CABE AOS JOVENS TOMAR AS RÉDEAS
Pouco numerosos e politicamente sub-representados, os jovens com menos de 30 anos têm dificuldades em fazer-se ouvir no Japão. Face ao declínio demográfico, algumas vozes começam a gritar. Providências como o estímulo à natalidade e à imigração de mão de obra estrangeira são urgentes para se evitar uma queda drástica da população do país. Enquanto isso, como podemos ver nas fotos, nas ruas da capital, Tóquio, as indumentárias escolhidas pelas novas gerações representam um criativo boom da moda atual.
19 DE JULHO DE 2018 ÀS 22:24 // INSCREVA-SE NA TV 247
Por: Hiroshi Hanabe
Fonte: Jornal Asahi Shimbum, Tóquio
Adolescentes com os cabelos multicoloridos e colegiais vestidos com uniforme estão sentados no salão nobre do conselho municipal de Shinshiro, na província de Aichi (no centro de Honshu). É aqui que se reúne a assembleia municipal composta por 25 jovens que responderam a um convite público endereçado a pessoas dos 16 aos 29 anos. À sua frente, o presidente da câmara e os responsáveis municipais parecem sérios e determinados. Assembleias simuladas com menores não são caso raro, mas a de Shinshiro aprova até mesmo o orçamento discutido e aprovado pela assembleia. Em outras palavras, trata-se de deixar os jovens “deputados” decidir sobre a utilização de 10 milhões de ienes (76.300 euros) de receitas fiscais. Esta “assembleia de jovens”, como é chamada, atrai observadores de todo o país desde a sua criação em 2015.
A ideia nasceu há três anos. Shiuhei Takeshita, natural de Shinshiro, estava numa biblioteca de New Castle, na Grã-Bretanha, a estudar. Nascido em 1990, no segundo ano da era Heisei (que terminará com a abdicação do imperador Akihito em abril de 2019), Takeshita ficara fascinado ao ouvir jovens estrangeiros, sentados à mesma mesa, discutindo política de modo muito eloquente. Nunca tinha pensado seriamente no governo da sua cidade ou do seu país (como a maioria dos jovens japoneses, frequentemente pouco politizada) mas, na Europa, vários municípios já tinham assembleias de jovens que discutiam as políticas a seguir. Era uma barreira mais difícil de transpor do que a da própria língua. “Estamos mal (se continuarmos assim). Não é bom para o Japão”, pensou o jovem. De regresso ao país, reuniu amigos e voluntários para elaborar um plano de ação.
Quase simultaneamente, uma novidade abalou a cidade: Shinshiro tinha sido identificada, por um instituto de investigação privado, como a única localidade da província de Aichi em risco de desaparecer (por causa da demografia negativa).
A diminuição da população deixava prever graves dificuldades de funcionamento até 2040. O sentimento de crise foi exacerbado por esta informação e empurrou Takeshita para a ação prática.
“No Japão de hoje, as gerações mais idosas negligenciam o futuro dos jovens: trata-se de um fenômeno que já dura bastante tempo, e eu sempre senti vergonha desse estado de coisas” , comenta o presidente da câmara de Takeshita. Em muitas regiões, as escolas primárias e os colégios foram fechando, um após o outro, para dar lugar a casas de repouso para idosos.
Segundo as projeções, o Japão não terá mais do que 88 milhões de habitantes em 2065. Por seu lado, o Governo espera que a população continue a ser superior a 100 milhões. Para isso, será necessário melhorar a taxa de fecundidade, que se situa hoje em 1,44 por mulher, para 2,07 em 2030. As despesas públicas consagradas às políticas familiares representam atualmente apenas 1% do PlB japonês.
Essas palavras do prefeito encontram eco nos temores de muitos japoneses de gerações anteriores. Desde o advento da era Heisei, será que o Japão não deveria ter estendido mais a mão à geração jovem para conservar a “viabilidade da nossa sociedade”? É o que muitos agora se perguntam.
Estado paralisado
Para fazer face à situação, os jovens começaram a unir-se. Recentemente, uma reunião subordinada ao tema “Se você casado, qual seria a sua atitude?” foi organizada, não muito longe da estação central de Tóquio, pelo Coletivo para a Promoção de uma Democracia Jovem. Criada por ocasião das eleições locais de 2015, esta organização sem filiação partidária reúne os políticos locais com menos de 30 anos.
