conflitos.

O que não é relatado na mídia é sobre um potencial religioso de paz. Não se ouve, vê ou lê nada sobre isso. Ou talvez isso não exista? Porém, as autoridades e os fiéis de todas as religiões declaram-se a favor da paz. É só da boca para fora? Mas se existe um tal potencial de paz, então como ele é? Que efeito tem ele? De boa vizinhança ou fazendo com que a gente evite o contato com os outros, sorrindo amigavelmente? Ou fazendo com que os representantes religiosos de alto escalão garantam, diante das câmeras, a tolerância recíproca e o amor à paz? Ou a ambição religiosa de paz tem também relevância política, concreta e prática, tanto nos conflitos internos da sociedade, como nos internacionais, nas guerras e nas guerras civis?

Prevenção, resistência, mediação, reconciliação

A literatura, também a científica, não oferece nenhuma resposta sobre isso. A publicística e a pesquisa da paz estão amplamente enfocadas no potencial destrutivo da religião. “When it bleeds, it leads”, quando flui sangue, então isso vale uma notícia. Quase ninguém tem a ideia de buscar também um potencial construtivo nas religiões. Isso é ainda mais surpreendente pelo fato de que os mais famosos heróis da não violência, ícones mundiais da paz – Mahatma Gandhi e Martin Luther King – terem sido importantes atores políticos, mas ao mesmo tempo personalidades profundamente religiosas. E ambos, religião e política de paz, estavam obrigatoriamente ligada para eles. E existem numerosos irmãos de Gandhi e King: atores religiosos, que contribuíram de maneira significativa e bem-sucedida em conflitos políticos violentos para a moderação dos conflitos e para evitar a violência. Esses exemplos são apenas alguns de muitos – de A, da África do Sul, passando por Albânia, Birmânia, Polônia, Quênia ou Uganda, até Z, de Zimbábue –, nos quais os conflitos foram reprimidos através da intervenção de atores com base religiosa, nos quais homens e mulheres com motivação religiosa impediram ou amenizaram a violência, contribuindo para a paz e a reconciliação. Naturalmente, eles não foram os únicos atores e raramente bem-sucedidos sozinhos. Mas eles prestaram a contribuição decisiva para a redução de conflitos, que ninguém mais estava disposto ou desejava prestar.



Pois quem fomenta os conflitos e quer promover as guerras não necessita de nenhuma religião como justificativa.
Markus A. Weingardt, publicista e pesquisador da paz


Paz sem religião?

Mesmo sendo verdade que na História enormes sofrimentos e mortes com justificativa religiosa foram e continuam sendo impostos às pessoas – também é certo que, ao mesmo tempo e com justificativa religiosa, foi prestada enorme ajuda, promovida a paz e rechaçada a violência. O mundo seria então realmente mais pacífico sem religião?

De forma alguma! Pois quem fomenta os conflitos e quer promover as guerras não necessita de nenhuma religião como justificativa. São suficientes também as ideologias seculares como por exemplo o nazismo e o fascismo, etnicismo, imperialismo ou comunismo. Todos esses “ismos” têm uma tendência para a exclusividade, para a segregação e a delimitação; então falta apenas um pequeno passo para a confrontação e finalmente para a agressão violenta. A maioria absoluta dos milhões de mortos das guerras no século 20 foram vítimas de ideologias seculares, não de violência com motivação religiosa. E ainda hoje – ao contrário de uma impressão muito difundida – apenas uma pequena parte dos conflitos violentos atuais possui causas genuinamente religiosas, conforme prova o Barômetro de Conflitos de Heidelberg.
Paz através da religião!

Ao mesmo tempo, não há dúvida de que muitos conflitos e guerras transcorreriam muito mais sangrentos sem a ação de atores religiosos da paz. Ao lado da sua ambição de paz e uma responsabilidade de paz concretizada de maneira consequente, eles se destacam pelo fato de gozarem frequentemente de um crédito de confiança entre as partes conflitantes. As forças seculares – sejam elas políticos ou ONGs – enfrentam via de regra grande desconfiança a respeito dos seus verdadeiros, talvez ocultos, interesses, principalmente quando os atores de paz são provenientes ou financiados do Exterior. Uma motivação religiosa de promover a paz desperta, ao contrário, a confiança de muitos.

