SÃO TODOS OS CRISTÃOS,
católicos ou protestantes?
Por acaso os reformadores
restauraram uma igreja bíblica?
Os reformadores promoveram a liberdade de religião?
Os reformadores promoveram a liberdade de religião?
Nota: Esclarecemos que quando
usamos a expressão “Igreja” (com a letra “I” maiúscula) nesta obra, nos
referimos a Igreja institucional, ou seja, nos referimos aos impressionantes
(aos olhos humanos) corpos de cristãos professos. Até que ponto a Igreja
institucional coincide com a pura e indefesa “igreja” (com a letra “i”
minúscula), isso nós deixaremos nas mãos de Jesus.
O título deste livro pode
parecer estranho a um leitor que tenha a opinião comum, mas, errônea , de que
somente existem dois tipos de cristãos: os protestantes e os católicos. A
principio, a expressão “protestante” se aplicou a um grupo de príncipes alemães
dos primeiros anos do século XVI que quiseram resolver os assuntos religiosos
deseus próprios territórios da maneira que fosse mais conveniente e sem nenhuma
interferência de Roma ou de qualquer outra autoridade superior. Quando o
imperador negou-lhes este direito, eles protestaram e insistiram em converter a
igreja que estava nos seus territórios, em um departamento dogoverno. Devido ao
fato de que a maioria destes príncipes professavam “a doutrina reformada” ( ou
seja, eles estavam a favor dos ensinos de Lutero e de Calvino, diferentes dos
ensinos da Igreja Católica Romana ), o nome aplicado a eles ( “protestantes”)
chegou a ser aplicado geralmente ao partido e ao programa dos famosos
reformadores. No entanto, muitas igrejas evangélicas na atualidade rejeitam o
nome de “protestantes” e não desejam ter nenhuma relação com este nome.
De fato, muitos cristãos
piedosos que viveram durante a época dos reformadores, não só rejeitaram o
nome, mas, também repudiaram muitos dos ensinos dos próprios reformadores
famosos! Seria oportuno então perguntar-nos: Por que eles se negaram a
identificar-se com o movimento protestante ? Podemos encontrar a resposta a
esta pergunta num estudo breve da história da igreja.
Para compreender por que os
anabatistas se negaram a identificar-se com o protestantismo, nós devemos
compreender os problemas que estavam por detrás de todo o movimento da Reforma
do século XVI.
A Igreja Católica se encontrava
numa condição muito decadente. Ela tolerava muitos abusos não bíblicos e
inclusive os defendiam dogmaticamente por meio de seus sacerdotes e papas. Ao
examinarmos de forma minuciosa o panorama da época, encontramos oito violações
flagrantes da escritura que pediam a gritos para serem corrigidas:
1. O sistema das indulgências. A
Igreja Católica afirmava ter o direito de eximir as pessoas do castigo de seus
pecados e inclusive de libertar os seus entes queridos dos fortes castigos do
“purgatório”, se eles fizessem certo “sacrifício” (que em geral era o pagamento
de alguma soma de dinheiro por um certificado de indulgência emitido pela
Igreja). Esta prática se fez tão corrupta que até incluía uma licença prévia
para pecar em troca de uma soma de dinheiro.
2. O sistema de penitência, a confissão e as boas obras meritórias. Era
ensinado aos católicos que a Igreja podia perdoar os pecados se as pessoas os
confessassem a um sacerdote e logo cumprissem com as penitências que lhes
fossem indicadas, tais como jejuar por um período de tempo ou dar dinheiro aos
pobres.
3. A adoração dos santos, de Maria e das imagens ou relíquias. Era
ensinado às pessoas comuns que elas poderiam assegurar-se da intercessão com
Deus por meio da reza e da petição à Maria e aos santos, assim como, que Deus
se agradava da veneração das imagens, das relíquias (recordações dos santos
mortos) e das rezas pelos mortos.
4. A magia sacramental. A Igreja ensinava que as
águas do batismo devidamente administradas, faziam nascer de novo as crianças
(e que uma criança que morresse sem semelhante tratamento, nunca poderia ver a
Deus) e que o pão e o vinho da comunhão, eram realmente o corpo e o sangue de
Cristo, em lugar de ser simplesmente símbolos para recordarmos o seu
sacrifício.
5. O monaquismo, o celibato e o ascetismo. A Igreja
apoiava um duplo padrão de vida cristã: um padrão muito estrito para os monges,
sacerdotes e monjas e outro padrão muito menos exigente para os leigos, devido
a teoria de que somente uns poucos eram chamados para ser discípulos e que por
meio de suas vidas piedosas, eles poderiam expiar os pecados dos membros
comuns. Este sistema desenvolveu muitos abusos imorais.
6. O sistema sacerdotal, que sustentava que os bispos e
papas tinham a autoridade de interpretar e anular a autoridade das escrituras.
Isto trouxe como resultado o auge de uma hierarquia “infalível”, ou seja, uma
máquina eclesiástica que inventava as suas próprias leis e definia como “herege”
a todos os dissidentes, convertendo o sacerdote em intercessor entre Deus e o
homem, tirando isto de Jesus ou tornando-o acessível somente por meio do
serviço do sacerdote.
7. O uso de violência física nos assuntos religiosos. A
Igreja Católica impunha a força ao torturar, encarcerar, perseguir e fazer com
que o estado matasse ou exilasse aquelas pessoas cujas consciências e fé não
estivavam em conformidade com Roma.
8. Uma Igreja das massas. Todo aquele que fosse
batizado sendo criança, era automaticamente um membro, sem tomar em conta se
era nascido de novo e se vivia ou não a vida cristã. Os membros da Igreja
consistiam em toda a população do estado.
Estas oito violações flagrantes
da escritura, constituíam o problema fundamental que enfrentava qualquer
reforma. Qualquer reformador teria que enfrentar a cada um destes oito aspectos
e restaurar a Igreja à verdade bíblica em cada área de corrupção.
Por último, mas, não para ser
passado por alto, estava a posição econômica esocial da Igreja na sociedade
medieval: a Igreja era dona de mais de um terço de todos os bens naturais na
Europa e cobrava um tributo anual obrigatório de cada pessoa, quer fosse uma
pessoa de posição ou não, processando assim, para Roma, enormes somas de
dinheiro de todos os países. As homenagens políticas e os impostos eram
exigidos dos reis e dos príncipes sob a ameaça de excomunhão e de revolução,
sendo que a Igreja mantinha as suas forças militares bem armadas e inclusive
contratava exércitos para fazer cumprir as suas decisões. A Igreja dirigia
“cruzadas” contra os governantes desobedientes, “os hereges” e contra os países
pagãos que pareciam maduros para a conquista e o saque. A Igreja era um super
estado que tinha em seu poder, tanto os grandes como os insignificantes governantesda
Europa.
A medida que o nacionalismo
começou a desenvolver-se, os governantes e os membros da nobreza queixavam-se
mais e mais do super poder nacional e internacional e da interferência
imperialista da Igreja e começaram a desejar coisas tais como: os impostos que
saiam de suas terras para Roma, nomear seus próprios membros do clero(que
obedeceriam diretamente a seus reis e príncipes, no lugar de obedecer a Roma) e
confiscar e saquear as grandes propriedades da Igreja (para “nacionalizá-las”
do mesmo modo como os negócios estrangeiros são geralmente “nacionalizados”
hoje nos países latino-americanos). Uma verdadeira reforma teria que ser aquela
que não somente corrigisse os abusosreligiosos, mas também, que destruísse o
poder de Roma (ou de qualquer outra Igreja), de interferir nos assuntos
internos de qualquer nação. As condiçõesestavam no ponto para a revolução e
para a mudança. Tudo o que faltava era um líder religioso que providenciasse a
“teologia” para a nacionalização e que se apossasse do entusiasmo popular.
Semelhante líder logo apareceria.
