ELES ADORAM UMA BIRITA
Criar dependência de substâncias que alteram as percepções não é prerrogativa dos humanos. Na natureza existem centenas de espécies de animais que se entregam aos vícios de maneira mais ou menos habitual. Na galeria, apresentamos alguns casos
19 DE SETEMBRO DE 2012 ÀS 13:49
Fotos: Divulgação
A erva-do-gato (Nepeta cataria), que os americanos chamam de catnip, é o nome comum para um erva perene da família das hortelãs. Ela é nativa da Europa e da Ásia e logo foi levada para os Estados Unidos e o Japão. A erva-do-gato hoje é uma erva comum na América do Norte, no Brasil e em quase todo o mundo.
Segundo os estudiosos e veterinários, o cheiro dessa erva estimula o instinto predador do animal. Ela afeta quase todos os felinos, inclusive leões, pumas e onças, e é aparentemente inofensiva para a saúde deles.
Embora muitos gatos tentem comê-la, cientistas dizem que eles estão na verdade reagindo ao cheiro da erva, e não ao seu sabor. Os felinos mordem, mastigam, esfregam ou rolam sobre a erva-do-gato, e fazem isso para libertar a essência das folhas. A erva-do-gato pode deixar o animal bastante agitado e alerta por horas. Veja no vídeo ao final da matéria.
Pelo fato de não haver realmente um odor que cause esse tipo de reação nas pessoas, é difícil para nós entender esse comportamento. Contudo, ele não é incomum nos animais, seres que confiam muito em seu olfato. Por exemplo, há muitos odores que desencadeiam um comportamento de caça nos cachorros e outros que vão fazer com que os cachorros parem no caminho e rolem sobre o odor.
Embora ninguém saiba exatamente o que acontece no cérebro do gato, é sabido que a substância química nepetalactone é o que desencadeia a resposta. A reação à erva-do-gato é herdada e alguns gatos são imunes a ela. A reação à erva-do-gato dura poucos minutos.
Há tempos se sabe que, da mesma forma que para os humanos, pequenos primatas podem adquirir o vício do álcool – e se comportar do mesmo modo quando embriagados.
Uma controvertida pesquisa (muito criticada por ONGs de proteção aos animais) que envolvia a administração de bebida alcoólica a um grupo de mil macacos da espécie green vervet (macaco verde africano) descobriu que os animais se dividiam em quatro categorias principais: grandes beberrões, beberrões moderados, bebedores sociais, praticamente abstêmios. As proporções, para surpresa dos cientistas, eram praticamente as mesmas encontradas nas sociedades humanas modernas.
A grande maioria era formada por bebedores sociais, que bebiam com moderação e apenas quando estavam em companhia de outros macacos – mas nunca antes do almoço – e preferiam sua bebida alcoólica misturada com suco de frutas.
Quinze por cento bebiam com regularidade e de modo pesado, e preferiam beber seu álcool puro ou diluído com um pouco d'água. A mesma proporção bebia muito pouco ou nenhum álcool.
Cinco por cento dos macacos, no entanto, foram classificados como "beberrões seriamente abusivos". Consumiam o máximo possível da bebida, ficavam bêbados, e frequentemente provocavam os outros para brigas. Como entre os humanos, os beberrões mais contumazes eram jovens machos, mas ficou claro que macacos de ambos os sexos e de todas as idades apreciam um pouco de álcool.
Essa pesquisa continua sendo desenvolvida na ilha caribenha de St Kitts. Cientistas estão usando esses macacos – que compartilham 96% do seu patrimônio genético com os humanos – na tentativa de encontrar chaves para melhor compreender a natureza orgânica e psicológica do alcoólatra e descobrir se algumas pessoas possuem uma predisposição hereditária para o alcoolismo.
Mas os gatos e os macacos estão longe de ser os únicos apreciadores de substâncias que embriagam e/ou alucinam. A galeria abaixo mostra alguns outros exemplos curiosos do uso de drogas entre os animais.
1 A erva-do-gato encabeça o elenco
O gato é o animal mais estudado para se verificar a dependência de substâncias inebriantes. A partir da erva-do-gato, que aparentemente também serve para limpar o aparelho digestivo, os gatos – sobretudo os gatos selvagens – podem desenvolver uma dependência de algumas plantas que, depois, irão procurar regularmente. Entre essas plantas estão o Teucrium marum verum e a valeriana. A primeira é um afrodisíaco que dá ao macho maior potência, prolongando a ereção, e à fêmea um comportamento voluptuoso. A valeriana, por seu lado, é um potente alucinógeno.
