A CIDADE PERDIDA DO POVO EDO
A capital do reino do Benim maravilhou os primeiros viajantes europeus. Da sua magnificência de outrora e das suas fortificações construídas em ameias, mais extensas do que a Grande Muralha da China, nada resta além das recordações. Mas o esplendor da sua cultura e da sua espiritualidade ainda rebrilha não apenas naquela região da África Ocidental, mas também no Brasil, para onde foi trazido no bojo dos navios negreiros.
Por: Luis Pellegrini
“Um pássaro que alçou voo para permanecer pousado no cupinzeiro continua grudado ao chão”. Este antigo provérbio do povo Edo foi seguido ao pé da letra pelos filhos dessa antiga etnia africana que, durante séculos, dominou boa parte do território hoje ocupado pela Nigéria e o Benim. Os homens e mulheres do povo Edo, do século 14 ao século 18 de nossa era, abriram as asas e alçaram voo. Mas não para permanecerem pousados num cupinzeiro, e sim para erigir uma das civilizações mais ricas, poderosas e requintadas de toda a história da África negra. Quando os europeus portugueses chegaram lá, no final do século 15, ficaram simplesmente de queixo caído diante da magnificência e do esplendor dessa cultura. Sua capital, a Cidade de Benim (que deu nome à atual República de Benim) rivalizava e em muitos aspectos mostrava-se ainda mais evoluída, no final da Idade Média, do que a maior parte das capitais europeias. Até hoje, em toda a África, o designativo Povo Edo significa beleza, elegância, cultura e requinte.
As tradições do Povo Edo chegaram às Américas, notadamente ao Brasil, trazidas pelos escravos dessa etnia, inicialmente, e depois pelos da etnia ioruba, de qualquer forma estreitamente aparentada aos Edo. Os ioruba foram vassalos durante séculos dos Edo, e só assumiram uma certa supremacia regional após a derrocada do império Edo frente aos ingleses, no final do século 19.
Foi quando, a partir de 1897, a Grande Cidade de Benim começou a desaparecer sem deixar rastos. Na verdade, ela começara lentamente a declinar no século 15, na sequência de conflitos internos relacionados com a intrusão crescente de europeus e o tráfico de escravos nas fronteiras do reino.
Naquele ano de 1897, Benim foi saqueada e queimada por tropas britânicas. Hoje, existe uma cidade moderna construída sobre a mesma planície, mas os vestígios em ruínas da sua antepassada não são sequer mencionados nos guias turísticos. Talvez haja restos, sob as florestas nigerianas, entregues à degradação e ao esquecimento. Voltarão à luz, um dia, pelas mãos dos arqueólogos.
O que não significa em absoluto que os valores da cultura e da civilização de Edo desapareceram. Pelo contrário, estão bem vivos nas atuais Nigéria e Benim, onde os descendentes do antigo povo Edo conservam esse mesmo nome e constituem hoje uma das etnias mais importantes, mais ricas, mais modernas e bem organizadas. E, no Brasil, no seio da imensa aristocracia das tradições afro-brasileiras, como o candomblé, o xangô, o tambor de mina e a umbanda.
O artigo abaixo, sobre o império Edo, foi escrito por um especialista, o nigeriano Mawuna Remarque Koutonin, ele mesmo descendente da etnia Edo. No final, há uma galeria com fotos de obras de arte Edo e um vídeo raro que dá um ideia do esplendor que hoje ainda permanece na cultura do povo Edo.
A SURPRESA DOS NAVEGADORES LUSITANOS
Por: Mawuna Remarque Koutonin. Fonte: Jornal El País, Madrid
Esta é a história de uma cidade medieval perdida de que poucos ouviram falar. A Cidade de Benim, antigamente conhecida como Edo, era capital de um reino africano pré-colonial ao sul da atual Nigéria. Fundado no século 11, o reino do Benim foi um dos mais antigos e desenvolvidos da África Ocidental.
Segundo Fred Pearce, da revista New Scientist, as muralhas da capital eram "quatro vezes mais longas do que a Grande Muralha da China e tinham exigido cem vezes mais material do que a pirâmide de Quéops". Situada numa planície, Benin City era cercada por muralhas maciças ao sul e por fossos profundos ao norte. E para além destas fortificações havia muralhas que dividiam os arredores da capital em cerca de 500 aldeias. “Delimitando um território de 6500 quilômetros quadrados, foram construídas pela população de Edo”, explica Fred Pearce.
Precursora da iluminação pública
Foi uma das primeiras cidades a beneficiar dos primórdios da iluminação pública. Haviam enormes lanternas de metal por todo o lado, especialmente perto do palácio do rei. Funcionavam a óleo de palma e ficavam acesas toda a noite, iluminando os caminhos até o palácio.