Martinho Lutero começou a sua
carreira na reforma, sem ao menos aperceber-sedas enormes conseqüências de seus
atos. Pode-se determinar quatro períodos em sua vida e obra:
1. O Lutero jovem e liberal que se pronunciou pela
liberdade e monopolizou a atenção popular pela sua posição valente a favor da
liberdade de consciência contra a escravidão e a coação papal.
2. O Lutero posterior, desiludido pela onda de revolução
econômica e social e pelo auge do fanatismo religioso radical; o Lutero que
vacilou entre duas opiniões: se fundar uma igreja composta somente de nascidos
de novo ou se simplesmente tratar de manter intacto o tecido da sociedade
medieval por meio de outra Igreja das massas, a qual seria controlada por
umpríncipe no lugar do papa.
3. O Lutero adaptável, desalentado pela propagação do
fanatismo e da revolução econômica, que adaptou as necessidade da sua Igreja às
exigências políticas, sacrificando a consciência pela conveniência, ganhando a
amizade dos príncipes e dos membros da nobreza e falando severamente contra os
camponeses rebeldes.
4. O Lutero socialmente conservador que “conferiu ao
príncipe piedoso e ao poder civil, aquela autoridade que anteriormente havia
reclamado a Igreja de Roma”.[1] Toda nossa simpatia pertence ao jovem Lutero
que queimou a bula papal de excomunhão e o livro da lei canônica, repudiando
assim o sistema papal no seu conjunto com toda a autoridade feita pela mão do
homem, o jovem Lutero que disse: “Aqui estou. Não posso fazer nada mais, já que
nem é seguroe nem correto ir contra a consciência. Ajude-me Deus.” Lutero
esperavamorrer como um mártir. No entanto, ele ia viver e mudar, para com o
tempo, sugerir que outros homens deviam ser executados por causa de suas
consciências.
A vida e a obra de Lutero é
similar em muitos aspectos a de outros grandes reformadores que começaram bem,
clamando: “De volta à Bíblia,” mas que logo se deram conta que muito mais que a
opinião religiosa estava em jogo em uma reforma radical. Um atrás do outro,
gradualmente, foram comprometendo-se, inclinando-se mais e mais para os
próprios interesses nacionalistas dos reis e príncipes e dos conselhos da
cidade que desejavam livrar-se do jugo político e econômico da interferência
papal. Examinemos cada uma das oitos flagrantes violações católicas da
escritura e vejamos como os reformadores protestantes trataram cada uma delas.
Todos os reformadores famosos
aboliram o sistema papal das indulgências, enfrentando atrevidamente e com
valentia, o primeiro grande abuso. Eles deram ênfase no ensino da Bíblia de que
nenhuma Igreja tem o poder de conceder uma “indulgência” para diminuir ou
perdoar o castigo pelo pecado cometido ou de ajudar de qualquer maneira aos já
falecidos e condenados. No entanto, lamentavelmente, a ênfase dos reformadores
protestantes em sola fide (a salvação por meio da fé somente; “só crê “), em
geral foi entendido e praticado como um tipo de “indulgência protestante” para
pecar. O resultado foi que um sistema de indulgências foi abolido somente para
ser substituído por outro.
Um teólogo luterano moderno,
Dietrich Bonhoeffer, escreveu sobre este resultado lamentável e usa as
seguintes palavras, chamando a esta “indulgência protestante” para pecar, pelo
nome de “graça barata”: A graça barata é a justificação do pecado sem a justificação
do pecador. A graça faz tudo, dizem eles e, portanto, tudo pode ficar como
estava antes.(...) O mundo continua na mesma forma antiga e nós ainda somos
pecadores, “inclusive aquele que vive melhor”, como disse Lutero. Então, pois,
que o cristão viva como faz o resto do mundo, que se guiem pelos padrões do
mundo em cada esfera da vida e que não presuma que viverá uma vida diferente
debaixo da graça, daquela que foi a sua antiga vida debaixo do pecado. Essa foi
a heresia dos entusiastas anabatistas ou osde sua classe(...) A graça barata é
a pregação do perdão sem requerer o arrependimento, o batismo sem a disciplina
da igreja, a comunhão sem a confissão, a absolvição sem a contrição. A graça
barata é a graça sem o discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo,
vivente e encarnado [no crente](...) Nós, os luteranos, nos ajuntamos como
águias ao redor do cadáver da graça barata e ali tomamos o veneno que tem
matado a vida do seguidor de Cristo.
É certo, com certeza, que
pagamos a doutrina pura da graça divina, uma honra que não tem paralelos no
cristianismo. Na realidade,nós temos exaltado tal doutrina até o mesmo nível de
Deus. Aonde quer que fosse, a fórmula de Lutero era repetida, mas a sua verdade
foi pervertida emum auto engano. Enquanto nossa Igreja mantiver a doutrina da
justificação, não haverá dúvidas de que ela seja uma Igreja justificada! Isso
foi o que eles disseram, pensando que devemos vindicar a nossa herança luterana
ao fazer com que esta graça esteja ao alcance na forma mais barata e nos
términos mais fáceis.
Ser “luterano” deve significar
que deixamos 'o seguir a Cristo, aos que crêem na lei absoluta de Deus, aos
calvinistas e aos anabatistas'... e tudo isto pela graça. Nos justificamos ao
mundo e condenamos como hereges a aqueles que trataram de seguir a Cristo. O
resultado foi que uma nação se converteu em cristã e luterana, mas, ao custo do
verdadeiro discipulado. O preço ao qual estava chamado a pagar foi muito
barato. A graça barata havia ganhado.[2] Estas palavras tão alarmantes não são
de um adversário de Lutero, mas, é a confissão sincera de um teólogo luterano
moderno que vê o colapso de semelhante protestantismo vazio na Alemanha
nazista, onde a grande maioria dos membros da Igreja apostataram por seguir um
ditador moderno anticristão, demonstrando que o cristianismo alemão era somente
superficial.Não obstante, não passaram quatrocentos anos antes que alguém se
desse conta deste tipo de cristianismo superficial. Os anabatistas,
contemporâneosde Lutero, imediatamente se aperceberam da falácia desta doutrina
de “só crê “. Nos escritos dos anabatistas, podemos ler numerosas expressões
tais como a seguinte, escrita por Menno Simons (um antigo líder anabatista):
Eles [os reformadores] consolam
as pessoas com o ensino de que Cristo pagou pelos nossos pecados, que só a fé
deve ocupar a nossa atenção, que somos pobres pecadores e não podemos guardar
os mandamentos de Deus. Estes e outros consolos similares fazem com que todos,
de maneira egoísta, busquem aliberdade da carne por meio da nova doutrina. Eles
permanecem no caminho antigo e corrupto do pecado, numa vida sem mudanças, sem
nenhum temor de Deus, como se nunca em suas vidas eles tivessem escutado uma
sílaba da palavra do Senhor e como se Deus não castigasse a maldade e a injustiça.[3]
Em geral, os estudiosos
concordam que um dos frutos da Reforma foi uma decadência inegável na
moralidade de toda Europa onde quer que a doutrina de “ só crê “ tenha se
difundido entre as pessoas comuns. Menno Simons observou esta total
deterioração moral, com tristeza e indignação: No entanto, por meio da pregação
de seu evangelho comprometedor, semelhante liberdade desordenada e imprudente é
tão evidente em toda Alemanha que não se pode admoestá-los pela sua franca
falta de pudor, intemperança, blasfêmias e juramentos, luxúria e palavras
grosseiras sem ser obrigado a escutar que és um separatista, vagabundo,
fanático, uma pessoa que crê que pode salvar-se por suas próprias boas obras,
anabatista e outros términos de reprovação e insulto.[4]
Ao analisar o segundo abuso
evidente do catolicismo, uma vez mais nos regozijamos ao ver que a princípio os
reformadores famosos rejeitavam completamente o sistema não bíblico da
penitência, a confissão e as obras meritórias como uma expiação pelo pecado. No
entanto, logo também se faz evidente, a medida que estudamos seus escritos e as
práticas de seus seguidores, e ainda que eles aboliram as boas obras como
meritórias ou capazes de expiar o pecado, nem sempre deixaram clara a verdade
das boas obras como resultado da salvação e de permanecer em Cristo. Lutero
substituiu a penitência por um conceito pessimista quase doentio de pecado
contínuo e arrependimento contínuo. Os anabatistas também rejeitaram este
conceito ao considerá-lo uma doutrina imoral, e ainda que ensinassem claramente
a necessidade contínua do arrependimento e da humildade diante de Deus, eles
não hesitaram em supor que era possível viver a vida cristã e que também era
possível para o crente nascido de novo obedecer aos mandamentos de Deus e ser
agradável diante dos olhos de Deus por meio de umaobediência como a de uma
criança (veja 1ª João 3:22)
Um de seus versículos favoritos
era 1ª Pedro 3:21, o qual fala do batismo como “a indagação de uma boa
consciência para com Deus”. Um de seus tratados mais belos, Dois tipos de
obediência, enfatizava o fato de que na realidade existe uma obediência
legalista que é servil, mas também existe a obediênciafilial de um verdadeiro
filho de Deus nascido de novo, para aquele que guardasse os mandamentos de
Deus, que não eram pesados, mas sim, uma expressão de amor para o Pai. (João
15:10-11; 1ª João 5:3). No lugar do conceito protestante do pecado contínuo e
do arrependimento contínuo, os anabatistas enfatizavam o fato do poder de Deus
que guarda, e a necessidadedo discípulo nascido de novo de entregar-se à Deus e
de sempre estar disposto a confessar e afastar-se do pecado quando falhar. A
medida que vemos estas coisas na história da igreja, lembramos uma vez mais que
destruir ou abolir uma falsa doutrina não é o suficiente; também temos que
assegurarmos a restauração da verdadeira doutrina bíblica. Ao evitar tanto
olegalismo como o perfeccionismo radical e altivo, os anabatistas insistiram na
obediência como a de uma criança nas vidas dos discípulos nascidos de novo e não
adotaram a opinião doentemente pessimista que sustentavam muitos dos
reformadores.