Essa confiança abre portas e espaço para negociações, que frequentemente permanecem fechados para os atores seculares. Contudo, os atores seculares e religiosos da paz não podem ser vistos, de forma alguma, como concorrentes, mas sim como parceiros de cooperação. Ambos possuem competências que podem complementar-se de forma excelente. Mas, infelizmente, os (potenciais) atores religiosos da paz com frequência não são levados em conta, suas competências de paz são marginalizadas ou ignoradas e, com isso, são perdidas chances para evitar ou abrandar as crises – para a infelicidade de muitos milhares de pessoas.
Segregação ou entendimento?

O crédito de confiança para os atores religiosos é válido através de todas as fronteiras religiosas, culturais e étnicas, mesmo quando as partes conflitantes e os mediadores fazem parte de diferentes religiões. Além disso, estudos empíricos mostram que nenhuma religião tende mais para a violência (ou para o pacifismo) que as outras. Todas as religiões correm o risco de agravar os conflitos – e, ao mesmo tempo, possuem o potencial para superar os conflitos e a violência. A enorme gama de interpretações distintas das escrituras religiosas (ou partes delas), transmissões e tradições levam em todas as religiões a um grande número e variedade de confissões distintas, correntes, comunidades ou grupos. Mas essa gama de interpretações possibilita ao mesmo tempo justificar e legitimar religiosamente todo tipo de ação – também e principalmente as ações de violência.

Com vista aos conflitos, as religiões não são inicialmente nem boas, nem más. Elas são antes como a famosa moeda com seus dois lados, um lado é agravante dos conflitos e o outro é atenuador dos conflitos, pacificador. Que lado da moeda atua de maneira forte, essa é em primeiro lugar a responsabilidade das comunidades religiosas e de cada fiel individualmente: eles se ocupam sobretudo com os aspectos de delimitação e de segregação da religião, com as partes temerosas e afeitas à violência na tradição religiosa – na própria religião, como também na dos outros –, ou orientam-se pelas conclamações religiosas à paz, pela negação da violência nas tradições, pelas semelhanças, pelos valores de união.

O ambiente religioso e cultural, a formação e a educação religiosas, e os exemplos religiosos desempenham nisso um papel importante, numa ou noutra direção. Ao mesmo tempo, é de eminente significado que a responsabilidade de paz e as competências de paz das comunidades religiosas sejam levadas em conta pela política. E mais ainda: que os atores religiosos da paz sejam relembrados da sua responsabilidade, que eles sejam encorajados e incluídos de forma ativa nos esforços pela paz.

A política, as comunidades religiosas e as iniciativas seculares de paz têm muito a oferecer reciprocamente e podem tirar grande proveito mútuo. Se todos participarem em esforços conjuntos, com suas distintas possibilidades e capacidades, então é possível lograr-se muito mais paz do que nós podemos imaginar hoje – local, nacional e globalmente.

© www.deutschland.de







FONTE

https://www.deutschland.de/pt-br/topic/politica/sobre-a-responsabilidade-de-paz-das-religioes
OUTROS ARTIGOS



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4. A paz e as religiões
Paulo EvaristoSOBRE O AUTOR
Resumos
A RESISTÊNCIA à ação violenta só virá quando for despertada a consciência humana. É por isso que o autor apela para as religiões autênticas, esperando que criem condições para a paz mundial, não apenas por orações, mas sobretudo pela formação de um clima de paz mundial. Até agora, pouco se apelou para o mundo das religiões, e menos ainda para a ação da juventude, nesta nova fase de enfrentamento do problema que se torna sempre mais angustiante. O autor propõe, enfim, que a USP crie condições para preparar os jovens com vistas à sua responsabilidade futura em favor da paz. É preciso iniciar quanto antes e perseverar até onde possível. Uma ética mundial seria certamente bem-vinda nesta hora.

THERE WILL only be resistance to violent action when human awareness is awakened. That is why the author appeals to authentic religions, hoping they may create the conditions for world peace - not only through prayers, but above all by establishing a climate of world peace. So far, in this new phase of facing an increasingly agonizing problem, little has been required from the world of religions and still less from young people's initiatives. In brief, the author's proposal is for the University of São Paulo to create the conditions to prepare young people for their future responsibility in favor of peace. This should begin as soon as, and persevere as much as possible. A world ethics would certainly be welcome at this time.

