02.04.2017, 10:21
POR QUE TEMOS TÃO POUCAS LEMBRANÇAS DOS NOSSOS PRIMEIROS ANOS?
A criação frenética de neurônios em crianças menores de 3 anos poderia explicar a dificuldade em recordar este período até a idade adulta.
Por Alice Flores – Le Figaro Santé
É uma questão que intriga os cientistas há muito tempo: por que quase não temos recordações da nossa infância? Paul Frankland e Sheena Josselyn do Hospital para crianças doentes de Toronto, no Canadá, podem ter a resposta para este mistério: a multiplicação significativa dos neurônios antes dos três anos de idade modificaria os circuitos cerebrais associados à memória, resultando em uma perda das lembranças criadas durante os primeiros anos de vida. Eles apresentaram seus resultados durante a conferência anual da Associação canadense das neurociências, em Toronto realizada há pouco.
Os pesquisadores testaram sua hipótese em camundongos que foram submetidos ao labirinto de Morris, um dispositivo frequentemente utilizado para avaliar a memória do roedor. Nesse teste, o animal deve encontrar seu caminho até uma plataforma situada fora da água. A equipe do Dr. Fankland observou que os camundongos mantêm na memória o caminho a ser percorrido por cerca de 24 horas. Ao impedir a produção de neurônios no hipocampo, uma região do cérebro conhecida por sua importância na aprendizagem e na memória, os pesquisadores descobriram que os camundongos podiam lembrar do caminho durante vários dias. Por outro lado, ao favorecer a neurogênese, a multiplicação dos neurônios em camundongos adultos, estes últimos esqueciam como sair do labirinto.
Para Daniel Gérard, chefe do departamento de psiquiatria infantil no Hospital Pierre Wertheimer, em Bron, esses resultados são muito interessantes. «A memória não é algo fixo, é um processo ativo e dinâmico. Quando o bebê nasce, seu cérebro ainda não está maduro no nível neuronal, ele explica, porque novos neurônios serão criados. Ao se fixarem, eles vão desestabilizar as lembranças existentes. Sabemos agora que quando a criança nasce, o número de conexões neuronais diminui para selecionar as vias neuronais mais eficientes.» Com toda esta reorganização cerebral, «o cérebro deverá esquecer onde ele armazenou as informações », acrescenta Paul Frankland. Para criar uma lembrança que persiste é preciso repetir inúmeras vezes a coisa a ser memorizada, para registrá-la corretamente na memória, «sem esquecer a importância do sono que estabiliza as lembranças » especifica Daniel Gérard.
As lembranças de crianças não são confiáveis
Seja em adultos ou em mais jovens, para poder compreender os traumas passados, coletar seus depoimentos em processos judiciais envolvendo geralmente violências ou toques sexuais, as lembranças de infância estão sendo muito solicitadas. «É preciso tomar o maior cuidado com elas, alerta o médico, pois as lembranças trazidas não são sempre confiáveis e são muitas vezes fragmentadas, especialmente antes dos 7 anos de idade, ele explica. Elas podem parecer pouco creditáveis de que algo aconteceu claramente ».
Estes resultados colocam em prática a maioria das teorias atuais sobre a amnésia infantil, ou seja, a ausência de lembranças antes dos três anos de idade, que associa a capacidade em recordar acontecimentos em longo prazo, antes do desenvolvimento da fala e da consciência de si mesmo. A equipe canadense espera confirmar a importância da neurogênese na amnésia infantil, com jovens pacientes sofrendo de tumores cerebrais. Seus tratamentos tendo como efeito colateral de retardar o surgimento de novos neurônios, os pesquisadores verificarão se nessas crianças a lembrança do que elas vivenciaram um pouco antes da quimioterapia está preservada.
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