Se uma só palavra pudesse
resumir a devoção e a prática dos primeiros anabatistas, nós deveríamos
escolher a palavra “discipulado”. Seu conceito de discipulado incluía uma resignação
agradável e prazerosa da alma para Deus em perfeito descanso e tranqüilidade de
coração, mesmo quandoo mundo estivesse proferindo abusos, insultos,
perseguições e ameaças. Esta resignação é completamente diferente da resignação
amarga de desespero que se deriva de uma entrega imprudente à doutrina do “só
crê “, omitindo-se do pecado que caracterizava uma grande parte da devoção e
prática protestante. O discipulado para os anabatistas incluía esse prazer
profundo e agradável da alma que descansa em Cristo, submetido com prazer e em
paz como estando em um mar profundo de calma, quando existia por todas
aspartes, tribulação, sofrimento, rejeição e calúnia. A isto se referiu nosso
Senhor em João 16:22 e 33 : “E a vossa alegria ninguém vo-la tirará,” e, “Para
que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci
o mundo.”
É a experiência preciosa de
permanecer no Cristo e Cristo permanecer no crente, um vinculo de amor
imperturbável pelas circunstâncias externas. Ao considerar a terceira área dos
abusos católicos, o sistema de adoração desantos, as imagens e de Maria, nos
alegramos ao ver que os reformadores famosos rejeitaram todos estes abusos e
inclusive destruiram , com grande zelo, as imagens, os vitrais coloridos de
vidro, as pinturas, os altares e as estátuas. Zwinglio, Knox e Calvino foram
especialmente zelosos com este tipo de icnoclasia. Eles expulsaram das igrejas
todas as “ajudas estéticas para adorar”; lançaram fora os instrumentos
musicais, os coros e os ornamentos. No entanto, Lutero não foi tão longe, mas,
reteve muitas coisas da cerimônia da missa; as velas, os órgãos e muitos outros
artigos da adoração católica.
Uma mudança bastante
circunscrita, limitada, teve lugar nesta área, ainda que posteriormente John
Wesley tenha colocado em juízo a reforma incompleta na Inglaterra, acusando o
mundanismo e o nacionalismo dos protestantes da seguinte forma : Por acaso,
vocês estão mais livres da idolatria do que os papistas ? Na realidade, pode
ser que a idolatria de vocês se manifeste de forma diferente. Não obstante,
quão pouco isto ajuda! Eles colocam seus ídolos emsuas igrejas; vocês colocam
os seus ídolos em seus corações. Os ídolos deles estão somente cobertos com
ouro e prata, mas os seus, são de ouro maciço. Eles adoram o retrato da rainha
do céu e vocês adoraram o retrato da rainha ou do rei da Inglaterra.
Por outro lado, eles idolatram
a um homem ou a uma mulher falecidos, enquanto que o vosso ídolo ainda está
vivo. Óh, quão pequena é a diferença na presença de Deus! Quão pequena
preeminência tem o adorador de dinheiro em Londres sobre o adorador de imagens
em Roma, ou aquele que idolatra um pecador vivo sobre aquele que ora a um santo
falecido.[5]
Enquanto Lutero e muitos dos
protestantes seguiram o princípio de rejeitar somente aquelas coisas que
especificamente eram contrárias à escritura, os anabatistas, em geral, seguiram
o princípio de rejeitar tudo o que não se mandava especificamente nas
escrituras. Este princípio não quer dizer que eles acreditavam que a igreja não
tinha o direito de fazer aplicações bíblicas, mas, simplesmente que a igreja
não tem o direito de introduzir práticas alheias e desnecessárias que não
tenham fundamento bíblico. É lamentável ver o quão facilmente as massas
denominadas protestantes, mudaram da adoração dos santos para a adoração de
heróis, príncipes e a outros heróis nacionais. Isto também é idolatria, como
Wesley destaca na citação anterior.
Não podemos subestimar a
influência massificada do nacionalismo carnal na formação da Reforma
protestante num país após outro. Num país como a Inglaterra, onde o reformador
foi o vil e imoral Henrique VIII, adúltero, bêbado e tirano, a Reforma tomou as
dimensões de um simples saque nacionalista das riquezas e propriedades da
Igreja Católica. Voltando ao quarto grande erro católico, ou seja, ao que se
refere a magia sacramental, o ensino de que Deus deu sua graça regeneradora
somente nas águas batismais administradas pelo sacerdote (em geral às crianças)
e que Cristo realmente estava presente no pão e no vinho da ceia do Senhor, nos
desalenta saber que nenhum dos reformadores famosos repudiou o batismo de
crianças nem a regeneração batismal. Quase todos eles em certo momento de sua
carreira, questionaram a prática, mas, um após o outro, decidiu que seria
necessário reter esta doutrina e prática não bíblica.
A explicação que davam para
isto é que se o batismo de crianças fosse rejeitado e somente os crentes fossem
admitidos ao batismo a partir da sua confissão voluntária de fé, então, isto
resultaria numa igreja muito pequena. Se os membros fossem puramente
voluntários, então, poucas pessoas se uniriam à igreja; haveria somente uns
poucos cristãos e a sociedade despencaria. Isto foi o que os reformadores
deveriam ter pensado. Eles optaram por uma igreja das massas, na qual todos os
nascidos no país eram batizados e automaticamente convertidos em “cristãos”.
Sabendo que as crianças não podem ter fé, então, esta era uma decisão muito
pobre segundo aescritura, mas era uma decisão tomada por conveniência política
e social.
