MAS ESTÃO COM PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO
Os gases das fábricas e dos veículos automotores se difundem silenciosamente, interagindo com as substâncias químicas emitidas pelas plantas. Isso altera a comunicação entre elas e pode explicar o fenômeno da diminuição do número das abelhas e de outros insetos polinizadores.
13 DE SETEMBRO DE 2018 ÀS 17:16 // INSCREVA-SE NA TV 247
Por: Marta Zaraska
Fonte: Revista New Scientist, Londres
Em O Dia das Trífides (Coleção Argonauta, Editora Livros do Brasil), o romance pós-apocalíptico de John Windham que se tornou um clássico, a humanidade é atormentada por plantas carnívoras gigantes que andam e que têm espinhos venenosos. A dimensão da ameaça advém da capacidade de comunicar e, consequentemente, conspirar contra nós.
Parece rebuscado, mas desde a publicação do romance, em 1951, que um dos elementos desta obra de ficção científica foi confirmado pela ciência: sim, as plantas falam. Se passearmos numa floresta e se inspirarmos profundamente, poderemos sentir as suas “palavras”, na forma de substâncias químicas complexas como o beta- pineno, que tem o cheiro da madeira do pinheiro.
Certos óxidos, como o de ozono e o de azoto, emitidos pelas centrais elétricas e pelos veículos, são os principais elementos perturbadores das mensagens entre vegetais.
As plantas produzem milhares de cheiros e os associam para criarem “frases”. Essa linguagem perfumada está ameaçada. A poluição do ar perturba os odores e transforma as mensagens em conversas confusas e sem nexo. Isso não só afeta a capacidade de sobrevivência das plantas como também é uma péssima notícia para os insetos polinizadores e até para nós, humanos, porque condiciona, entre outros, o cheiro das nossas flores favoritas. Felizmente, existe uma forma nova de ajudar os nossos amigos vegetais a contra-atacar.
Há muito tempo sabemos que os insetos polinizadores e até mesmo os insetos nocivos distinguem as plantas por causa da composição única de substâncias químicas que cada uma emite. A novidade é a ideia de que os vegetais usam essa capacidade para falar entre si.
“As plantas libertam na atmosfera substâncias químicas voláteis que podemos considerar uma linguagem, no sentido em que é possível afirmar que a planta que liberta a substância ‘fala’ com a que a recebe e ‘ouve’ a resposta”, explica James Blande, especialista em Ecologia Química da Universidade da Finlândia Oriental. “Algumas plantas informam outras em caso de ataque iminente de parasitas. Quando um tomateiro está infestado de vermes cinzentos (uma espécie de lagarta), por exemplo, liberta um coquetel de produtos químicos que é captado pelos seus vizinhos. Assim que estes “recebem” o alerta, começam a produzir glicosídeos (substâncias químicas, formadas pela união de moléculas de glucídeos), que desencadeiam a emissão de um veneno destinado a eliminar as lagartas. Outras plantas pedem ajuda a insetos amigos, usando um método semelhante: quando os pulgões invadem uma planta de soja, esta aciona um alarme químico que faz com as joaninhas venham em seu auxílio”.
De quem é a culpa?
Sabemos hoje que a poluição pode afetar essas comunicações. Para estudar o fenômeno, James Blande e sua equipe colocaram exemplares desses insetos em salas com flores de papel semelhantes às da mostarda-preta. A seguir injetaram na sala o odor de flores de mostarda-preta, que foi aumentado seja num ambiente saudável seja numa atmosfera poluída. A reação foi inequívoca: no primeiro caso, os insetos foram imediatamente atraídos pelo odor não poluído, mas no outro caso a poluição fazia com que andassem incessantemente em círculos em vários pontos da sala, demonstrando desorientação.
Por quê? Nos últimos anos, o óxido de ozono e o óxido de azoto apareceram como sendo os principais elementos perturbadores das mensagens entre vegetais. Estes dois óxidos são emitidos pelas centrais elétricas e pelos veículos, sendo os motores a diesel os mais problemáticos. Ambos reagem quimicamente com as substâncias voláteis emitidas pelas plantas, decompondo algumas mais depressa do que outras, modificando o seu aroma. Quando o limoneno, um monoterpeno (molécula aromática) que é uma “palavra” comumente usada pelas laranjeiras, é misturado com ozono, divide-se em várias centenas de elementos e chega a constituir 1.200 compostos diferentes.
Às vezes, esse fenômeno se produz a uma velocidade alucinante. Robbie Girling, da Universidade de Reading, no Reino Unido, e a sua equipe expuseram oito substâncias, produzidas normalmente pelas flores, a gases do escapamento de um motor a diesel. “Não esperávamos que isso acontecesse tão depressa”, afirma. Em um minuto, o período mais curto avaliado pelo nosso método, um dos compostos tinha desaparecido. Tomou-se indetectável instantaneamente.”
Não é apenas a clareza da linguagem que sofre: é também a sua “quantidade”. O odor libertado pelas plantas não viaja tão longe num ambiente poluído como num ambiente limpo. Para perceber como as coisas se modificaram, desde a era pré-industrial, José Fuentes (da Universidade da Pensilvânia, EUA) e a sua equipe, da Universidade da Virgínia (EUA), desenvolveram um modelo informático que integra os níveis de poluição no decurso da história e constataram que os odores, que antes podiam ser captados a quilômetros de distância, não percorrem hoje mais de 200 metros.