DOSSIÊ RELIGIÕES NO BRASIL

A paz e as religiões

Paulo Evaristo; Cardeal Arns

RESUMO

A RESISTÊNCIA à ação violenta só virá quando for despertada a consciência humana. É por isso que o autor apela para as religiões autênticas, esperando que criem condições para a paz mundial, não apenas por orações, mas sobretudo pela formação de um clima de paz mundial. Até agora, pouco se apelou para o mundo das religiões, e menos ainda para a ação da juventude, nesta nova fase de enfrentamento do problema que se torna sempre mais angustiante. O autor propõe, enfim, que a USP crie condições para preparar os jovens com vistas à sua responsabilidade futura em favor da paz. É preciso iniciar quanto antes e perseverar até onde possível. Uma ética mundial seria certamente bem-vinda nesta hora.

ABSTRACT

THERE WILL only be resistance to violent action when human awareness is awakened. That is why the author appeals to authentic religions, hoping they may create the conditions for world peace - not only through prayers, but above all by establishing a climate of world peace. So far, in this new phase of facing an increasingly agonizing problem, little has been required from the world of religions and still less from young people's initiatives. In brief, the author's proposal is for the University of São Paulo to create the conditions to prepare young people for their future responsibility in favor of peace. This should begin as soon as, and persevere as much as possible. A world ethics would certainly be welcome at this time.

Da Antigüidade aos Papas de hoje

HESÍODO, inspirador de gerações de poetas, escritores e heróis, foi quem procurou colocar ordem nas crenças dos gregos. Nasceu assim sua teogonia. O lugar que coube à deusa da Paz, Eirene, foi como uma das três "horas", filha do próprio Zeus - o deus dos deuses - e de Temis, que por sua vez foi apresentada como filha do céu e da terra, aquela que nutria e profetizava. Temis, a mãe de Eirene, passará mais tarde a ser considerada pelos romanos como a Justiça.

Enquanto os gregos ofereciam sacrifícios a outras divindades, a deusa Paz nunca os recebia. Entre as mais célebres estátuas gregas passou a figurar o grupo Eirene, Paz, carregando a Ploutos, Riqueza. Esta riqueza não é, todavia, dominadora, e sim uma criança de colo acariciando com inefável doçura o queixo de sua mãe Paz. Essa estátua, esculpida pelo pai e mestre de Praxíteles, conquista de tal forma o coração dos atenienses que eles a gravam também em suas moedas.

O povo que no mundo melhor representou o ideal humanista teve sempre nos seus bolsos e diante dos olhos a imagem carinhosa da mãe chamada Paz, única a proporcionar-lhe abundância e relações amistosas com outros povos.

E, no entanto, a guerra destruiu Atenas!

Entre os romanos, foi difícil chegar ao ideal expresso por Tácito: "A todos seduziu a paz com a doçura da tranqüilidade" (Cunctos dulcedine otii pellexit - Annales I, 2, 1). Custou a implantar-se o culto da paz entre os povos que, aos poucos, foram compondo a nação romana. No entanto, no ano 9 a. C., erigiu-se o altar da Paz Augusta no próprio Campo de Marte, deus da guerra, por resolução do Senado. Assim, o governo imperial se tornou, por isso mesmo e a um tempo, forte e popular, acabando portanto os romanos por prestar à Paz os mesmos atributos que prestavam à fortuna e à abundância, representada pelo ramo de oliveira e outros símbolos, e passando às vezes a colocar nas mãos da Paz a lança, em seu corpo asas e, sobre a cabeça, louros. Mesmo no tempo em que a paz era mais uma garantia de posse do que um convite para a justiça, a colaboração e a convivência, ergueu-se o templo da Paz numa esplanada que ostentava o pomposo nome de Fórum da Paz, muito embora viessem parar neste mesmo templo, por ironia da História, os despojos trazidos da conquista de Jerusalém.

A paz, de fato, não chegara a vencer, nem a convencer, os romanos belicosos.

Poderíamos, aqui, contar a história de cada um ou de muitos povos, e chegaríamos à conclusão de que, infelizmente, o heroísmo era medido pelo sangue derramado e não pela virtude, o trabalho e as condições implantadas em cada um deles. Ainda hoje se escrevem livros de História assinalando etapas a partir de guerras e revoluções, e não a partir de movimentos que levaram os povos a empenhar-se em favor do bem comum e da redenção dos marginalizados e esquecidos pela sorte.