Domesmo modo, quanto aos
emblemas da comunhão, somente uma minoria dos reformadores optou contra a idéia
de que Cristo estivesse fisicamente presente e Lutero insistiu fervorosamente
que os emblemas eram realmente Cristo. Assim, a Igreja consistia daqueles que
estavam batizados como crianças, dos que estavam de acordo com a teologia dos
reformadores (“só crê”) e dos que comiam e bebiam a “Cristo” ao celebrar a
santa ceia. Os anabatistas rejeitaram completamente qualquer batismo que não
fosse o batismo sobre a confissão de fé e se negaram a considerar os emblemas
da santa ceia como algo a mais do que apenas emblemas. De modo que os
anabatistas repudiavam a magia cerimonial, enquanto que os protestantes estavam
confundidos e divididos no assunto. Muitos deles acreditavam que Deus realmente
concedia a graça somente por meio do sacramento e mediante a pregação correta
da doutrina do “só crê”.
Em quinto lugar, devemos
considerar se os reformadores reformaram ou não as instituições católicas
romanas do monaquismo, do celibato e do ascetismo. Ainda que atualmente certos
setores do protestantismo tem revivido o monaquismo e o celibato como vocações
especiais para uma minoria especial, de modo geral os reformadores simplesmente
deixaram de dar ênfase num padrãoestrito para os eleitos junto à um padrão
pouco exigente para as massas e o substituíram por um padrão pouco exigente
para todos, conduzindo assim a umadeterioração moral generalizada que já
tínhamos notado nas palavras de Menno Simons citadas anteriormente.
Na realidade, não ajudou muito
a causa de Cristo o fato de destruir o duplo padrão para em seguida,
substituí-lo por algo que não era mais do que uma rejeição geral das leis
absolutas de Deus. Os anabatistas rejeitaram tanto oduplo padrão do catolicismo
como o mundanismo contraditório do protestantismo e restauraram um padrão
completamente bíblico do discipulado para todos os filhos de Deus nascidos de
novo. Onde os homens relaxaram os altos e sagrados padrões do Novo Testamento,
ensinando que os mesmo não se aplicam a todos os membros da igreja, então, se
perde inevitavelmente a disciplina e quando se perde a disciplina, também se
perde o discipulado, o senhorio de Cristo e finalmente a própria salvação.
Ao considerar o sexto grande
abuso católico, ou seja, aquele referente ao clericalismo e a autoridade dos
papas, dos bispos e dos conselhos, somos encorajados pelo clamor dos
reformadores de, “de volta à Bíblia”. No entanto, ao examinar os fatos, sua
verdadeira piedade e prática, nos desanimamos ao descobrir novamente uma
traição da causa da verdadeira reforma. Ainda que uma das afirmações dos
reformadores era o conceito do sacerdócio de todos os crentes, o certo é que
eles definitivamente proibiramque alguém pregasse e testemunhasse se não fosse
ordenado pelo máquina política e eclesiástica oficial. Algumas vezes Lutero
atacou os pregadores “não autorizados” dos anabatistas, a quem ele com desprezo
chamou de “ pregadores dos valados”. Geralmente se fala que os reformadores
introduziram a liberdade religiosa, mas os fatos demonstram que isto estava
longe da verdade. Eles perseguiam a todos os que não estivessem de acordo com
eles. Lutero, inclusive, insultava a outros reformadores que não estavamde
acordo com ele. O historiador protestante, Hallam, reflete o conceito dos
estudiosos imparciais quando escreve de Lutero:
Um dogmatismo desenfreado,
baseado em uma confiança praticamente absoluta nainfalibilidade do seu próprio
conceito, caracteriza os seus escritos. Não semostra indulgência alguma. Não há
lugar para incerteza, e qualquer coisa que se oponha a suas decisões (os padres
da igreja, os estudantes e filósofos, os cônegos e os conselhos) é varrida numa
série de declarações impetuosas. E tendo em conta que todo o conteúdo da
escritura, segundo Lutero, é de fácil compreensão podendo entendê-lo com
prudência, então qualquer desvio da sua doutrina, incorre no anátema da
perdição. Numerosas passagens dos escritos de Lutero, mais do que insinuam que
os seguidores de Zwinglio, assim como toda a Igreja de Roma e os anabatistas,
foram excluídos da salvação porque não acreditavam na doutrina correta.[6]
Outro estudioso, John L. Stoddard, foi forçado a chegar na mesma conclusão
devido aos preocupantes fatos na vida e nos escritos de Lutero.
É muito comum dizer que Lutero
inaugurou o direito à livre investigação. Nada está mais longe da verdade. Ele
falou à respeito disso como uma razão para abandonar as tradições da Igreja,
mas fez todo o possível para trazer uma completa sujeição à irrefutável Bíblia
da forma como ele a interpretou.De modo que ele instituiu um Papa na página
escrita, no lugar de um Papa de carne e sangue. Além disso, visto que ele
constituiu a sí mesmo como o intérprete autoritário da Bíblia, ele praticamente
proclamou-se infalível. Um dos contemporâneos de Lutero, Sebastian Frank,
escreveu com um tom triste: “Até mesmo debaixo do domínio papal, tinha-se mais
liberdade do que agora”.[7] Esta intolerância tirânica tampouco limitou-se a
Lutero.
Todos os reformadores famosos a
exibiram, desde João Calvino, que fez queimar na fogueira a Servet (seu
adversário teológico) até Ulrico Zwinglio, que obrigou o seu antigo amigo
Hubmeyer, a renunciar a sua doutrina e a sua firmeza de consciência debaixo de
tortura e ameaça de morte. Distante de restaurar o sacerdócio de todos os
crentes e instituir uma nova liberdade religiosa, todos os reformadores famosos
trataram de impor as suas próprias interpretações por meio da força e por
intimidar os seus adversários mediante ameaças para que guardassem silêncio. Esta
situação desafortunada trouxe como resultado, grandes ondas de perseguição e
guerras civis devastadoras.
Finalmente, depois de tanta
confusão e derramamento de sangue, se fez um esforço para conseguir certa paz
por meio de um acordo. Adotou-se o princípio cujus regio, ejus religio (cada
governante pode estabelecer sua própria religião), segundo a qual, a religião
do governante converter-se-ia na religião oficial do seu território. “A
liberdade de consciência”, diz a Enciclopédia Britânica, “ficou assim estabelecida
somente para os príncipes e seu poder tornou-se supremo tanto na religião como
nos assuntos seculares”.[8]
Este foi um princípio pouco
animador que simplesmente deu ao crescente nacionalismo a sua carta de
supremacia e assentou as bases para aquela espécie de estadismototalitário e
absoluto, que inclusive, na atualidade está dando frutos prejudiciais. Debaixo
dos católicos, os governantes tremiam diante da possibilidade da crítica e da
interferência da Igreja, mas, a Reforma transformou os governantes nos chefes
das Igrejas em suas próprias terras, etoda crítica foi silenciada. No entanto,
os anabatistas não só acreditaram no sacerdócio de todos os crentes, mas também
o praticaram com coragem, e se presumia que cada membro testemunhasse do amor e
do senhorio de Cristo e contra o pecado. Por conseguinte, eles foram acusados
de traição, atividade subversiva e heresia. Foram quase aniquilados em
perseguições sangrentas ordenadas pelos governantes que patrocinavam uma Igreja
submissa ao estado...mas que não tolerava uma corajosa igreja dos profetas de
Deus. Elestiveram o mesmo destino que teve João, o Batista, antes deles e pela
mesma razão.