Esses cientistas observaram a mesma redução de sinal entre um ambiente limpo e um ambiente poluído, como o dos nossos dias. Tomemos como exemplo o feijão (espécie leguminosa). Quando atacada por ácaros-aranha (uma das famílias desses parasitas), uma planta emite sinais químicos que incitam os vizinhos a produzir um néctar açucarado que atrai ácaros predadores, que atacam os invasores. “Se a atmosfera estiver limpa”, constatou James Blande, “as plantas comunicam sem problemas com os vizinhos situados a 70 centímetros, mas se a concentração de ozono ultrapassar as 80 partes por milhão (ppm), os seus gritos de alerta não serão captados a mais de 20 centímetros”.
Estas 80 ppm de ozono parecem muitas vezes ser o limiar em que os problemas começam, o que é uma má notícias porque a concentração de ozono na atualidade ultrapassa muitas vezes as 100 ppm e, nas zonas urbanas, chega a alcançar as 200 ppm. Não conhecemos tão bem os limiares problemáticos do óxido de azoto, mas não temos dúvidas de que os gases emitidos pelos motores a explosão danos: eles têm um tal impacto na saúde humana que em alguns países como no Reino Unido a regulamentação fixa limites para as emissões. Porém, na realidade, esses limites são regularmente ultrapassados. Por exemplo, o nível de dióxido de azoto não pode ultrapassar os 200 microgramas por metro cúbico/hora, mais de 18 vezes por ano. No entanto, em algumas zonas de Londres, esse limite foi ultrapassado já nos primeiros dias de 2017.
Perfume das rosas afetado
Os jardineiros citadinos certamente já repararam nesse efeito. “Esses poluentes afetam os odores emitidos pelas plantas”, afirma James Blande. Os óxidos de azoto chegam a reduzir o tempo de alguns odores florais no ar de 18 horas para apenas cinco minutos. O perfume das rosas, por exemplo, é menos intenso nas cidades do que no campo, realça o investigador. É preciso estar muito perto para lhes sentir o cheiro e, mesmo assim, não conseguimos identificar todo o seu aroma, porque os poluentes destroem rapidamente alguns compostos como o beta-cariofileno (presente sobretudo no lúpulo, no alecrim e na canela).
Não é apenas o nosso nariz nem os poetas que sofrem, quando o odor das flores é perturbado. “Não acho que seja ir longe demais afirmar que a poluição doar constitui um fator redutor do número de insetos”, afirma Robbie Girling. A quantidade de insetos está diminuindo constantemente em todo o mundo. Esse é um fenômeno que produziu manchetes na mídia em 2017, quando os cientistas perceberam que as reservas naturais de insetos na Alemanha tinham diminuído 75% em apenas 27 anos.
Uma comunicação deficiente entre insetos e flores pode ter consequências particularmente importantes para os polinizadores, mesmo que ainda ninguém tenha medido o seu impacto no número de abelhas. Robbie Girling e a sua equipe constataram que o mirceno, um monoterpeno volátil corrente, é particularmente vulnerável aos gases emitidos pelos motores a diesel – e isso pode confundir os polinizadores: se retirássemos o mirceno do aroma das flores, apenas 37% das abelhas as reconheceriam.
A interferência na linguagem das plantas ameaça a sobrevivência dos insetos polinizadores, e as próprias plantas, e pode desestabilizar ecossistemas inteiros, com consequências graves para o mundo natural e a agricultura. Mesmo que nos esforcemos por reduzir a quantidade de poluentes, as coisas já foram tão longe que, agora, só poderão melhorar muito lentamente.
A boa noticia é que existe uma medida simples e imediata para ajudar as plantas a comunicarem: plantar mais, para que absorvam os poluentes. Algumas plantas são mais eficazes nesse processo de deputação ambiental do que outras. Segundo esses investigadores, a reflorestação é particularmente apropriada, porque as árvores possuem uma grande superfície que lhes permite absorver o ozono e o dióxido de azoto da atmosfera.
Os urbanistas já se colocaram no bom caminho. Várias cidades têm jardins verticais e paredes vivas. Em Londres, por exemplo, uma parede com 20 metros de altura e mais de 10 mil plantas foi construída junto à estação ferroviárias Victoria. Há mesmo quem plante árvores no topo dos edifícios. Em Milão, existe o primeiro arranha-céu florestal do mundo; construído em 2014, nas suas varandas há 800 árvores e cerca de 20 mil outros tipos de plantas.
O projeto Nanjing Green Towers, que está sendo construído na China, contará com 1.100 árvores e milhares de outras plantas. Há também uma cidade-floresta em construção perto de Liuzhou.
A interferência na linguagem das plantas
Claro que a poluição perturba também a comunicação no seio dessas florestas urbanas, mas tem menos impacto nos outros vegetais. Como as plantas estão mais perto umas das outras, não precisam gritar para se fazerem ouvir. Parece que já entendemos a situação. Jose Fuentes apela, no entanto, à prudência: alguns vegetais geram uma grande quantidade de moléculas orgânicas, as quais são as precursores (compostos que entram numa reação que produz um ou outros compostos) do dióxido de ozono e podem agravar a questão do ar poluído das cidades. “Carvalhos, álamos e choupos, por exemplo, estão fora de questão”, ele afirma.
E nos campos? Mesmo que estejam muitas vezes mais limpos, os poluentes têm efeitos nas plantas comercialmente importantes, o que pode desencadear consequências desastrosas. Para José Fuentes, a solução passa pelo plantio de flores ao redor dos campos, sobretudo as petúnias. Elas não apenas limpam os poluentes que perturbam a comunicação vegetal como também atraem insetos polinizadores. E se as flores cheirarem bom, melhor ainda para o nariz dos seres humanos. Todos ganham com isso.