Já foram feitas várias propostas para a cidade de Tsunan (na província de Nigata), também em risco de desaparecer, e foi uma deputada de Tsunan, com 31 anos, Yu Kuwabara, quem ficou encarregada de as analisar.
Os políticos da geração Heisei, que tinham chegado à maioridade durante a era Showa (1926 1989, reinado do imperador Hirohito), foram finalmente dispensados. Para Daisuke Watanabe, membro do conselho nacional da cidade de Tóquio, há um ponto comum. “Mesmo que as preocupações sejam diferentes, elas são unânimes quanto ao fato de se acreditar que seria perigoso o Japão continuar no mesmo caminho.”
Em maio do ano passado, um relatório publicado na internet foi uma paulada na cabeça dos japoneses. Intitulado “Pessoas preocupadas, Estado paralisado”, este documento de 65 páginas foi redigido por 30 jovens, entre 20 e 30 anos, que trabalham no Ministério da Economia, Comércio e Indústria. O relatório foi descarregado mais de 1,4 milhões de vezes e provocou um dilúvio de comentários na internet. Ao ler esse documento, fica difícil acreditar que foi elaborado por funcionários do Estado, porque não só reconhece que o Japão está “paralisado” mas também faz severas criticas a “uma sociedade indiferente às suas gerações ativas”, e coloca questões como: “Os jovens dispõem verdadeiramente do espaço necessário para desempenharem os seus papéis?”
Os autores estudam o problema num contexto de baixa natalidade e envelhecimento da população, agravamento das disparidades sociais, aumento do emprego precário, e falam de “uma democracia dos seniores” (onde grande parte do eleitorado é de idade avançada). A expressão “continuar a brincar no modelo de vida de Showa” chama particularmente a atenção. Os sistemas e os valores assentes no modelo da era Showa são um obstáculo às alterações que é preciso fazer. Em outras palavras, é como se o Japão tivesse parado no tempo.
Entre os funcionários que redigiram o documento encontravam-se Takahisa lto, 26 anos, do departamento de Política de Certificação de Normas, e Keita Imamura, 27 anos, do departamento da Indústria de Conteúdos, admitidos na função pública no dia seguinte a seguir ao da tripla catástrofe de 11 de março de 2011 (terremoto, tsunami e acidente nuclear de Fukushima, considerada a pior crise no arquipélago desde 1945).
“Estamos na era Hesci. O que parecia normal e imutável na era Showa, já não o é. O sentimento geral de que é perigoso para o Japão continuar no mesmo caminho é particularmente forte entre os jovens”, observa Ito. “Neles assenta o futuro do país. É preciso valorizar esta geração e dar-lhe poder de redistribuir recursos”, acrescenta a sua colega Imamura.
Jovens pagam a conta
Em princípio, não existe uma relação de causa e efeito entre o fim de uma era – ligada à entronização de um novo imperador e uma alteração social importante. Mesmo assim, a era Heisei coincidiu com uma importante mutação social. Após o fim da Guerra Fria, a economia mundial teve um enorme crescimento e a revolução digital ganhou terreno.
No Japão, o estouro da bolha financeira (no início da década de 1990) foi acompanhado pela desintegração do “sistema de 1995″ (hegemonia quase permanente do partido liberal-democrático durante 40 anos), e o declínio demográfico acentuou-se significativamente. Os grandes pilares da era Showa – forte crescimento, apoio das empresas aos funcionários, financiamento do sistema de segurança social por uma parte significativa da população ativa – entraram em crise. Apesar disso, o Japão não tomou qualquer medida eficaz. Hoje, é a geração mais jovem quem paga a fatura.
Um percurso de vida tradicional obsoleto. Estudos, carreira profissional, vida pessoal: os japoneses são cada vez mais confrontados com a precariedade. Um fator de declínio demográfico
Em julho do ano passado, houve uma reunião em Kasumigaseki (zona dos ministérios em Tóquio) para que fosse discutido o conteúdo do relatório dos funcionários do Ministério da Economia, Comércio e Indústria. ETI. Além dos burocratas, como lmamura e Ito, estiveram presentes grupos de reflexão, organizações sem fins lucrativos e autoridades locais. Novamente, a geração Heisei estava à frente.