O sétimo grande erro católico
era o sistema do uso do poder, da violência e da imposição contra os que não
estavam de acordo com Roma em termos religiosos. Os reformadores famosos não
fizeram nenhum esforço para eliminareste terrível princípio anticristão. Mas,
ao contrário, eles o exploravam aomáximo. Um historiador batista contemporâneo
narrou os fatos de maneira resumida : Todos os reformadores proeminentes, que
tão heroicamente libertaram a igrejada Igreja Católica Romana e do Papa,
impuseram às pessoas uma Igreja oficialde estado aonde quer que eles fossem, e
a verdadeira igreja local soberana do Novo Testamento que estava a favor de uma
liberdade religiosa absoluta, foi perseguida por estas Igrejas de estado dos
reformadores. Isto se cumpriuem Lutero que impôs uma Igreja oficial de estado
na Alemanha; Zwinglio (...)na Suíça; João Knox (...) na Escócia; Henrique VIII
(...) na Inglaterra; [ eJoão Calvino em Genebra, cujo consistório, não foi mais
que uma inquisição atrevida ]. Todos eles se transformaram em perseguidores
como foi Roma antes deles![9]
Não se pode negar que isto é
uma realidade histórica, mesmo que muitos do que prestam culto aos heróis
Protestantes, de uma forma ou de outra, tem tratado de justificar aos
reformadores das Igrejas oficiais do estado, livrando-os da culpa destas
perseguições e do derramamento de sangue. Uma das desculpas mais comuns é que
foi uma época difícil e brutal e que todos agiram da mesma maneira. Em 1950 foi
publicado na Suíça um livro com o título Christianity and Fear (“O Cristianismo
e o temor”) no qual o autor, Óscar Pfister, analisa com detalhes os crimes dos
reformadores. Com relação a Calvino, ele escreve a seguinte avaliação que se
aplica a todos eles:
Um estudo do período [da
Reforma] revela que muitos eruditos da época, homens com seguidores que em
muitos casos ascenderam a muitos milhares, se opuseram zelosamente as perseguições
dos “hereges” e, em nome do evangelho, exigiram um tratamento piedoso.
[Proeminentes entre eles estavam] (...) os anabatistas. Calvino conheceu a
maioria destes homens eloqüentes, inspirados pelo amor, mas, a oposição deles
quanto a perseguição dos hereges, não causou a menor impressão nele. Portanto,
deve-se por um fim na antiga mentira de que as crueldades de Calvino se
justificam devido ao ânimoda época. E nos assombramos com a grande falta de
lógica do lógico [Calvino], cuja indignação cresceu contra a perseguição dos
protestantes nospaíses católicos e que, no entanto, se mostrou tão desapiedado
com os supostos hereges.[10]
Os anabatistas protestaram
contra esta atividade anticristã dos reformadoresfamosos, mas de nada serviu.
Menno Simons escreveu sobre esta sangrenta crueldade por meio da qual, milhares
de anabatistas foram executados pelas Igrejas protestantes do estado. Observem,
queridos irmãos, o quanto o mundo inteiro se afastou de Deus e de sua palavra
(...) quão brutalmente eles perseguem, difamam e destroem a verdade da salvação
eterna e o evangelho puro e sem mancha de nosso Senhor Jesus Cristo, assim como
a vida devota e piedosa dos santos. E isto, não fazem somente os papistas e os
turcos, mas também em grande parte aqueles que presumiam da palavra de Deus,
ainda que em seus primeiros escritos eles tivessem muito o que dizer com
relação à fé, que é o dom de Deus e pode surgir nos corações dos homens somente
por meio da palavra, sendo uma aceitação de coração e da vontade.
Mas este princípio durante
alguns anos tem sido novamente desprezado pelos teólogos e, em minha opinião,
tem sido apagado de seus livros. Já que os senhores e os príncipes, as cidades
e os países identificam a si mesmos com sua doutrina carnal, eles tem publicado
muito a opinião contrária, a qual é muito evidente em seus próprios escritos. E
através de suas publicações provocadoras e sermões, eles entregam nas mãos do
carrasco a muitos corações piedosos e temerosos à Deus que os contradizem, os
repreendem e os admoestam com a clara palavra de Deuse os fazem ver os
verdadeiros fundamentos da santa palavra, ou seja, a poderosa fé que opera por
meio do amor, a nova vida penitente, a obediência à Deus e a Cristo e as
verdadeiras ordenanças evangélicas do batismo, a ceiado Senhor e a disciplina,
da maneira como o próprio Jesus Cristo as instituiu e as mandou e seus santos
apóstolos as ensinaram e praticaram.
Sim, todos os que por amor
insistem nisto, devem ser acusados de anabatistas, agitadores, sediciosos e
hereges. Todos os piedosos podem esperar isto da parte deles. No entanto, todos
e cada um deles, sejam senhores, príncipes, pregadores, teólogos ou gente
comum, sejam papistas, luteranos ou seguidores de Zwinglio, desejam ser
chamados de congregação cristã, a santa igreja.[11] Poderíamos destacar duas
coisas em particular na passagem citada anteriormente : Em primeiro lugar,
Menno afirma que os anabatistas repreenderam e profetizaram contra os pecados
de seus perseguidores. Recordode ter lido sobre o julgamento de um anabatista
que compareceu na qualidade de acusado diante de seus juízes e de vários
pregadores da Igreja oficial doestado, um dos quais gritou: “Dieser Hermann hat
sich gegeben zu einer verdammten Sekte, die uns verdammt! (“Este homem
dedicou-se a uma seita maldita que nos maldiz.”)
Sem dúvida, a consciência dos
reformadores se declararam culpadas diante do testemunho corajoso dos
anabatistas. Em segundo lugar, devemos destacar que Menno observa uma mudança
nos próprios reformadores : se no princípio eles haviam sido valentes em suas
convicções de que a fé deveria ser voluntária, logo mudaram quando se deram
conta que eles necessitavam do apoio dos governantes se quisessem que sua
“reforma” fosse um “êxito”.
Esta observação não foi feita
somente por Menno Simons. Um estudiosos da história da Reforma, Harold J.
Grimm, da Universidade de Indiana, ao escrever em 1954, disse o seguinte :
Com razão, o ato valente de
Lutero em Worms tem sido considerado como um passo importante na história do
desenvolvimento da liberdade religiosa. Ele sustentou firmemente que as
autoridades, tanto da Igreja como do Império, tinham a obrigação de convencer a
um indivíduo quanto aos seus erros antes de condená-lo. Por outro lado, este
passo ainda estava muito longe de um individualismo religiosos completo e da
negação de autoridade. Esta posição apoiada pela história posterior do
reformador, mostra que ele acreditava firmemente que por meio de sua
experiência religiosa pessoal e do estudo, que havia chegado a verdade
religiosa absoluta, a qual não permitia nenhuma interpretação individual. Era
seu dever mostrar às autoridades esta verdade, e eles tinham a obrigação de defende-la.
Se o papado não o fizesse, ele se voltaria ao governo. Se o imperador se
negasse a fazê-lo, então, ele se voltaria aos senhores regionais.[12]
Lutero teve êxito nos seus
planos, talvez, em grande parte porque os senhores regionais estavam buscando
algum modo de evitar a interferência da Igreja Católica e receberam com
aprovação esta oportunidade de abraçar a causa da “ liberdade “, ao apoiar o
reformador. No entanto, quando os camponeses puseram em prática esta “
liberdade “ para si mesmos ao destituir os senhores regionais tirânicos e obter
a independência , Lutero se enfureceu contra eles : Porque se um homem é um
rebelde manifesto, cada homem será seu juiz e seu carrasco, assim como quando
um fogo começa, o primeiro a apagá-lo será o melhor (...) Portanto, todos os
que puderem devem golpear, assassinar e apunhalar, secreta ou abertamente,
lembrando que nada pode ser mais prejudicial, danoso ou diabólico do que um
rebelde.
É a mesma situação quando
alguém tem que matar um cão raivoso. Se não o golpear, ele golpeará à ti e a
todos os demais. (...) Que apunhale, golpeie e assassine quem quer que puder.
