NO CORAÇÃO DA BORGONHA, UMA CONFRARIA DE ADORADORES DO VINHO
Situado na “Route des Grands Crus”, itinerário que atravessa os principais vinhedos e vinícolas da Borgonha, o castelo Clos de Vougeot é sede de uma das mais prestigiadas sociedades de apreciadores de vinho do mundo, a Confraria dos Cavaleiros do Tastevin. Desse clube super selecionado – e caro – fazem parte reis, rainhas e príncipes, industriais, fazendeiros, banqueiros, políticos e artistas provenientes de muitos países. Todos irmanados por uma paixão comum: o vinho.
26 DE OUTUBRO DE 2016 ÀS 16:53 // 247 NO TELEGRAM // 247 NO YOUTUBE
Desfile de confrades do Tastevin pelas ruas da cidade de Beaune, uma das mais bonitas da Borgonha.
Por: Luis Pellegrini, da Borgonha, França
Para os cavaleiros e damas do Tastevin, a boa mesa e a degustação do vinho não constituem práticas puramente gastronômicas. Bem mais que isso, elas são entendidas como rito de iniciação de tipo esotérico, ao mesmo tempo profano e sagrado, no qual os praticantes são levados – graças ao culto do paladar e do olfato – a verdadeiras esferas superiores da consciência. Não seria exagerado dizer que, para tais pessoas, o vinho é, em si mesmo, uma divindade, e sua personificação é o antigo deus romano Baco. Aquela mesma divindade fundamental que, na Grécia Antiga, atendia pelo nome de Dionísio.
Assim, para melhor honrar essa divindade protetora dos sentidos – e, portanto, dos prazeres -, nada melhor que criar para ela um templo, um rito e um cerimonial em tudo análogos aos de qualquer outro templo, igreja ou sociedade secreta. Criou-se então a Confraria do Tastevin, a 16 de novembro de 1934. Quase ao mesmo tempo, seus fundadores – os principais viticultores da Borgonha – compraram o Castelo Clos de Vougeot, um enorme palácio do século 12, para ser sua sede mundial. Desde então, o presidente da confraria recebe o título de grão-mestre. Seus membros, os cavaleiros, passam por iniciações que lhes conferem graus, como na boa e velha maçonaria. A Confraria logo se espalhou por vários outros países, que hoje abrigam “capítulos” da ordem.
A poucos quilômetros do castelo Clos de Vougeot está uma propriedade realmente mítica nos anais da viticultura e da enologia mundiais: o Domaine Romanée-Conti. É ali que se produz o famoso grand-cru de mesmo nome, o vinho predileto do ex-presidente Lula. A área é toda recoberta de vinhedos protegidos por muros baixos de pedra. Ao lado de cada entrada existem cartazes pedindo, delicadamente, que os visitantes não arranquem mudas e nem cachos de uvas… A Romanée-Conti é uma das casas fundadoras e mantenedoras da confraria do Tastevin.
Em certas ocasiões do ano, membros da confraria se reúnem no castelo Clos de Vouget. É ocasião para degustações intermináveis e para almoços e jantares de 6 ou mais pratos principais que fariam inveja aos reis Luíses da França. A ordem possui um chef-de-cuisine próprio, Olivier Walch, residente no próprio castelo Clos de Vougeot, e considerado um dos melhores do mundo. Olivier é um dos poucos chefes contemporâneos a dominar as receitas francesas da Idade Média e do Renascimento. Para os banquetes do Tastevin ele prepara pratos praticamente impossíveis de serem encontrados nos restaurantes modernos.
A confraria do Tastevin promove e patrocina vários outros eventos gastronômicos e culturais, sobretudo na região da Borgonha. O principal deles é o festival “Música e Vinha no Clos de Vougeot”, evento exclusivo que, todos os anos, traz solistas do Metropolitan Ópera, de Nova York. Esse festival também é conhecido por lançar e promover jovens talentos em todos os setores da música erudita. Não será preciso dizer que, entremeadas aos concertos, há várias sessões de degustação de grands-crus.
A confraria aprecia o mérito e o talento dos seus sócios
Oficialmente, a Confraria dos Cavaleiros do Tastevin é um clube privado. Ela possui ao redor de 12 mil membros provenientes dos mais diversos países (inclusive vários do Brasil) e “não deseja crescer muito mais do que isso, para que se possa manter em condições satisfatórias o acolhimento dispensado aos hóspedes no castelo Clos de Vougeot”. Ao mesmo tempo, o site da ordem informa que “não consagra um novo membro apenas pelo seu sucesso mundano. A Confraria aprecia o mérito e o talento, honrando o seu esforço pessoal, sua inteligência científica e seu amor pela França, o seu respeito e ações em prol dos valores humanos”. Para se tornar cavaleiro é preciso redigir uma petição e ser apresentado por dois membros da confraria.
É preciso também comungar dos ideais da confraria, entre os quais está a crença de que “o vinho não é somente vinho. Presente dos céus, ele é fruto do trabalho dos homens, exprime o belo, o grande, o verdadeiro. O vinho fala a língua universal da fraternidade, canta a alegria de viver e a felicidade de se reencontrar no gosto pelo equilíbrio e o sentido da medida e do comedimento. Um verdadeiro cavaleiro do Tastevin levanta seu copo, com certeza, mas não apenas para beber o conteúdo”. E o repto se conclui com uma frase de São Bernardo, santo padroeiro da ordem, que se tornou uma espécie de síntese do espírito do Tastevin: “Ninguém é bom se não desejar se tornar melhor”.
O castelo Clos de Vougeot pode ser visitado todos os dias do ano (com exceção de 1º de janeiro e 24, 25 e 31 de dezembro). Enquanto você não vai lá, ou se afilia à Confraria dos Cavaleiros do Tastevin, dê um passeio virtual ao castelo Clos de Vougeot através do site: http://www.tastevin-bourgogne.com/fr/
Vídeo: Entronização de novos cavaleiros do Tastevin
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/262377/Chevaliers-du-Tastevin-No-cora