Chegamos a uma época nova e a concepções revolucionárias também no terreno da paz. É preciso que se repitam e se reproduzam gestos capazes de arrastar gerações inteiras para nova orientação. É só prestarmos atenção à profusão de notícias disponíveis pelos mais modernos e avançados meios de comunicação, a respeito de iniciativas, algumas muito originais e criativas, de grupos e organizações, religiosas ou não, que se dedicam com esmero e eficiência à causa da paz em seus ambientes e nas mais diversificadas áreas de atuação.

A Igreja que represento, realizadora do memorável Concílio Ecumênico Vaticano II no recém-findo século XX, produziu naquela histórica assembléia uma série de documentos de fundamental importância para a sua própria vivência, dos quais um deles, intitulado A Igreja e o Mundo1 (Gaudium et Spes) - o único da série em que os leigos do mundo inteiro colaboraram de maneira eficiente e prolongada - fez os bispos dos cinco continentes, assumindo a função de porta-vozes de cristãos e não-cristãos, proclamarem o princípio: "Nada aproveita aos chefes de Estado que insistam na construção da paz enquanto sentimentos de hostilidade, desprezo ou desconfiança, ódios raciais e ideologias obstinadas dividem os homens em campos opostos" (nº 82).

Seguindo a orientação do Concílio, já o saudoso Papa Paulo VI confiava a um de nossos bispos brasileiros que não nos contentássemos com conversas e negociações de cúpula, mas confiássemos os movimentos de paz aos jovens, aos profissionais da mídia, aos operários e às famílias.

Passadas praticamente quatro décadas desde esse conselho do saudoso Papa que me fez bispo da Igreja, vem João Paulo II, grande arauto da Paz, ainda há poucas semanas discursar ao Presidente norte-americano George Bush, por ocasião da visita deste ao Vaticano, em 4 de junho p.p. O tema do Papa não poderia ser outro senão a Guerra do Iraque e da Terra Santa que, numa sucessão interminável de meses, ocupa os principais espaços da mídia com explosões, atentados, morticínios e banhos de sangue que envergonham nossa triste humanidade contemporânea. Ouçamos algumas palavras desse ancião admirável, que vai se consumindo no esforço permanente e na esperança de fazer sua voz ouvida:

Senhor Presidente, sua visita a Roma ocorre num momento de grande preocupação pela constante situação de grave desordem no Oriente Médio, seja no Iraque, seja na Terra Santa. O senhor conhece perfeitamente a posição inequívoca da Santa Sé a respeito deste assunto. Ela foi expressa em numerosos documentos, através de contatos diretos e indiretos, e das muitas tratativas diplomáticas havidas desde que o senhor me visitou, pela primeira vez, em Castelgandolfo, em 23 de julho de 2001, e depois neste Palácio Apostólico, em 28 de maio de 2002.



É evidente o desejo de cada um, de que esta situação se normalize o mais rapidamente possível, com a participação ativa da comunidade internacional, particularmente da Organização das Nações Unidas, a fim de garantir um rápido retorno da soberania do Iraque, em condições de segurança para todo o seu povo. A recente nomeação do Chefe de Estado no Iraque e a formação de um governo iraqueano interino são passos encorajadores rumo à conquista deste objetivo. Que uma esperança de paz semelhante desponte igualmente na Terra Santa, conduzindo a novas negociações, ditadas por um empenho sincero e determinado ao diálogo entre o Governo de Israel e a Autoridade Palestina.

A ameaça do terrorismo internacional continua a ser uma fonte de constante preocupação. Ela influi gravemente nas relações normais entre os Estados e os povos, desde a trágica data de 11 de setembro de 2001, a qual não hesitei em definir como "dia tenebroso na história da humanidade". Nestas últimas semanas aconteceram e foram exibidos outros eventos deploráveis, que perturbaram a consciência civil e religiosa de todos, tornando ainda mais difícil o empenho sereno e resoluto na partilha dos valores humanos: na falta deste empenho a guerra e o terrorismo jamais poderão ser superados.

