COMO PODEREMOS SALVÁ-LO DA EXTINÇÃO?
Embora a anta – mais conhecida no mundo pelo nome de tapir - seja um dos maiores mamíferos terrestres do globo, a vida destes animais solitários e noturnos tem-se mantido um mistério. Patrícia Medici chefia o mais antigo projeto de conservação para a proteção e a sobrevivência da anta, ou tapir.
10 DE NOVEMBRO DE 2015 ÀS 13:43
Vídeo: TED - Ideas Worth Spreading
Tradução: Margarida Ferreira
Conhecido como "fóssil vivo", o tapir - conhecido no Brasil como anta - que vagueia hoje pelas florestas e pastagens da América do Sul chegou à cena evolutiva há mais de cinco milhões de anos. Hoje, as ameaças dos caçadores furtivos, da deflorestação e da poluição, principalmente num Brasil em rápida industrialização, põem em perigo essa longevidade. Nesta palestra profunda, Patrícia Medici, bióloga de conservação, especialista em tapires e bolseira TED, conta-nos o seu trabalho com estes animais espantosos, e desafia-nos com uma pergunta: Queremos ser os responsáveis pela sua extinção?
Patrícia Medici é uma bióloga e conservacionista brasileira interessada sobretudo na proteção e na sobrevivência das antas e das florestas tropicais. Nos últimos vinte anos, ela trabalhou para uma ONG chamada IPÊ, Instituto de Pesquisas Ecológicas, do qual ela é um dos membros fundadores, junto a Cláudio e Suzana Pádua. Desde 1996, Patrícia coordena o Lowland Tapir Conservation Initiative no Brasil. Desde o ano 2000, Patrícia chefia o IUCN/SSC Tapir Specialist Group (TSG), uma rede de mais de 120 conservacionistas especializados no tapir, pertencentes a 27 diferentes países.
Patrícia é formada em biologia e ciências florestais pela USP – Universidade de São Paulo, tem mestrado pela Universidade Federal de Minas Gerais, e doutorado em manejo de biodiversidade pelo Durrell Institute of Conservation and Ecology (DICE), da Universidade de Kent, Reino Unido.
Vídeo:
Tradução integral da palestra de Patrícia Medici, no TED:
Este é um dos animais mais espantosos na face da Terra. É um tapir. E este é um tapir bebé, a cria mais amorosa do reino animal. De longe. Aqui não há concorrência.
Dediquei os últimos 20 anos da minha vida à investigação e conservação de tapires no Brasil, e tem sido uma coisa absolutamente espantosa. Mas, no momento, tenho pensado muitíssimo no impacto do meu trabalho. Tenho-me interrogado quanto à verdadeira contribuição que tenho dado para a conservação destes animais de que gosto tanto. Será que tenho sido eficaz quanto à salvaguarda da sua sobrevivência? Será que tenho feito o suficiente? Penso que a pergunta principal é: Estarei estudando os tapires e a contribuindo para a sua preservação ou estarei apenas documentando a sua extinção?
O mundo enfrenta muitas crises diversas de conservação. Todos sabemos isso, Vem nas notícias todos os dias. As florestas tropicais e outros ecossistemas estão sendo destruídos, as mudanças climáticas, tantas espécies à beira da extinção: tigres, leões, elefantes, rinocerontes, tapires.
Este é o tapir das planícies, a espécie dos tapires com que eu trabalho, o maior mamífero terrestre da América do Sul. São maciços. São poderosos. Os adultos podem chegar aos 300 quilos. É metade do tamanho de um cavalo. São lindos.
Os tapires encontram-se sobretudo nas florestas tropicais como a Amazônia e precisam de grandes faixas de "habitat" para encontrarem todos os recursos de que precisam para se reproduzirem e sobreviverem. Mas esses "habitats" estão sendo destruídos, e eles têm sido expulsos de várias partes da sua distribuição geográfica.