A experiência da assembleia de jovens de Shinshiro foi, nessa reunião, apresentada por Yuki Murohashi, 28 anos, responsável pela Conferência dos Jovens do Japão. Esta organização sem fins lucrativos foi criada para dar voz à geração mais jovem no mundo da política. Uma área na qual tem dificuldades em ser ouvida, por ser pouco numerosa e por causa da baixa taxa de afluência às urnas.
Para permitir aos jovens entre 20 e 30 anos participar na vida política, a Conferência dos Jovens do Japão reclama a redução da idade de elegibilidade e do montante do depósito da candidatura. Durante o verão de 2015, quando o movimento Sealds (ação de emergência dos estudantes para a democracia liberal) se manifestou contra as novas leis sobre a segurança, os responsáveis reuniram-se com funcionários eleitos pelo partido liberal-democrático (conservadores, atualmente no poder). A próxima etapa consistirá em criar um grupo parlamentar extrapartidário para promover a política junto aos jovens.
Murohashi nasceu antes do início da era Heisei. Na sua região. as escolas primárias e os colégios foram fechando, um após o outro, para darem lugar a casas e centros de repouso para idosos. Apesar dessa evolução rápida, o Japão tardou a tomar as medidas necessárias. É este sentimento que motiva o jovem Murohashi a agir. “A era Heisei não conseguiu se adaptar às alterações”, diz ele.
O divertimento vem depois
No Japão, os homens entre os 40 e os 45 anos descansam, informam-se ou dedicam-se aos seus passatempos por volta das 22 horas. Os mais velhos consagram todos os seus dias a estas atividades.
Em maio de 2017, o ministério japonês da Economia, Comércio e Indústria publicou um relatório do qual foram extraídos os dados agora apresentados e que comparam a organização de um dia típico dos homens ativos e um dia habitual dos aposentados. Redigido por 30 jovens na casa dos 20 e 30 anos, este relatório foi baixado um milhões de vezes nos três meses que se seguiram à sua publicação. Foi bastante comentado – até porque descreve um país “paralisado” e critica “uma sociedade indiferente às gerações ativas”.
Legalmente, os japoneses podem se aposentar a partir dos 60 anos. No entanto, depois das alterações das leis trabalhistas em 2006, as empresas podem estender o tempo de trabalho e propor um contrato renovável. No Japão, um dos países onde a população ativa é das mais idosas, trabalhar até os 70 anos é bastante comum.
Apesar da aparente tranquilidade que se vê nas ruas e parques de Tóquio, a verdade é que, no Japão dos nossos dias, as gerações mais idosas negligenciam o futuro dos jovens.
Comunidades locais se mobilizam
Alguns municípios japoneses lançaram iniciativas concretas para compensar a diminuição da população, depois da publicação de um relatório em 2014 que os colocara na lista das autarquias “ameaçadas de extinção”.
É preciso instaurar um sistema em que os velhos passem mais depressa o testemunho às novas gerações. Keisuke Ota, 31 anos, conselheiro da cidade de Tarui (província de Gifu, centro de Honshu), também considera serem necessárias ações mais concretas para ajudar os jovens a investir na política. Criou um grupo de estudo, chamado Toryumon, para ajudar os jovens que queiram se tornar conselheiros regionais. Ota credita que é preciso dar início à tomada de decisão política daqueles que serão os nossos responsáveis daqui a uma ou a duas décadas.
Takatsugu Niki, 30 anos, responsável pelo coletivo para a promoção da democracia junto aos jovens, a que também pertence Ota, quer criar um movimento para a defesa da liberdade e dos direitos cívicos na era digital. Nas eleições municipais de 2015, foram eleitos apenas 136 candidatos nascidos depois de 1985. Niki foi às respectivas regiões para convence-los a formar uma rede. Para Niki, a participação política deve ser muito forte entre os jovens.
Se questionássemos os jovens sobre o fato de as gerações anteriores terem negligenciado a passagem do testemunho eles seguramente responderiam: “Só agora é que perceberam isso?”