Se morreres nesta intenção, será bom para você! Nunca poderá ter uma morte mais
bendita do que esta, já que morrerá em obediência à palavra divina e ao
mandamento em Romanos 13, servindo em amor ao teu próximo a quem está
resgatando das garras do inferno e do diabo. Um rebelde não é digno de ser
respondido com argumentos, pois ele não os aceitam. A resposta para os lábios
deles deverá ser os punhos que arrancam o suor de seus narizes. Os camponeses
não escutarão. Eles não permitirão que ninguém lhes diga nada. Seus ouvidos
devem ser abertos com balas, até que suas cabeças se desprendamde seus ombros.
(...) Com os camponeses obstinados, insensíveis e cegos, queninguém tenha
misericórdia, mas que todos os que puderem, lhes golpeiem, apunhalem e matem
como se estivesse entre os cães raivosos, (...) para que a paz e a segurança
possam ser mantidas. (...) E não resta dúvida que estas são obras preciosas de
misericórdia, amor e bondade, já que na terra não há nada pior do que o
distúrbio, a insegurança, a opressão, a violência e a injustiça.[13]
Os escritos de Lutero sobre a
Guerra dos Camponeses estão cheios de expressões semelhantes às anteriores.
Quando nos seus últimos anos ele foi criticado por semelhante linguagem
violenta e por incitar os senhores regionais à uma matança desapiedada (eles
mataram mais de 100.000 camponeses), Lutero respondeu com um tom desafiante:
Fui eu, Martinho Lutero, quem matou a todos os camponeses na insurreição, jáque
fui eu quem ordenou que os matassem. Todo o seu sangue está sobre os meus
ombros. Mas, eu o lancei sobre nosso Senhor Deus que me mandou falar desta
maneira.[14]
Mais lamentável ainda foi que
Lutero reagiu com a mesma violência contra os anabatistas que trataram de
aplicar o princípio da “ liberdade “ para si mesmos. Mesmo sabendo que havia
tanto anabatistas não resistentes e inofensivos, como também grupos radicais de
revolucionários sociais, mas ele os condenou, a todos por igual, favorecendo
uma política de extermínio. Também poderíamos citar algumas de suas frases
violentas contra os judeus. Lutero, seguramente defendendo com os senhores
regionais, a alta corrente donacionalismo alemão, escreveu vários tratados anti-semitas
horríveis, advogando o saque, a matança e o exílio dos judeus, um projeto nunca
materializado até Hitler. Foi fundamentalmente o apoio do poder dos príncipes e
governantes, o que assegurou o “êxito “ do movimento de Lutero, como se
reconhece francamente na Enciclopédia Britânica, a qual diz:
Se não houvesse o interesse dos
príncipes alemães em impor seus princípios,ele nunca teria sido mais do que o
líder de uma seita mística insignificante. Além disso, ele não era estadista.
Ele foi perigosamente impetuoso em seu temperamento.[15] Os príncipes alemães
tinham um interesse consideravelmente egoísta em uma reforma que lhes
permitisse tirar de cima a interferência da Igreja para deixar de pagar dízimos
e impostos à Roma e para confiscar e saquear as ricas propriedade
eclesiásticas, granjas e monastérios da Igreja Católica. Em todos estes
exemplos da vida e escritos de Lutero, podemos ver um padrão que se repetiu na
carreira de cada um dos reformadores. Na verdade, nem todos eles foram tão
cruéis e francos como Lutero, mas todos seguiram uma política católica romana
em que se repetiu e não foi repudiada, a união ímpia da Igreja com o estado. Um
bispo metodista e estudioso da era moderna, R. W. Weaver, resume bem nossas
conclusões alarmantes sobre a relação entre a Igreja e o estado, assim como a
relação entre a Igreja e o nacionalismo como resultado da Reforma.
A mentalidade protestante é a
precursora da mentalidade nacionalista e é em grande medida a criadora do
padrão de pensamento dominante da era que segue,ou seja, o direito divino dos
reis. Lutero deu ao poder secular uma autoridade e dignidade quase, se não
completamente, divina : “A mão que empunha a espada não é uma mão humana, mas a
mão de Deus. É Deus, não o homem, quem enforca as pessoas e as tortura. É Deus
quem faz a guerra. “Não exageramos quando falamos que, ainda que a influência
de Lutero no campo da religião foi poderosa, a sua doutrina sobre o estado foi
mais poderosa nas terras protestantes do que suas doutrinas da graça, e iniciou
uma nova etapado antigo problema da relação do governo organizado com a
religião organizada.[16]
Antes da Reforma, os reis e
príncipes estavam sujeitos ao controle da Igreja, mas os reformadores
introduziram um novo raciocínio sobre o braço político da sociedade. Novamente
algumas palavras tomadas dos escritos de Lutero bastarão para mostrar a nova
atitude que rapidamente converteu o estado no grande poder centralizador e
converteu a Igreja em nada mais do que outro braço do governo, de modo que
rapidamente cada pequeno principado alemão tinha sua Igreja oficial, bem como,
tinha sua agência de correios e sua ópera de estado.
Como cristão, o homem tem que
sofrer tudo e não resistir à ninguém. Como membro do estado, o mesmo homem tem
que roubar, assassinar e lutar com alegria, enquanto viver. (...) Realmente um
príncipe pode ser cristão, mas não deve governar como cristão. (...) Ninguém
deve pensar que o mundo é governado sem sangue. A espada mundana tem que ser
sanguinária. (...) De onde os príncipes obtiveram o seu poder, não nos diz
respeito. É a vontade de Deus, sem ter em conta se eles roubaram o seu poder ou
o usurparam por meio de roubo. (...) Se alguém tem o poder, ele o obteve da
parte de Deus. Portanto ele também tem o direito. (...) Inclusive se as autoridades
agirem injustamente, Deus manda que se lhes obedeça sem engano (...) já que
sofrer injustamente não prejudica a alma do homem; isto lhe será
proveitoso.(...) Inclusive se as autoridades são perversas e injustas, ninguém
tem o direitode opor-se à elas ou de amotinar-se contra elas.[17]
Que um cristão tenha que
obedecer e sofrer inclusive debaixo de um governante injusto, é uma verdade
bíblica, mas ele não deve nunca participarna administração da justiça ou da
injustiça, e foi precisamente isto, o que Lutero nunca viu. Até a sua morte,
ele acreditou que o cristão tinha uma dupla personalidade. O que ele fazia como
cristão, o fazia em sua vida particular ( sim, ele inclusive devia ser não
resistente nesta área!); no entanto, quando o estado o convocasse para fazer
algo, ele deveria obedecer indiscutivelmente, como um cidadão, um homem
público. Desobedecer, mesmo ao estado injusto, era desobedecer a Deus. Em
situação semelhante, no caso de lealdades em conflito, o dever do cristão
deveria sempre render-se ao dever do cidadão!
Lutero também deixou bem claro
que, se ele fosse um ministro cristão que vivesse num estado maometano, ele
obedeceria ao Sultão e iria à guerra matar cristãos. Mas a Bíblia não ensina em
parte alguma semelhante dualismo extravagante. Cada homem tem somente uma alma
e somos responsáveis diante de Deus pela obras feitas no corpo. Não importa se
pecamos ou não porordem do estado. Isto continua sendo pecado. Os apóstolos
disseram: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens”(Atos 5:29). Os apóstolos
foram acusados (veja Atos 17:7) de atividade subversiva e traidora porque eles
ensinavam que havia um Poder Supremo diante do qual somos responsáveis, um
Poder superior ao estado: “E todos estes procedem contra os decretos de César,
dizendo que há outro rei, Jesus”. Amém!
