O VERDADEIRO CERTAMENTE NÃO É O DE NOS TRANSFORMAR EM ENGRENAGENS DE UMA MÁQUINA
A maneira como pensamos o trabalho está exaurida e superada. O que torna o trabalho satisfatório? Além do pagamento, existem valores intangíveis que nosso modo de pensar sobre o trabalho simplesmente ignora. O psicólogo Barry Schwartz sugere que chegou a hora e mudar isso.
24 DE MARÇO DE 2017 ÀS 17:46 // 247 NO TELEGRAM // 247 NO YOUTUBE
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Gabriela Moreira. Revisão: Maricene Crus
Tradução: Gabriela Moreira. Revisão: Maricene Crus
Barry Schwartz é na atualidade um dos mais importantes estudiosos das relações entre economia e psicologia. Em seus textos escritos e palestras ele oferece uma visão renovada do trabalho e do trabalhador na vida moderna.
Vídeo:
Tradução integral da palestra de Barry Schwartz no TED:
Hoje vou falar sobre trabalho. E a pergunta que quero fazer e responder é esta: “Por que trabalhamos?” Por que nos arrastamos da cama todos os dias de manhã ao invés de vivermos nossas vidas apenas pulando de uma aventura TED a outra?
Vocês podem estar se perguntando essa mesma questão. Sei que, certamente, temos que ganhar a vida, mas ninguém nesse auditório acha que essa é a resposta para a pergunta: “Por que trabalhamos?” Para as pessoas nessa sala o trabalho que fazemos é desafiador, atraente, estimulante, significativo. E se temos sorte, ele pode até ser importante.
Não trabalharíamos se não nos pagassem, mas não é por isso que fazemos o que fazemos. E, no geral, acho que cremos que recompensas materiais são razões ruins para fazermos o trabalho que fazemos. Quando dizemos que alguém está “fazendo por dinheiro”, não estamos apenas sendo descritivos.
O salário não é tudo
Acho que isso é bem óbvio, mas a obviedade disso levanta o que, para mim, é uma questão incrivelmente profunda. Por que, se é tão óbvio, por que é que para a esmagadora maioria das pessoas no planeta, o trabalho que fazem não tem nenhuma das características que nos faz levantar, sair da cama e ir para o escritório de manhã? Como é que permitimos que a maioria das pessoas no planeta faça trabalhos monótonos, sem sentido e sufocantes? Por que é que ao longo do desenvolvimento do capitalismo ele criou um modo de produção de bens e serviços, nos quais as satisfações não materiais que vêm do trabalho foram eliminadas? Trabalhadores que fazem esse tipo de trabalho, seja em fábricas, em centrais de atendimento, ou em armazéns, o fazem pelo pagamento. Com certeza, não há outra razão para que façam o que fazem, exceto pelo pagamento.
Então a pergunta é: “Por quê?” E aqui está a resposta: a resposta é tecnologia. Agora, eu sei… sim, tecnologia, automação, estraga as pessoas, blá blá blá… Não é o que quero dizer. Não estou falando do tipo de tecnologia que envolveu nossas vidas, e pessoas vêm ao TED escutar a respeito. Não estou falando sobre a tecnologia das coisas, embora isso seja profundo. Estou falando de outra tecnologia. Estou falando da tecnologia das ideias. Chamo de “tecnologia da ideia”. Que engenhoso!
Além de criar coisas, a ciência cria ideias. A ciência cria meios de entendimento. E nas ciências sociais, os meios de entendimento que são criados, são meios de nos entendermos. E eles têm uma influência enorme em como pensamos, o que almejamos ser, e como agimos.
Se você acha que sua pobreza é a vontade de Deus, você reza. Se você acha que sua pobreza é resultado da sua inadequação, você se desespera. E se você pensa que sua pobreza é o resultado de opressão e dominação, então você se ergue em revolta. Se sua resposta à pobreza é resignação ou revolução, depende de como você entende as origens da sua pobreza. Esse é o papel que as ideias têm em nos moldar como seres humanos, e é por isso que a “tecnologia da ideia” pode ser a tecnologia mais importante que a ciência nos dá.