2 As espertezas da cabra
Às cabras devemos a descoberta de algumas substâncias que depois passaram a ser consumidas também pelo homem. O exemplo mais gritante é o café. Diversos contos populares da Etiópia e do Iêmen explicam como o homem, observando o comportamento bizarro e agitado das cabras que tinham comido frutos do café, quis também provar da substância.
Nesses mesmos países, as cabras são gulosas das folhas de khat (Catha edulis forsk, da família das Celastraceae), planta com propriedades eufórico-excitantes cuja mastigação tornou-se um hábito quotidiano de muitos homens que vivem naquelas regiões.
O mesmo aconteceu no México, com o consumo do "feijão do mescal", a semente da leguminosa Sophora secundiflora – que provoca estado alucinatórios semelhantes àqueles causados pela ingestão do peiote. Seu uso pelos humanos foi provocado pela observação do bizarro comportamento das cabras após terem comido essas sementes.
3 O passo do elefantinho embriagado
Em matéria de drogas, os elefantes preferem certamente o álcool: esses paquidermes são capazes de esperar a maturação dos frutos de diversas espécies de palmeira das quais depois se alimentam. Eles sabem que apenas depois de iniciado o processo de fermentação esses frutos tornam-se alcoólicos. Essa espera indica que a procura de álcool é intencional.
Embriagados, os elefantes ficam muito excitados e, coisa ainda mais grave é que, devido à sua grande massa, eles perdem a coordenação motora, se amedrontam facilmente e tornam-se agressivos. Uma manada de elefantes embriagados representa um sério perigo para o homem.
Por causa desta sua sensibilidade particular ao álcool, os elefantes na Índia são usados pela polícia para descobrir destilarias clandestinas.
4 Volaaare, ô-ô!
O caso mais engraçado de bebedeira coletiva é o do pássaro Erithacus rubecula (um tipo de pintassilgo norte-americano). Eles se nutrem de favas, especialmente as produzidas pelo arbusto conhecido como California Holly, capazes de embriagá-los. Esses pintassilgos ingerem grandes quantidades dessas favas (cerca de 30, quando na verdade apenas 5 bastariam para nutri-los).
Depois da esbórnia, é possível ver revoadas desses pássaros que voam de modo caótico e cômico; muitos se divertem brincando de pega-pega e outros jogos aparentemente estúpidos, outros permanecem parados no chão. Por causa desse efeitos, contudo, muitos pássaros morrem na sua interação com os humanos, ou por se tornarem presas fáceis de cães e gatos.
5 Moscas, formigas e besouros
Insetos comuns, como moscas e formigas, não estão imunes ao uso de substâncias estimulantes. As moscas, por exemplo, são atraídas pelo fungo amanita muscaria, cujo nome deriva exatamente de "mosca". Sabe-se há muito que esses insetos são atraídos pelos "cabelos"desse fungo, e ao pousar sobre eles entram num estado que poderia ser chamado de "catatonia".
Mas, entre os insetos, o comportamento mais bizarro que se observa na naturea é o dos escaravelhos Lucanus cervus, um dos maiores coleópteros da Europa. Essas criaturas são consumidoras ávidas das secreções de linfa fermentada que sai dos carvalhos. O líquido em questão é uma espécie de cerveja natural, com a qual esses besouros se embriagam. Sob os seus efeitos, primeiro começam a produzir sons semelhantes ao cacarejar de galinhas, depois caem das árvores onde pousaram; no chão, tentam manter-se comicamente sobre as patas, quase sempre sem sucesso, e acabam pegando no sono.
6 Até você, rena
Até as renas – os míticos animais que puxam o trenó de Papai Noel – têm os seus vícios. Sua droga preferida também é o cogumelo amanita muscaria (Agarico muscario), que sabem perfeitamente como encontrar nas florestas de bétulas.
Depois de se empanturrar com esses cogumelos, as renas começam a correr e a perseguir umas às outras de modo caótico; algumas se isolam do bando e balançam vistosamente a cabeça para lá e para cá. Esse comportamento, por sinal, para todos os animais, é sinal de estado alterado.