Isto é muito preocupante porque os tapires são extremamente importantes para os "habitats" onde vivem. São herbívoros. 50% da sua dieta é composta por frutos e quando comem os frutos, engolem as sementes, que dispersam pelo "habitat" através das fezes. Desempenham um papel importante em formar e manter a estrutura e a diversidade da floresta. Por essa razão, os tapires são conhecidos como os jardineiros da floresta. Não é espantoso? Se pensarmos nisso, a extinção dos tapires afetará profundamente a biodiversidade no seu conjunto.
Comecei o meu trabalho com os tapires em 1996, ainda muito nova, acabada de sair da faculdade, numa investigação pioneira e num programa de conservação. Nessa altura, tínhamos praticamente zero informações sobre tapires, sobretudo porque são muito difíceis de estudar. São animais noturnos, solitários, muito esquivos. Começamos por reunir dados muito básicos sobre estes animais.
Mas o que é faz um conservacionista? Primeiro, precisamos de dados. Precisamos de investigação no terreno. Precisamos de bases de dados a longo prazo, para sustentar as ações de conservação, e eu já disse que os tapires são muito difíceis de estudar, por isso temos que usar métodos indiretos para os estudar. Temos que capturá-los e anestesiá-los para podermos instalar coleiras GPS no pescoço e seguir os seus movimentos. Isto é uma técnica usada por muitos outros conservacionistas em todo o mundo. Depois reunimos informações sobre como utilizam o espaço, como se movimentam pela paisagem, quais são os seus "habitats" prioritários, e muito mais coisas.
A seguir, temos que difundir o que aprendemos. Temos que educar as pessoas quanto aos tapires e como estes animais são importantes. É espantoso como muitas pessoas, pelo mundo fora, não sabem o que é um tapir. Na verdade, muita gente julga que isto é um tapir. Eu digo-vos, isto não é um tapir,
Isto é um tamanduá gigante. Os tapires não comem formigas. Nunca. Jamais.
Depois temos que proporcionar formação, criação de competências. É da nossa responsabilidade preparar os conservacionistas do futuro. Estamos perdendo várias batalhas de conservação. Precisamos de mais pessoas a fazer o que fazemos e elas precisam de competências, precisam da paixão para fazer isso. Por fim, nós os conservacionistas, temos que ser capazes de aplicar os nossos dados, de aplicar o nosso saber acumulado para apoiar a ações de conservação. O nosso primeiro programa tapir foi feito na Floresta Atlântica na parte oriental do Brasil, um dos biomas mais ameaçados do mundo. A destruição da Floresta Atlântica começou no início do século 16, quando os portugueses chegaram ao Brasil, iniciando a colonização europeia na parte oriental da América do Sul. Esta floresta foi quase totalmente destruída para obtenção de madeira, para agricultura, criação de gado e construção de cidades. Atualmente só 7% da Floresta Atlântica se mantém ainda de pé. Os tapires encontram-se em populações muito pequenas, isoladas e dispersas. Na Floresta Atlântica, descobrimos que os tapires movimentam-se em áreas abertas de pastagens e de agricultura, passando de uma faixa de floresta para outra faixa de floresta. Por isso a nossa principal abordagem nesta região foi usar os nossos dados sobre tapires para identificar os possíveis locais para criar corredores de vida selvagem entre essas faixas de floresta, voltando a ligar o "habitat" para que os tapires e muitos outros animais possam atravessar a paisagem com segurança.
Depois de 12 anos na Floresta do Atlântico, em 2008, alargámos os nossos esforços de conservação dos tapires ao Pantanal na parte ocidental do Brasil junto da fronteira com a Bolívia e o Paraguai. Esta é a maior extensão alagada contínua de água doce do mundo. um local incrível, e um dos mais importantes redutos para os tapires de planície da América do Sul. Trabalhar no Pantanal foi extremamente refrescante porque encontrámos grandes populações saudáveis de tapires na área e pudemos estudar os tapires nas condições mais naturais que jamais tínhamos encontrado, quase totalmente livres de ameaças.