Que Deus conceda força e sucesso a todos quantos não cessam de esperar e de agir em favor da compreensão entre os povos, no respeito pela segurança e pelos direitos de todas as nações, de cada homem e de cada mulher!

[...]

Que Deus conceda paz e liberdade a toda a humanidade!

Mais recentemente ainda, no início de setembro passado, João Paulo II confortou a todos os povos que amam a Paz, ao enviar o seguinte telegrama ao Núncio Apostólico de Moscou:

Ao tomar conhecimento do violento epílogo do feroz seqüestro na Ossétia do Norte, com a infame agressão contra crianças e famílias indefesas, o Papa expressa sua solidariedade ao povo russo, nesta hora de apreensão e angústia, especialmente aos familiares dos mortos e feridos. O Papa confia à misericórdia do Senhor, as vítimas inocentes desta tragédia, implorando pelo seu eterno repouso. Mais uma vez, o Papa deplora toda forma de terrorismo e faz votos para que não prevaleça a espiral de ódio e de violência. Por fim, implora à Virgem santa, tão venerada pelos cristãos russos, que suscite no coração de todos, pensamentos de sabedoria e propósitos de paz e reconciliação.

A paz dos que professam religião

O tema para o encontro de hoje - A paz e as religiões - me foi sugerido no ano passado pelos companheiros do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados da USP. Não foi por causa do 30º aniversário da minha nomeação como Cardeal de São Paulo, que então ocorria. Razões de saúde e, mais recentemente, a greve da nossa Universidade, foram o motivo de somente agora podermos concretizar este evento.

A solenidade do cardinalato, embora realizada há 31 anos, me faz evocar aqui a palavra que nos foi transmitida naquele momento pelo colega de turma italiano, Dom Albino Luciani, então Patriarca de Veneza e, cinco anos depois, o Papa-sorriso, João Paulo I. Sua saudação abordava este nosso tema de hoje. Após realçar que a paz podia ser alcançada e tornar-se justa e duradoura se afastássemos os males da terra que mais irritavam os homens, o mesmo orador prometeu ao Papa (Paulo VI) que os 31 Cardeais da turma participariam em todo ecumenismo autêntico que se realizasse em qualquer lugar da terra.

De fato, a promoção da paz no mundo é intrinsecamente ecumênica e inter-religiosa.

O humanismo, tanto o antigo quanto o renascentista, separava o termo PAZ de seu significado bíblico, embora os cristãos continuassem a inspirar-se no modelo de Jesus Cristo.

Os movimentos dos séculos XIX e XX foram ainda mais longe. Cada filosofia, cada ideologia, cada visão política, cultural e social caracterizou a paz a seu modo. O termo bíblico chega a diluir-se, embora por vezes fecunde e enriqueça o significado moderno.

Se perguntássemos a um homem da rua e ao mais alto responsável pelos destinos de uma nação, quais os elementos da paz, talvez ambos insistissem no perigo contínuo da guerra e na possibilidade de auto-aniquilação. Respeitáveis em si, esses elementos não chegam a ser positivos, nem duradouros, porque não tomam em conta a fonte da paz que é o amor, a segurança interna e externa e ainda a construção de algo em comum. Para não sermos utópicos, deveríamos sempre levar a compreensão humana para a construção positiva e não apenas para o medo e a autodefesa.

Em uma primeira consideração, quase todos chegam a entender o conceito exposto por Santo Agostinho e repetido ao longo dos séculos: que a paz seja a conservação da ordem total, eliminando luta de classes e diferenças injustas. O grande teólogo da Antigüidade não defende porém a ordem injusta, e sim a evolução dessa mesma ordem e sua adaptação ao tempo.

Houve eras em que se pretendia alcançar a paz sem a participação do escravo. Em outros tempos, ignoravam-se as aspirações da mulher. Nos dias de hoje, porém, a paz já não é tarefa nem privilégio de uma classe, muito menos responsabilidade única de autoridades. Para tal tarefa costumam ser convocados todos os que possuem carisma especial, mas nem mesmo esses líderes deixarão de provocar anarquia em vez de paz, se não acordarem as forças vivas de todas as pessoas capazes de amar e se não confiarem a todos essa tarefa comum, esse objetivo último. Atenção, no entanto: ao confiarmos até às crianças e aos idosos a missão da paz, não podemos entendê-la apenas em sentido horizontal. É preciso que em toda parte existam cisternas de sabedoria, fontes de paz em que se alimente a reflexão e a tarefa dos demais.