O autoisolamento do bando acarreta graves repercussões no grupo: os filhotes, deixados sozinhos e sem proteção, podem se tornar vítimas dos lobos. As renas são também atraídas pela urina dos seus semelhantes, pois ela contem uma porcentagem muito alta de substâncias inebriantes.
7 Drogado como um mandril
Os javalis e os mandris são os maiores consumidores de iboga. Trata-se de uma planta (Tabernanthe iboga Baill., da família das Apocynaceae) cujas raízes são alucinógenas. O macho do mandril, em particular, tem um comportamento interessante em relação a essa droga. Ele a come pouco antes de entrar em combate pela supremacia no interior do grupo, ou quando decide brigar pela posse de uma fêmea.
O macho dessa espécie de primatas come as raízes de iboga a espera cerca de duas horas antes de provocar uma luta, exatamente o tempo necessário para fazer com que a substância produza os seus efeitos. Alguns estudiosos acreditam que a iboga seja utilizada para aumentar a potência e para diminuir a sensação de dor provocada pelos golpes.
8 Bichos, doutores em fitoterapia
Exatamente como nós humanos fazemos na fitoterapia, o mundo animal utiliza numerosos vegetais por causa dos seus poderes medicamentosos. Várias ervas são usadas por cães e gatos como vermífugo e depurativo; a ingestão de pequenas quantidades de terra é necessária a vários símios e pássaros para se liberar das toxinas dos alimentos.
Os chipanzés da Tanzânia consomem as folhas de uma planta da família das Asteráceas para desfrutar do agente antibiótico que elas contêm. Várias tartarugas-da-terra e as doninhas (Mustela nivalis) comem orégano e arruda para se desintoxicar, depois de devorar uma serpente. As serpentes, por seu lado, estimulam a própria capacidade visual alimentando-se de erva-doce.
O urso, logo depois de sair do período de hibernação, come grandes quantidades da planta conhecida como serpentária (Dracunculus vulgaris), para estimular a função intestinal paralisada devido à letargia.
9 Macaco-prego gosta de uma centopeia
Os macacos-prego comem uma grande variedade de plantas e insetos, tanto com finalidades terapêuticas como para se embriagar. Como todos os símios, esse macaco também usa as folhas de algumas plantas para aliviar a dor de picadas de insetos e para a eliminação de parasitas.
Além disso, os macacos-prego esfregam no próprio pelo uma espécie de centopeia (Anadenobolus monilicornis), obtendo dessa forma um estado de excitação psicomotora que dura cerca de 30 minutos. Os etólogos (cientistas que estudam o comportamento dos animais) acreditam que esse efeito é causado por algum princípio psicoativo contido nas plantas das quais a centopeia se nutre.
10 Happy hour
Você gosta de vinho? Os ouriços também. Sendo um formidável devorador de insetos, o ouriço há séculos é usado para proteger as hortas do ataque de larvas e insetos. O melhor modo para fazer com que ele se torne hóspede fixo da sua horta é colocar à sua disposição uma vasilha cheia de vinho. E aí, entre uma bebidinha e outra, ele retribui comendo os insetos que acabam com as alfaces.
Os caracóis também têm tendências alcoólicas: adoram vinho e cerveja. Um velho remédio para livrar as plantas desse flagelo é servir aos caracóis um prato contendo uma das duas bebidas. Trata-se do modo mais biológico para capturá-los e se desfazer deles.
11 Vacas loucas
Vacas, cavalos e inclusive ovelhas podem endoidar quando comem algumas ervas que crescem nas pradarias norte-americanas e que são chamadas de locoweed. São plantas silvestres e psicoativas para os animais de pastoreio. Seus efeitos são geralmente o isolamento e a perda de apetite. Alguns animais podem se tornar maldosos e agressivos inclusive em relação aos seus companheiros de manada.
Vídeo:
Um único microlitro de extrato de erva-do-gato não foi suficiente para provocar nenhuma reação no animal. Mas 10 microlitros, sim. Isso significa que os gatos podem reagir a apenas ~650 nanogramas de nepetalactone! Veja neste vídeo norte-americano o que acontece quando um gato entra em contato com uma quantidade assim tão diminuta dessa droga natural.
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/80682/Bichos-doid%C3%B5es---Eles-adoram-uma-birita.htm