Quando os portugueses descobriram a cidade, em 1485, ficaram surpreendidos ao encontrar no meio da selva africana uma metrópole, agregando centenas de cidades e aldeias. Eles a chamaram de Grande Cidade de Benim, numa época em que praticamente nenhuma outra cidade africana era reconhecida como tal pelos europeus. Em 1691, o capitão português Lourenço Pinto escreveu: “A Grande Cidade de Benim, onde reside o rei, é maior que Lisboa. Até onde o olhar alcança, as ruas estendem-se em perfeita linha reta. As casas são grandes, especialmente o palácio do rei, ricamente decorada e adornada com finas colunas. A cidade é rica e laboriosa. É tão bem governada que nela o roubo é desconhecido e os moradores sentem-se tão seguros que as casas não têm porta". Em comparação, Londres era nessa altura uma cidade medieval assolada "por roubos, prostituição, assassínios, corrupção e mercado negro florescente, onde dominavam os que eram mais rápidos a manejar a faca ou a esvaziar os bolsos alheios", escreve Bruce Holsinger, historiador na Universidade da Virgínia.
O planejamento obedeceu a regras estritas de simetria, proporcionalidade emrepetição hoje conhecidas como geometria fractal. O matemático Ron Eglash, que no livro African Fractais (1999) estuda os padrões característicos da arquitetura e da arte de numerosas regiões da África, observa que a cidade e as aldeias vizinhas foram concebidas para formar fractais perfeitos, padrões estes reproduzidos nas divisões de cada casa e nos agrupamentos de casas, segundo linhas matematicamente previsíveis. Escreve Eglash: “Quando os europeus chegaram a África a arquitetura lhes pareceu desorganizada e, portanto, primitiva. Nunca lhes ocorreu que os africanos podiam recorrer a uma forma de matemática que eles próprios ainda não tinham descoberto".
No centro da cidade erguia-se a residência real, de onde partiam 30 caminhos retilíneos, cada um com 35 metros de largura. As ruas principais estavam ligadas a cisternas subterrâneas que permitiam captar a água da chuva e evitar inundações. Estas ruas eram prolongadas por uma rede de caminhos paralelos e perpendiculares. A erva que crescia nas ruas servia de pastagem aos animais. “As casas estão bem alinhadas ao longo das ruas, umas ao lado das outras", descreve o holandês Olfert Dapper, que visitou a cidade no século 17. “Providas de subidas inclinadas e de escadas, são geralmente grandes e contém longas galerias, em especial as residências da nobreza, bem como numerosas divisões separadas por paredes de argila bem construídas". Acrescenta que "cada casa dispõe de um poço com água fresca".
Decoração exuberante
A cidade dividia-se em onze setores. Cada um era uma cópia em tamanho menor da residência real, incluindo diversos recintos para habitação, oficinas e edifícios públicos ligados por portas e passagens. O conjunto estava decorado com motivos que fizeram a fama da Cidade de Benim. As paredes exteriores da residência real e os recintos eram decorados com listas horizontais (agben) e gravuras de argila, retratando animais, guerreiros e outros símbolos de poder, e os contrastes eram acentuadas pela forte luz do sol. Objetos da natureza - pedras ou fragmentos de mica - eram também prensados na argila úmida (o que conferia às paredes o aspecto brilhante de um céu estrelado) e os pilares do palácio estavam cobertas de placas de bronze que descreviam as vitórias e outras façanhas de antigos reis e membros da nobreza.
No século 12, muito antes da Renascença europeia, os governantes e dignitários da cidade, então no apogeu, prodigalizavam presentes e riquezas aos artesãos que demonstrassem as suas aptidões em esculturas de bronze, madeira e marfim muito trabalhadas.
A Grande Cidade desapareceu sem deixar rasto. Começou a declinar no século 15, na sequência de conflitos internos relacionados com a intrusão crescente de europeus e o tráfico de escravos nas fronteiras do reino.
Em 1897, a cidade foi saqueada e queimada por tropas britânicas. Os meus bisavós, médicos do rei, estavam entre os muitos moradores que fugiram. Hoje, existe uma cidade moderna construída sobre a mesma planície, mas os vestígios em ruínas da sua antepassada não são mencionadas nos guias turísticos. Sob os bosques nigerianos talvez haja restos, entregues à degradação e ao esquecimento.
Galeria de fotos de obras de arte da tradição Edo
Vídeo: Great Edo People of Nigeria
https://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/238504/Benim-City-A-cidade-perdida-do-povo-Edo.htm