COMPRIMIDOS PARA DORMIR

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01.01.2016, 14:01

SEU USO AUMENTA, E AS CONSEQUÊNCIAS SÃO PIORES

No  Brasil, e na maior parte dos países do Ocidente, centenas de milhares não mais conseguem conciliar o sono sem a ajuda de um comprimido. O estado de dependência está portanto bem caracterizado. Um médico de clínica geral e uma especialista do sono falam dos risco do uso excessivo dos indutores ao sono. 



Por: Equipe Saúde 247
Helena tem 63 anos e começou a tomar comprimidos para dormir há cerca de 40. Durante grande parte da sua vida ativa chefiou departamentos de vendas de publicidade. “Objetivos para cumprir, trabalhar com multinacionais... Era muito complicado, em termos de estresse. Havia períodos em que me custava muito a adormecer, por estar mais tensa ou preocupada. Depois de pegar no sono, dormia bem, mas até chegar lá era horrível.” O transtorno bipolar que lhe foi diagnosticado também não ajudava.
O médico de família e o psiquiatra lhe prescreveram indutores do sono durante décadas e, ocasionalmente, ansiolíticos. “Tomava os indutores durante alguns meses, deixava-os quando já não sentia necessidade e voltava a eles quando precisava. Desde que dormisse, ficava ótima. Não sentia efeitos secundários. Nunca me falaram de riscos dos indutores para a saúde mas advertiam-me que os ansiolíticos poderiam dar problemas de memória, se fossem tomados durante muito tempo.”
Hoje, aposentada e com uma vida bem mais calma, o principal culpado dos seus problemas de sono desapareceu mas admite que continua a recorrer a ajuda para dormir (benzodiazepina), de vez em quando. “Continuo a ter insônias, mas muito menos.”
Dormir num estalar de dedos
Foram dois períodos de depressão (ainda que “leve”, segundo ela), desencadeados pelo fim de um relacionamento, que levaram Marta, hoje com 39 anos, a procurar ajuda farmacológica para as noites de insônia, em 2008 e 2010. As exigências do trabalho, na área das tecnologias de informação, não se compadeciam com a privação de sono e também não ajudavam a tornar as noites mais tranquilas. “Como não gosto mesmo nada de sofrer, fui logo ao médico à procura de soluções. Receitou-me comprimidos para dormir em dois períodos de cerca de seis meses, acompanhados de um antidepressivo, que também tomei por igual período. A causa de ambas as depressões estava determinada e, basicamente, manifestava-se através de graus elevados de ansiedade, irritabilidade, etc. Para dormir, foi-me prescrito um indutor de sono, que tomava quando estava claramente incapaz de adormecer e girava de um lado para outro na cama.” As mudanças começaram a logo a fazer-se sentir: “Em 5 ou 10 minutos, punha-me a dormir como uma pedra. No dia seguinte, acordava perfeitamente bem, como se nada se tivesse passado. Aos poucos, à medida que me sentia melhor, fui espaçando cada vez mais a toma dos comprimidos, até que os abandonei definitivamente e sem problemas.”
À frente no consumo de ansiolíticos
Marta acredita que a sua terapia foi bem orientada, mas vários estudos mostram que nem sempre é tão criteriosa a maneira como os medicamentos para os problemas de sono são receitados. Há milhares de pessoas que recorrem a eles durante décadas, à semelhança de Helena.
Em 2013, pesquisas estimavam que, na maioria dos países ocidentais desenvolvidos, cerca de um quarto da população tomou comprimidos para dormir pelo menos uma vez na vida e que o consumo era maior entre mulheres, pessoas com mais de 65 anos, com problemas econômicos, baixos níveis de instrução e desempregados.
Na Europa, um dos grupos de indutores mais utilizados é o das benzodiazepinas . Elas constituem um grupo de ansiolíticos usados como sedativos, hipnóticos e relaxantes musculares. O International Narcotic Board, que funciona como um observatório internacional dos psicofármacos, aconselha as autoridades de saúde nacionais “a analisar a prática de prescrição e utilização” destas substâncias.
Hoje, em face do panorama de uso cada vez mais generalizado de ansiolíticos, e das suas consequências, há um certo consenso de que o modo relativamente fácil com que receitas de medicamentos são emitidas deva ser reformulado. Sobretudo, não absolutamente o caso de prescrever tratamentos demasiado longos. Idealmente, esses tratamentos deverão ter uma duração média compreendida entre 3 semanas e 1 mês. Quem prescreve deveria preocupar-se mais com a dependência, referindo aos doentes que o seu uso prolongado não é aconselhado, o que na grande maioria das vezes não acontece.
Riscos associados
“Independentemente do problema da dependência e tolerância, poderão surgir muitos outros no decorrer do uso, como o incremento da lentidão psicomotora e os efeitos sedativos durante o dia, com redução dos tempos de reação e possíveis acidentes de trabalho e/ou de viação", observa a especialista portuguesa Marta Gonçalves.
Os comprimidos para dormir são também contraindicados em doentes com insônia que sofram também deu apneia de sono. "No caso dos idosos também há risco, pelas dificuldades de eliminação dos fármacos do organismo e pelo aumento do tempo de duração dos mesmos, podendo afetar as capacidades mentais e físicas (quedas, dificuldades na marcha, entre outras)."
Marta Gonçalves não diria que se possa traçar um perfil do utilizador destes fármacos, mas avança que “é mais prescrito nas mulheres e à medida que a idade avança”. O médico de clínica geral Pedro Lopes, também de Portugal, compartilha dessa opinião. “Temos uma procura imensa de pessoas com perturbações do sono que, muitas vezes, nem se queixam delas – procuram-nos com queixas de cansaço, falta de concentração ou ansiedade mas que, quando exploramos melhor, percebemos que têm origem em perturbações do sono. Tradicionalmente, aparecem mais mulheres, embora ache que, com a crise mundial do nosso sistema de vida, o aumento das demissões e das situações familiares mais complicadas, começou a haver uma maior procura por parte dos homens. Aparecem pessoas cada vez mais jovens – muitos na casa dos 40 ou 45 anos e inclusivamente bem mais novos (o que não era nada frequente há uns anos). As faixas etárias mais jovens lidam muito mal com o estresse, a pressão e o fato de haver desemprego, que acabam por criar perturbações de ansiedade, a principal causa das perturbações de sono.”
Também há muita tendência para a automedicação com os medicamentos que foram receitados à amiga, vizinha, mãe, sem noção dos riscos associados. Algumas pessoas confessam fornecer medicamentos aos amigos e familiares, quando lhes perguntamos porque pedem receitas para além das suas necessidades pessoais.



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