No Pantanal, para além das coleiras GPS, estamos usando outra técnica: armadilhas de máquinas fotográficas. Esta câmara está equipada com um sensor de movimento e fotografa animais quando eles passam em frente dela. Graças a estes espantosos aparelhos, pudemos reunir informações preciosas sobre a reprodução do tapir e a sua organização social que são peças do "puzzle" muito importantes quando tentamos desenvolver as estratégias de conservação.
Neste momento, quase final do ano 2015, estamos alargando de novo o nosso trabalho levando-o ao Cerrado brasileiro, um bioma tipo savana aberta e matas de arbustos, na parte central do Brasil. Hoje, esta região é o verdadeiro epicentro do desenvolvimento económico do meu país, onde o "habitat" natural e as populações selvagens estão sendo rapidamente erradicadas por diversas ameaças diferentes, incluindo mais uma vez a criação de gado, as grandes plantações de cana-de-açúcar e de soja, a caça furtiva, os acidentes na estrada, só para referir alguns. Não sabemos como, mas os tapires continuam lá, o que me dá muita esperança. Mas tenho que dizer que, começar este novo programa no Cerrado foi um pouco como uma bofetada na cara. Quando passeamos por lá e encontramos tapires mortos ao longo das autoestradas e sinais de tapires vagueando pelo meio das plantações de cana-de-açúcar, onde eles não deviam estar, e falamos com crianças que nos dizem que conhecem o sabor da carne de tapir porque as famílias os caçam e os comem, ficamos de coração partido.
A situação no Cerrado fez-me perceber — deu-me a noção da urgência. Estou a remar contra a maré. Fez-me perceber que, apesar de 20 anos de trabalho difícil tentando salvar estes animais, ainda temos muito trabalho à nossa frente se queremos impedir que eles desapareçam. Temos que encontrar formas de resolver todos estes problemas. Temos mesmo, e sabem que mais? Chegamos a um ponto no mundo da conservação em que temos que encontrar soluções novas. Temos que ser muito mais criativos do que somos agora. Já disse que a morte nas estradas é um grande problema para os tapires do Cerrado, por isso tivemos a ideia de pôr autocolantes refletores nas coleiras GPS que colocamos nos tapires. São os mesmos autocolantes usados nos grandes caminhões para evitar colisões. Os tapires atravessam as autoestradas depois de escurecer, por isso esperamos que os autocolantes ajudem os condutores a vê-los brilhar quando atravessam as autoestradas. Talvez assim eles abrandem um pouco. Isto será apenas uma ideia maluca? Não sabemos. Veremos se vai reduzir a quantidade de tapires mortos na estrada. Mas a questão é, talvez seja isto o tipo de coisas que precisamos de fazer.
Embora me debata com todas estas questões neste momento, na minha cabeça, tenho um pacto com os tapires. Sei, do fundo do coração, que a conservação do tapir é uma causa minha. É a minha paixão. Mas não estou sozinha. Tenho uma enorme rede de apoiadores por trás de mim, e de modo algum eu vou desistir. Vou continuar a fazer isto, muito provavelmente durante o resto da minha vida. Vou continuar a fazer isto pela Patrícia, a minha homônima, um dos primeiros tapires que capturamos e acompanhamos na Floresta Atlântica há muitos, muitos anos; pela Rita e pela sua cria Vincent, no Pantanal. Vou continuar a fazer isto pelo Ted, um tapir bebê que capturamos em dezembro do ano passado, também no Pantanal.
E vou continuar a fazer isto pelas centenas de tapires que tive o prazer de conhecer ao longo dos anos e por muitos outros que sei irei encontrar no futuro. Estes animais merecem ser cuidados. Precisam de mim. Precisam de nós. Sabem uma coisa? Nós, seres humanos, merecemos viver num mundo em que possamos sair e ver e beneficiar não apenas com os tapires mas com todas as outras espécies maravilhosas, agora e futuramente.
Muito obrigada.
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/204387/Anta-um-animal-encantador-Como-poderemos-salv%C3%A1-lo-da-extin%C3%A7%C3%A3o.htm