Para criarmos clima de paz e não operarmos apenas através de slogans e de argumentos ocasionais, seria necessário descermos às profundezas da natureza humana, às peculiaridades de cada ser e às aspirações autênticas dos grupos. Melhor ainda, deveríamos descobrir como se alimentam as raízes do nosso ser, para que elas produzam o fruto da paz.

Nossa vontade de indivíduos que professam uma religião se volta para a Paz, porque nascemos de um Ser supremo, Deus, que se comunica com suas criaturas, está presente em todos os seus relacionamentos e impulsiona os mesmos seres humanos a se comunicarem entre si.

A religião só é autêntica enquanto mantém despertada a consciência humana. Na hora em que é instrumentalizada para adormecer a mesma consciência, ela perde o direito de chamar-se religião.

A religião autêntica preocupa-se ainda em formar seus adeptos de modo a exercerem um juízo crítico sobre a guerra; a refletirem continuamente sobre as condições para a paz mundial, transformando o resultado disso em tema e conteúdo de orações e preces; a rejeitarem a guerra global e todas as formas de contendas; a clamarem contra o armamento das nações; a usarem a mídia para estabelecer clima de paz; e a exigirem negociações em vez de soluções violentas.

Espera-se ainda que as religiões se transformem em estímulo contínuo para o amor fraterno, o perdão e o desenvolvimento, estabelecendo condições para que uma era possa ligar-se à outra com a participação e a co-responsabilidade de todos os adeptos.

A USP, a paz entre as religiões e a Igreja de São Paulo

Durante a cerimônia a que me referi há pouco, o Consistório cardinalício de março de 1973, no momento de jurar fidelidade ao Papa eu tinha à minha direita e esquerda dois Cardeais africanos, que se entusiasmaram com o assunto do ecumenismo: o Cardeal Tomko, com quase 1,90 m de altura, e o Cardeal Bi-yayenda, com pouco mais de um metro e meio. Tive então de fazer um esforço "ecumênico" com os dois, porque um deles só entendia o inglês, língua estranha à África, e o outro se expressava em francês, aliás, muito elegante, enquanto o cerimonial se desenrolava em italiano.

De fato, agora estamos na USP, uma semana apenas depois desse episódio "ecumênico", acudindo como Cardeal novo a acontecimentos que viriam contribuir decisivamente para uma nova ordem no Brasil: fui procurado à noite em minha casa, lá pelas 22 ou 23 horas, por um grupo grande de universitários que eram os presidentes de nossos Diretórios Acadêmicos. Motivo: naquele momento estavam cercados na Cidade Universitária pelas tropas de Erasmo Dias, então Secretário da Segurança Pública. Pediam-me eles nada menos do que acompanhá-los para evitar uma explosão de violência. Ao sair daquele cerco ditatorial, certamente muitos deles seriam atingidos por balas e nada poderíamos fazer naquela hora da noite, para sossegar a impaciência dos estudantes.

Afinal, após longo diálogo, chegamos à conclusão de eu deveria remeter uma mensagem aos estudantes, prometendo celebrar na Catedral Metropolitana a missa pelo jovem Alexandre Vannucchi Leme, do curso de Arquitetura, que acabara de ser morto pela repressão, motivando essa reunião, embora também outros colegas sofressem da crueldade tão conhecida da ditadura militar.

A missa de fato se realizou às quinze horas da segunda-feira seguinte, com a presença maciça de estudantes, pais e mestres. No meu sermão não hesitei em dizer a todo o público que, no centro dos dez mandamentos de Deus, encontrava-se a ordem divina: "Não matarás".

Apesar de toda a angústia que cercava a nossa USP tão querida - e mesmo os pais e mestres de outras escolas - nós conseguimos que esse ato fosse noticiado não só em muitos lugares no Brasil, mas igualmente pelas agências internacionais de notícias.

Estudantes começavam a abalar o edifício de uma ditadura que iria prolongar-se até 1985, portanto, por doze anos ainda.