A Reforma protestante fracassou
por não reformar o erro católico romano da relação entre a Igreja e o estado. E
ao fracassar nisto, ela fracassou numdos problemas mais cruciais que se lhe
apresentou. Ao considerar o oitavo abuso católico romano que enfrentava
qualquer reformador, devemos perguntar-nos: Por acaso a Reforma protestante
recuperou o ensino do Novo Testamento sobre a igreja? Aboliram eles o conceito
católico romano de uma Igreja das massas, composta de membros em virtude da
nacionalidade e da geografia, por meio dos “batismo de crianças” antes que da
fé que salva? Novamente a resposta tem que ser não. Eles não restauraram sua
Igreja ao padrão do Novo Testamento de uma igreja composta somente de crentes,
dos nascidos de novo, de discípulos lavados no sangue de Cristo.
Todos e cada um dos
reformadores retiveram e defenderam uma Igreja não bíblica, fundada no batismo
de crianças e que incluía como membros a todos os habitantes de um país
“cristão”. Neste fracasso especificamente, esta traição adicional dos objetivos
de uma verdadeira reforma, como em todos os outros fracassos, os reformadores
famosos não podem ser justificados por meio da desculpa de que “de todas as
formas, eles fizeram omelhor que puderam”. A tragédia que resultou é que eles
consideraram e rejeitaram, fria e deliberadamente, o padrão bíblico de uma
igreja de crentes. Eles sabiam que outros escolheram seguir o padrão bíblico, e
não sórejeitaram a convicção deles, mas também, trataram de exterminar a estes verdadeiros
cristãos, por meio do fogo e da espada. Aqueles outros que se mantiveram fiéis
ao seu Senhor e ao seu padrão para a igreja foram os anabatistas.
Vários estudiosos imparciais da
história da época da Reforma, chegaram na mesma conclusão : Os anabatistas
realizaram o verdadeiro trabalho que enfrentava a Reforma, mas os protestantes
fracassaram. Roland H. Bainton tenta atribuir uma razão à isto:
O ideal da restituição ou da
restauração era comum na era da Reforma e todosos grupos desejavam restaurar algo.
A diferença estava somente em como e quão longe retroceder.[18] Lutero desejava
restaurar a Igreja do princípio daIdade Média; para ele a grande corrupção
estava no auge do poder temporário do papado no século VIII. Os anabatistas
retrocederam muito mais do que qualquer outro grupo e se voltaram
exclusivamente ao Novo Testamento. Inclusive dentro do Novo Testamento eles
tiveram a tendência de ignorar a Paulo e imitar somente a Jesus. É por isso que
[o seu] ideal de Restauração tende a coincidir com o ideal da imitação de
Cristo.[19]
Isto não quer dizer que eles
rejeitaram a Paulo, mas que eles simplesmente tiveram por Senhor a Cristo que
vivia neles, em lugar de tirar a doutrina dePaulo da justificação fora de seu
contexto do Novo Testamento e inventar (como os protestantes) uma doutrina não
bíblica da salvação da graça barata baseada na frase sola fide (“só crê”). O
próprio Paulo disse: “Cristo em vós, esperança da glória” (Colossenses 1:27),
isto é, Cristo não só é contado por nossa justiça, mas que a sua justiça também
se cumpre em nós (veja Romanos 8:4; 13:10).
Além disso, Paulo disse: “Sede
meus imitadores, como também eu de Cristo” (1ª Coríntios 11:1). Outro grande
estudioso, Hoffmann, disse: As raízes dos reformadores estão fundamentalmente
em São Paulo, enquanto queos batistas preferiram o ensino de Jesus, com seus
imperativos éticos e suasesperanças escatológicas (...) Neste aspecto realmente
os batistas se aproximaram mais ao cristianismo bíblico do que os reformadores,
ainda queos reformadores também converteram o cristianismo bíblico em seu
objetivo.[20] Hall, ao comparar o anabatismo e o protestantismo em sua History
of Ethics Within Organized Christianity (“A história da ética dentro do
cristianismo organizado”), faz o seguinte comentário sagaz:
Tudo o que encontramos entre os
anabatistas, também está presente no Novo Testamento.(...) Se adotar o Novo
Testamento literalmente é protestantismo, então, diferente de Lutero, Calvino e
Zwinglio, os anabatistas eram os verdadeiros protestantes. Eles basearam os
seus ensinos na consideração de Lucas quanto a pobreza ou no comunismo do livro
de Atos ou na liberdade de espírito no sentido paulino.(...) Eles adotaram o
Sermão do Monte literalmente e rejeitaram com mais ou menos exatidão, todas as
coisas não ordenadas pela Bíblia. Em geral, eles se deram conta, não como os
reformadores, que o cristianismo primitivo se opunha inerentemente à ordem
social existente e não cristã. Certamente, eles não encontraram nada no Novo
Testamento que justificasse a magia sacramental, porque ela não estava ali.
Tudo isto não énovo na história da igreja.
Desde a época de Joviano e
Cláudio de Turim, desde o s dias do cristianismo britânico primitivo até os
valdenses e os lolardos, o Novo Testamento sempre produziu homens que tomavam a
sério e colocavam à prova um ponto ou outro do cristianismo dogmático
tradicional, comparando-o com o Novo Testamento. E como o cristianismo
dogmático não se fundamenta no Novo Testamento, ele mesmo nunca passou pela
prova.(...) A pequena nobreza e os líderes reformadores se aproveitaram da
revolta de Münster e das guerras camponesas para cumprir seus próprios
propósitos de restabelecer o seu poder sobre a base das Igrejas provinciais e
nacionais como herdeiras do imperialismo rejeitado. A marcada insensibilidade
de Zwinglio ao torturar o seu amigo Baltasar Hubmeyer e obrigá-lo, mediante
ameaça de morte à uma confissão falsa e humilhante, concorda com a atitude de
Calvino para com Servet ou a atitude de Lutero para com Carlstadt. Não hánada
nos ensinos dos anabatistas que não se possa mostrar, por ter obtido emalgum
momento o apoio dos reformadores ortodoxos.
O misticismo se misturou com o
ensino de Lutero e o legalismo e a rebelião sangrenta, com o ensino deCalvino e
Knox. Zwinglio estava indeciso por causa do batismo de crianças e mutilou até o
fim ao sacramento mágico da Ceia do Senhor. Era uma questão de poder, ordem e
submissão aos novos herdeiros do imperialismo católico e não uma questão de
“pureza evangélica” ou “correção dogmática” que separou os reformadores de seus
irmãos perseguidos e desprezados.(...) É verdade queos reformadores ortodoxos
também professavam adotar a letra das escrituras como seu guia e além disso,
afirmavam ter a direção do Espírito Santo. Mas, eles não adotaram tão seriamente
como os anabatistas, nem tampouco se permitiram ser levados pela escritura
demasiadamente longe das interpretações e ideais dos príncipes protestantes na
Alemanha ou da burguesia militar na Suíça. De fato, todos eles sempre foram,
sem dúvida, inconscientemente, a máxima expressão da nascente, sensata e bem
equilibradaclasse média.[21]
Outro estudioso contemporâneo,
Joseph M. Dawson, ao escrever sobre as origens da liberdade religiosa que se
desfruta hoje por todos nos Estados Unidos da América, se dá conta que ela não
procedeu dos reformadores intolerantes, mas dos anabatistas. Não foi o
protestantismo como tal, mas foram os pequenos grupos não conformistas
independentes, que aceitaram as maiores implicações de Lutero e Calvino, que
conseguiram uma total liberdade religiosa e a separação da igreja e do
estado.[22]
Nem os “Pilgrim Fathers”, nem
os puritanos trouxeram a liberdade religiosa à América do norte. Ao contrário,
eles açoitaram e queimaram na fogueira os Quacres, enganaram aos índios, etc.
