30.01.2016, 18:26
BILHÕES DE BACTÉRIAS HABITAM EM CADA UM DE NÓS
A flora de nossos intestinos, rica de 100 mil bilhões de bactérias, é atualmente considerada como um órgão de plenos direitos.
Por Stéphany Gardier – Le Figaro
Os antibióticos estão entre os avanços médicos mais importantes do século 20. e paradoxalmente, pode ser que as bactérias irão permitir que a medicina do século 21 faça progressos consideráveis. O desenvolvimento rápido das técnicas de sequenciamento genético durante as últimas décadas colocou no centro das preocupações científicas microrganismos até agora negligenciados: os 100 mil bilhões de bactérias da flora intestinal.
Obesidade, diabetes, doença de Crohn bem como a depressão ou transtornos alimentares poderiam estar relacionados a um desequilíbrio desta flora. O microbiota (*) intestinal é atualmente considerado como um órgão de plenos direitos, os milhões de genes expressos por suas bactérias seriam para o homem, um «segundo genoma», e alguns não hesitam mais em falar dos intestinos como um segundo cérebro.
Sequenciamento do metagenoma
Mais de 4500 artigos científicos foram publicados sobre o microbiota intestinal, e artigos novos são publicados todo mês. Os especialistas desta disciplina recente de pesquisa vibram com tal dinamismo bem como do apoio fornecido para determinados projetos da indústria agroalimentar. Mas eles destacam também a importância de uma melhor padronização dos protocolos de pesquisa e a necessidade de moderar algumas esperanças terapêuticas, por vezes exageradas.
O interesse no microbiota intestinal evoluiu em uma verdadeira mania, quando, em 2004, a equipe de Jeffrey Gordon mostrou que algumas bactérias intestinais contribuiam para o desenvolvimento da obesidade. Uma década mais tarde, ainda não existe uma perspectiva terapêutica, mas as pesquisas avançaram, graças ao sequenciamento do genoma das bactérias da flora intestinal, o metagenoma.
«Em 2010, conhecíamos apenas 3,3 milhões de genes bacterianos, atualmente, conhecemos 10 milhões, especifica Joël Doré, pesquisador especializado no microbiota, no Instituto Nacional de pesquisa agronômica (Inra, da França). Agora, sabemos que há um núcleo metagenômico altamente conservado entre os indivíduos e genes raros, quase únicos em cada um de nós.»
Microbiota atrofiado
É a diversidade da flora que teria um impacto sobre a saúde. «O microbiota é mais frequentemente “atrofiado” em pessoas que têm níveis elevados de colesterol ou diabetes. Estas mesmas pessoas se adaptam menos com as dietas hipocalóricas», explica Joël Doré.
Uma pesquisa recente realizada pela Unidade Inserm 1073 de Rouen mostrou que a bactéria Escherichia coli poderia estar envolvida em alguns casos de transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão alimentar, etc.). E. coli produz uma proteína, a ClpB, quase semelhante à melanotropina, um dos hormônios que regulam a saciedade. A resposta do sistema imunológico contra o ClpB poderia ter como alvo, ao mesmo tempo, a melanotropina, interrompendo a sensação de saciedade e a ingestão de alimentos.
Foram discutidos vínculos entre o microbiota intestinal e outros transtornos psiquiátricos mencionados. «Foram publicados alguns artigos sobre o autismo e a depressão em particular», comenta Jacques Schrenzel, chefe do laboratório de bacteriologia dos Hospitais Universitários de Genebra. «Mas é muito difícil trabalhar com estas doenças multifatoriais e complexas, para as quais, categorizar corretamente os pacientes representa um verdadeiro problema.»
Assinatura bacteriana
Recentemente, uma equipe francesa do INRA demonstrou, em colaboração com uma equipe chinesa, que existe uma «assinatura bacteriana» associada com as doenças hepáticas, da cirrose ao câncer. «Essa assinatura é ainda mais robusta quando o estágio da doença é avançado », especifica Joël Doré. Outros trabalhos realizados em modelos animais sugerem que alguns casos de esclerose em placas poderiam ser causados por uma perturbação do microbiota. «Tudo isso é bastante estimulante para a pesquisa, mas não é preciso criar falsas esperanças em pacientes », salienta Joël Doré. «Podemos ver correlações entre determinadas “assinaturas” bacterianas e doenças, mas temos que entender como funcionam, que bactéria faz o quê e como elas interagem entre si.»
Os pacientes com infecção Clostridium recorrente têm boas razões para ter esperança. Um transplante de microbiota oriundo de uma pessoa saudável poderia curá-los. Um método de «transplante fecal» testado por mais e mais equipes no mundo, que suscita um entusiasmo real e que também pode ser útil na doença de Crohn. «Trata-se de um avanço terapêutico real, comenta Jacques Schrenzel. Entretanto para que esta técnica tenha êxito nos próximos anos, como uma alternativa aos tratamentos com medicamentos, resultados muito sólidos serão necessários assim como a realização de estudos padronizados. Mas, por enquanto, cada um “cozinha” um pouco no seu canto.»
(*) Chama-se microbiota ao conjunto dos microorganismos que habitam num ecossistema, principalmente bactérias, mas também alguns protozoários, que geralmente têm funções importantes na decomposição da matéria orgânica e, portanto, na reciclagem dos nutrientes.
http://www.brasil247.com/pt/saude247/saude247/215270/Zoo-interno-Bilh%C3%B5es-de-bact%C3%A9rias-habitam-em-cada-um-de-n%C3%B3s.htm