Trago comigo um relatório das outras iniciativas ecumênicas de meu tempo de Arcebispo, algumas delas patrocinadas pela Igreja Presbiteriana e, mais tarde, pelo Conselho Mundial de Igrejas de Genebra. Entre tantas reuniões, eu gostaria de realçar dois exemplos: uma outra Universidade - Notre Dame de Indiana, EE.UU. - que em 1977 me confiaria o Doutorado Honoris Causa junto com o Presidente Jimmy Carter - me convocou em 1975 para proferir a oração de abertura e para participar da reunião das religiões monoteístas em Bellagio, Itália. Nosso objetivo era claro: convidar as pessoas da mais alta consideração no mundo, para que as nações em guerra - sobretudo, então, o Egito e Israel - enviassem representantes ao evento. Nossa intenção era sempre procurar o diálogo e evitar derramamento de sangue. De fato, numa manhã, eu me encontrei com o Ministro do Egito sozinho, meditando, naquela belíssima região da Itália, e pedi licença para propor-lhe uma questão: a paz é possível, ou ainda teremos que esperar muito tempo para que os ânimos se acalmem? Para meu espanto, ele respondeu: "Tomara que nunca tivesse havido guerra, nem aquele atentado terrível que ceifou a vida de nosso Presidente e de tantos companheiros corajosos e bem intencionados!"

A segunda reunião desse grupo realizou-se em Cascais, Lisboa, que naquele momento estava sem turistas e estrangeiros que pudessem influir num encontro tido como informal, mas muito realista. Tivemos então apenas a visita do Presidente Soares e do Cardeal-Patriarca local, Dom Antonio Ribeiro. Infelizmente, não chegamos a grandes conclusões, pelas mais diversas interferências, embora todas as religiões ali representadas, como em Bellagio, participassem da prece matinal pela paz e, à noite, celebrassem em seu próprio rito outras orações na mesma intenção.

Não alcançamos, portanto, nossos objetivos embora tivéssemos o apoio dos maiores especialistas nos diversos assuntos aventados na reunião. Na minha lembrança se fixou a expressão de um general muçulmano, que me disse, com toda simplicidade: "É preciso atacar os motivos da tensão e não os erros cometidos nas negociações. O povo forma a opinião sempre a partir de quem tem a palavra mais envolvente e a arma mais poderosa. E há um outro motivo: a paz depende da liderança de todos os setores humanos, desde a economia até os incidentes de fronteira". Acrescentou ainda, com muita calma: "O que importa é que a juventude participe dessas tentativas de paz nos mais diversos setores que são abordados nas universidades, e que, por meio dessa juventude, todas as idades e organizações sociais estejam presentes, quando convocadas para as manifestações de paz".

Naquela mesma ocasião, ouvi pela primeira vez a menção a um código mínimo de ética para a convivência humana. Para mim, até então, o instrumento mais convincente era a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948. Contou-me uma pessoa muito achegada ao alto escalão dos Estados Unidos, que a própria senhora Roosevelt, incentivada pelo marido, havia conseguido a última subscrição indispensável à aprovação do documento quase à zero hora do próprio dia da promulgação.

Algumas pistas para a ação

Mas eu estou falando na USP, e é neste lugar que fui, pela primeira vez, convocado, na qualidade de Cardeal da Igreja, como descrevi há pouco, para promover um ato decisivo - depois da morte de Alexandre Vannucchi Leme - a fim de salvar centenas de vidas. É por isso que eu venho propor alguns pontos práticos que certamente deverão ser completados pelos senhores, em todos os Departamentos da nossa querida USP:

• A primeira condição para que um estudante possa entusiasmar-se pela paz entre as religiões é oferecer-lhe possibilidades para o conhecimento delas e suas propostas para a prática da ética e da solidariedade. Guardo com carinho o livro do professor e teólogo suíço Hans Küng, hoje Presidente da Fundação de Ética Global em Tübingen, Alemanha, intitulado Ja zum Weltethos. Logo no início da famosa exposição feita num imenso estádio de Chicago, nos Estados Unidos, em 1993, pronunciou aquela frase que se tornaria depois orientação para os trabalhos:

Não haverá ordem justa no mundo, sem haver primeiro o ethos mundial. Quando falamos de ethos mundial, não nos referimos a uma nova ideologia nem a uma religião mundial unitária, além de todas as religiões existentes, e muito menos ainda à dominação de uma religião sobre as outras. Quando falamos de ethos mundial, referimo-nos a um consenso fundamental sobre valores existentes, critérios inamovíveis e posturas pessoais básicas, que já existem. Sem um consenso fundamental relativo ao ethos, toda e qualquer comunidade estará ameaçada mais cedo ou mais tarde pelo caos ou por uma ditadura, levando os indivíduos ao desespero.