Se você acha que sua pobreza é a vontade de Deus, você reza. Se você acha que sua pobreza é resultado da sua inadequação, você se desespera. E se você pensa que sua pobreza é o resultado de opressão e dominação, então você se ergue em revolta. Se sua resposta à pobreza é resignação ou revolução, depende de como você entende as origens da sua pobreza. Esse é o papel que as ideias têm em nos moldar como seres humanos, e é por isso que a “tecnologia da ideia” pode ser a tecnologia mais importante que a ciência nos dá.
Tecnologia ruim desaparece
Existe algo de especial sobre a “tecnologia da ideia”, que a faz diferente da tecnologia das coisas. Com as coisas, se a tecnologia é um saco, ela simplesmente some, certo? Tecnologia ruim desaparece. Com ideias, falsas ideias sobre seres humanos não vão embora, se as pessoas acreditarem que elas são verdade. Porque se as pessoas acreditam que são verdade, elas criam maneiras de viver e instituições que são consistentes com essas ideias falsas.
Foi assim que a Revolução Industrial criou um sistema de fábricas no qual não havia nada que você pudesse obter do seu dia de trabalho, exceto o pagamento no final do dia. Porque um dos pais da Revolução Industrial, Adam Smith, estava convencido de que os seres humanos eram preguiçosos por natureza e não fariam nada, a não ser que valesse a pena. E a maneira que se fazia com que valesse a pena era incentivando, dando recompensas. Essa era a única razão que alguém faria alguma coisa. Então, criamos um sistema de fábricas consistente com uma falsa visão da natureza humana. Mas assim que aquele sistema de produção foi instaurado, não havia realmente outro jeito das pessoas funcionarem, exceto da maneira que era consistente com a visão do Adam Smith. O trabalho é só um exemplo de como falsas ideias podem criar uma circunstância que acaba tornando-as verdadeiras.
Não é verdade que “não se consegue mais boa ajuda”. É verdade que “não se consegue mais boa ajuda” quando se dá para as pessoas trabalhos que são humilhantes e desalmados. E mais interessante, Adam Smith, o mesmo cara que nos deu essa incrível invenção da produção em massa e divisão de trabalho, entendeu isso. Ele disse, sobre homens que trabalhavam nas linhas de montagem: “Ele geralmente se torna tão estúpido quanto um ser humano pode se tornar”. Agora, observem a palavra “tornar-se”. “Ele geralmente se torna tão estúpido quanto um ser humano pode se tornar”. Tenha ele planejado ou não, o que Adam Smith estava nos dizendo é que, a estrutura da instituição na qual as pessoas trabalham, cria pessoas que são aptas às demandas daquela instituição, e priva as pessoas da oportunidade de sentir satisfação pelo seu trabalho, algo que nós consideramos normal.
O que acontece com as ciências naturais, é que podemos arquitetar fantásticas teorias sobre o cosmos e ter total confiança de que o cosmos é completamente indiferente às nossas teorias. Vai funcionar do mesmo jeito, não importa quais teorias temos sobre o cosmos. Mas temos que nos preocupar com as teorias sobre a natureza humana, porque a natureza humana será alterada pelas teorias que temos que são elaboradas para explicar e nos ajudar a entender os seres humanos.
O ilustre antropologista Clifford Geertz disse, anos atrás, que seres humanos são “animais inacabados”. E o que ele quis dizer foi que é da natureza humana ter uma natureza humana, a qual é praticamente o produto da sociedade em que as pessoas vivem. Essa natureza humana, ou seja, nossa natureza humana, é muito mais criada do que é descoberta. Nós moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais pessoas vivem e trabalham.
Então vocês, certamente o mais perto que chegarei de estar com mestres do universo, vocês deveriam estar se perguntando uma coisa, quando forem embora para casa, para administrarem suas empresas. Que tipo de natureza humana vocês querem ajudar a moldar?
Obrigado.
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/286829/O-verdadeiro-sentido-do-trabalho-Certamente-n