Geração perdida
Num tempo de acentuada baixa da taxa da natalidade, o que acontece se só oferecermos aos jovens empregos precários? As gerações mais velhas conhecem bem a resposta. Há dez anos, o nosso jornal publicou uma série de artigos sobre o que naquela altura se chamou “a geração perdida”, os jovens que entraram na vida ativa durante uma crise de emprego e que sofreram com empregos precários e convulsões sociais. Eu próprio fiz parte da equipe que trabalhou neste assunto. Apesar de estarem perfeitamente conscientes do problema, as gerações mais velhas nada fizeram. Há vinte anos, o escritor Taichi Sakaiya, 82 anos, antigo funcionário do Ministério do Comércio e da Indústria, publicou em capítulos no nosso jornal uma obra intitulada Heisei sanju nen (Os trinta anos da era Heisei). Era um romance de antecipação que retratava o Japão daquele período: enquanto a população continuava a diminuir, a centralização na região de Tóquio aumentava, as regiões decaíam e a dívida nacional crescia.
A obra foi posteriormente publicada em formato livro de bolso com o título “O Japão não reagiu”. “O Japão foi ainda mais inativo do que se esperava”, comenta hoje o autor. No seu livro, uma personagem afirmava: “Em 1990, o Japão saiu vitorioso da Guerra Fria. Mas, nos 28 anos que se seguiram, teve uma série de derrotas.”
Coincidentemente, a era Heisei está prestes a acabar. O Japão de hoje é como um sapo em água morna. Segundo a fábula de Gregory Bateson, se colocarmos um sapo em água fria e a formos aquecendo gradualmente, o batráquio se acomoda e perde o reflexo de saltar para fora de água, acabando por morrer escaldado.
Apesar de a situação não ser a mesma da era Showa, o Japão é incapaz de mudar a sua forma de pensar e o sistema. São os jovens que pagam as consequências disso e, previsivelmente, hipotecam o seu futuro.
Ao praticar uma política de terra queimada, os mais velhos ficam impossibilitados de passar o testemunho à geração seguinte. Muitos japoneses, com uma idade média ou avançada, como eu, estão mergulhados na água morna. Os primeiros sapos a saltar para fora de água serão seguramente os da geração mais jovem. “Só temos alguns anos para reagir.” É nestes termos que os jovens funcionários do Ministério do Comércio e da Indústria concluem o seu relatório. Embora seja uma coincidência, a era Heisei está prestes a acabar.
Uma política de imigração sem imigrantes
Na atualidade, o primeiro-ministro nacionalista Shinzo Abe continua a repetir que o Japão não irá recorrer à imigração. Embora, oficialmente, Tóquio não pareça querer apelar à mão de obra estrangeira para compensar o declínio demográfico, oficiosamente existem hordas de estrangeiros que apoiam a economia nipônica em setores donde os jovens japoneses têm tendência a desertar. “Desde 1993, com o pretexto de contribuir para a formação de estudantes de países emergentes, o Japão acolheu jovens estrangeiros com autorização de residência no território durante um máximo de três anos. No âmbito de uma legislação dita de ‘aprendizagem’ era-lhes permitido de fato trabalhar, muitas vezes em condições deploráveis”, relata o semanário econômico Shukan Ioyo Keizai num artigo intitulado “Japão do acolhimento esconde imigração em massa”. A duração da estada desses “aprendizes” foi alargada para cinco anos em 2017, declaradamente para fazer face à falta de mão de obra no setor da construção civil antes dos jogos Olímpicos de 2020. “Não há hipocrisia e oportunismo em um Governo que quer evitar a todo o custo este assunto melindroso?”, pergunta o Asahi Shimbum.
No ano passado. o país tinha 2,47 milhões de estrangeiros, dos quais 1,28 estavam trabalhando – um aumento de 600 mil empregos em cinco anos – majoritariamente chineses e coreanos, mas também filipinos e vietnamitas.
O Governo de Abe ordenou recentemente uma facilitação dos critérios de atribuição de vistos para estrangeiros nos setores mais fragilizados da economia, e também nos mais mal remunerados, ou seja cuidados paliativos, agricultura e construção civil. “Só acolhemos trabalhadores estrangeiros com competências específicas, sem política de reagrupamento familiar, e com uma duração estritamente determinada”, declarou o primeiro-ministro numa conferência de imprensa em fevereiro último.
Os pormenores dessa política deverão ser tornados públicos nos próximos meses. Mas sabe-se já que seria necessário acolher 200 mil trabalhadores estrangeiros ao ano para que o Japão não veja sua população baixar da faixa dos 100 milhões nas próximas décadas, além de desenvolver uma política de natalidade muito mais forte para conseguir sair da atual crise demográfica.
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