Este ethos deve penetrar a política, a cultura, e ser apoiado por todas as grandes religiões, que precisam entrar decididamente em uma luta pela paz mundial.

• Uma outra condição que me parece igualmente importante, senão indispensável, é termos pessoas à disposição, que possam atrair e esclarecer os estudantes e, quem sabe, algum mestre menos informado. Em certas horas e ocasiões temos que expor os princípios da ética e do direito das pessoas, sem com isso fundar novas cadeiras, que sempre atingem apenas uma parte dos estudantes. Acredito que todos os jovens são amigos da paz e da liberdade, e apóiam os movimentos de solidariedade.

• Atrevo-me a acrescentar mais uma condição que me parece oportuna: aproveitar os momentos de crise para fomentar a reflexão sobre o autêntico destino da humanidade e de cada ser humano. Reconhecer todas as filosofias da vida que se baseiam em motivações positivas, sobretudo quando são enraizadas entre os povos, como acontece na África, na Ásia e em outras partes. Seria mesmo ideal - como me dizia o saudoso Cardeal africano Otunga, que foi meu companheiro de turma no cardinalato - se o mundo respeitasse uma África e uma Ásia, que têm outros conceitos sobre a autoridade e a transmissão de cargos, ajudando-as apenas a viverem em paz, e não entregando-lhes armas para enriquecer a países do Primeiro Mundo.

• Gostaria ainda de acrescentar que precisamos descobrir novas lideranças da paz. A Pastoral da Criança, orientada pela Dra. Zilda Arns Neumann, por exemplo, descobriu entre as pessoas mais apagadas - por não terem tido acesso a estudos - uma possibilidade imensa de lutar por um ideal que a todos interessa e, aos poucos, atrai para iniciativas sempre novas. Nesta altura gostaria de lembrar um fato da Bíblia, em que Cristo respondeu aos apóstolos, que se queixavam de alguém que fazia obras extraordinárias sem pertencer ao grupo deles: "Quem não é contra nós é a nosso favor".

É certo, e assim concluo esta exposição, que tudo isso deve ser levado com muita urgência e eficiência - acentuo a palavra eficiência - às Nações Unidas, para que a juventude que hoje está nas Universidades, e amanhã irá ocupar os cargos de responsabilidade, tenha confiança nos desejos da humanidade que, ainda há pouco, antes da guerra do Iraque, mostrou mais sabedoria do que certos governantes.

A Universidade de São Paulo certamente poderá encarar a sua responsabilidade pela paz com tranqüilidade, se souber conferir a todas as matérias afins um sentido de luta pela paz, justiça, verdade, enfim, pela solidariedade.

Peço licença para acrescentar que, no relatório contendo as atividades havidas em minha Igreja entre os anos de 1970 a 1998, é possível constatar, a meu ver, que o desejo do povo está todo ele marcado pela luta em favor da paz, da justiça e da verdade. Nele também se percebe quanto as religiões do mundo inteiro acolhem a chamada das pessoas responsáveis, como aquelas que são formadas, com o auxílio de todos, nesta nossa queridíssima Universidade.

Nota

Texto recebido e aceito para publicação em 19 de outubro de 2004.

Paulo Evaristo, Cardeal Arns é Arcebispo Emérito de São Paulo, membro representante da sociedade civil no Conselho Deliberativo e Membro Titular da Cátedra Unesco para a Educação da Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Conferência do Mês do Instituto de Estudos Avançados da USP proferida pelo autor no dia 19 de outubro de 2004.

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Os documentos oficiais da Igreja Católica costumam tradicionalmente ser identificados em latim, através das duas primeiras palavras de seus textos. É o caso da Constituição Apostólica
Gaudium et Spes, literalmente
Alegria e Esperança. No entanto, não se costuma traduzir tal título ao pé da letra para o português, porque desta forma não estaria indicado o conteúdo deste documento que é o tema
A Igreja e o Mundo


fonte
https://www.scielo.br/j/ea/a/Yhg3v7mXRtrNLbkjPQSpBzz/?lang=pt