Foram os batistas, diretamente influenciados pelos anabatistas do Antigo
Continente, quem puderam escrever como o fez Roger Williams: A igreja cristã
não persegue; não mais que um lírio que arranha com seus espinhos ou um
cordeiro que persegue e dilacera aos lobos.(...) A religião cristã não pode
propagar-se por meio da espada civil.[23]
CONCLUSÕES
Depois de ter analisado os
antecedentes do movimento protestante em cada um dos oito abusos flagrantes do
catolicismo e depois de ter observado como os reformadores famosos não fizeram
uma verdadeira reforma, nós poderíamos analisar também os resultados políticos
e sociais do movimento. Já destacamos o fato de que o movimento protestante não
foi somente um movimento religioso, mas também uma agitação política de longo
alcance do nacionalismo. Depois dos ensinos dos reformadores e seus
partidários, por toda a Europa se propagou uma onda de decadência moral,
perseguições, revoluções e “guerras religiosas”. Uma nação se levantou contra a
outra, irmão contra irmão e os grandes exércitos de rapina cruzaram-se no mapa
da Europa, onde a agitação política, o saque e a brutalidade se transformaram
na ordem do dia.
A isto se seguiu mais de um
século de guerra intermitente. Quando foi elaborada a paz em Westfalia em 1648,
depois de trinta anos de guerra contínuas e de intrigas, a Europa estava em
ruínas. “Os verdadeiros perdedores na guerra foram os alemães. Mais de 300.000
haviam sido mortos em batalha. Milhões de civis haviam morrido por causa da má
nutrição e de enfermidades, e as tropas indisciplinadas e errantes
tinhamroubado, queimado e saqueado como desejavam. A maior parte das
autoridades acredita que a população do Império decresceu de aproximadamente
21.000.000 para 13.500.000 entre 1618 e 1648. Mesmo que elas exageraram, a
Guerra dos Trinta Anos ficou sendo como uma das mais terríveis na
história.”[24]
Não somente a matança de
milhões de civis inocentes provoca a nossa piedade e angustia, mas também as
cruéis atrocidades cometidas contra os pacíficos mártires anabatistas em nome
da religião. O grande historiador da igreja batista, A.H. Newman, se vê
obrigado a formular a seguinte pergunta sobre toda a matança sangrenta: Nos
vemos obrigados a perguntar se houve necessidade desta guerra; se ela foi a
única maneira que os protestantes e os católicos puderam ter para ensinar a
respeitar os direitos de cada um ? Não podemos responder. No entanto, temos
razões sérias para duvidar se o destruidor [Lutero] do cristianismo evangélico
antigo e pai do grande movimento protestante político-eclesiático, que suscitou
a Contra-reforma e os jesuítas, e que direta e indiretamente conduziu à Guerra
dos Trinta Anos, foi, depois de tudo, tão grande benfeitor do gênero humano e
promotor do reino de Cristo com comumente se acredita.[25]
Não somente foi a perda de
vidas humanas, mas também a ruína dos negócios, das artes, da educação e o
abandono de povos e cidades que ficaram com uma decadência moral espantosa, a
qual se apoderou da maioria dos sobreviventes.O nacionalismo havia nascido com
todo o seu “esplendor” e havia liberado a primeira grande guerra “mundial”
européia, uma guerra internacional. Foi muito doloroso que os primeiros
anabatistas foram perseguidos tanto por católicos como pelos protestantes. Isto
aconteceu na Suíça, Bélgica, Holanda, Itália, Espanha, Alemanha, França e
Inglaterra e se manteve assim por muito tempo. Foi por isso que milhares de
anabatistas abandonaram a Europa para buscar a liberdade religiosa na América
do norte. Foram os anabatistas, os verdadeiros campeões da liberdade religiosa,
não os protestantes e nem os católicos.
Estes fatos sobre as
conseqüências trágicas do movimento protestante, causamassombro. Especialmente
por ter sido cultivado pelos seus seguidores uma lenda sobre a infalibilidade e
a santidade imaculada dos reformadores famosos, sendo por isso, muitas pessoas
enganadas involuntariamente. Se perguntarmos se os primeiros anabatistas
tiveram uma razão poderosa para rejeitar o protestantismo e repudiar aos
reformadores famosos, temos que dizer : Sim! Na realidade, o anabatismo foi
mais que o protestantismo. Existiam quatro pontos principais de diferença entre
o movimento anabatista e o movimento protestante.
1. A REVELAÇÃO DA AUTORIDADE
Tanto os anabatistas como os
protestantes afirmavam aceitar a autoridade da palavra de Deus, mas somente os
anabatistas aceitavam a Cristo como a autoridade final, o árbitro absoluto de
toda vida, a apelação final em todosos conflitos de fidelidade e lealdade. Eles
aceitavam a Cristo como Senhor erejeitavam a doutrina do “só crê” (em Cristo
como Salvador) que foi o centrodo ensino protestante. Os anabatistas
acreditavam que Cristo tinha que ser tanto nosso Salvador como nosso Senhor,
enquanto que os protestantes apelavam para ele como Salvador, mas obedeciam a
autoridade dos príncipes, governantes e as tradições do cristianismo dos
princípios da Idade Média. A restituição ou reforma dos anabatistas foi o
resgate do senhorio de Cristo, sendo Cristo como Senhor da moralidade
universal, sem fazer exceções de pessoas ou posições, mandando a todos os
homens em todas as partes a arrepender-se e a dobrar seus joelhos diante dele.
2. A PROCLAMAÇÃO DA AUTORIDADE
Os anabatistas acreditavam que
as boas novas da Grande Comissão eram para proclamar a salvação e o senhorio de
Cristo à todos os homens. Eles consideravam sua mensagem aplicável à todos os
homens sem excetuar os membros de outras denominações, nem aos magistrados
governantes (que eram chamados à arrepender-se, a depor o seu poder mundano e a
seguir somente à Cristo). Os anabatistas entendiam que esta Grande Comissão
unia a cada crente no sacerdócio de todos os crentes e viam como o
principalpropósito da igreja, o de ser uma comunidade missionária, que devia
nutrir edisciplinar as pessoas, e que fosse por todo o mundo, declarando o
poder do Cordeiro para libertar, conquistar e julgar as almas. Ao contrário, os
protestantes aceitavam a Igreja territorial das massas, obediente a religiãodo
seu próprio governante e aos sacerdotes e pastores nomeados pela Igreja do
estado.
Uma das verdades curiosas da
história da igreja, é que os reformadores protestantes e seus seguidores,
rejeitaram a Grande Comissão pela teoria nãobíblica de que esta Grande Comissão
foi cumprida pelos apóstolos! Os anabatistas iam por todas as partes pregando o
evangelho e desfiando as ordens da Igreja do estado para que deixassem de
fazê-lo. A resposta favorita dos anabatistas à seus perseguidores por
proibi-lhes pregar o evangelho era o versículo: “De Jeová é a terra e a sua
plenitude”. Portanto,eles iam por todo o mundo com denodo e com audácia
realizando a Grande Comissão, apesar de toda a oposição. No entanto, os
protestantes, ao crer que somente o estado era responsável de prover a pregação
do evangelho, afirmavam de forma violenta que os cristãos não tinham nada que
ver com a Grande Comissão. Aberly, no seu livro, An Outline of Missions (“Um
esboço das missões”), explica esta estranha rejeição protestante da Grande
Comissãoe das missões. O retorno dos reformadores para a mensagem paulina da
salvação por meio da graça, tanto para os judeus como para os gentios, devia
ter sido preparado junto ao programa missionário do grande apóstolo para os
gentios.
No entanto, os protestantes,
pelo menos até depois da Guerra dos Trinta Anos, estavam ocupados em conflitos
os quais dependia a sua própria existência. (...) As deduções lógicas dos princípios
estabelecidos são formuladas pouco a pouco quando elas se opõem aos costumes
prevalecentes. Se imaginava que o apoio da igreja era a responsabilidade do
estado. Durante muito tempo se acreditou, inclusive pelos teólogos, que a
comissão do Senhor de ir e fazer discípulos a todas as nações, havia sido dada
somente aos apóstolos e havia sido cumprida por eles. Pensava-se que as nações
que haviam desperdiçado ou rejeitado a oportunidade dada então, deviam ter o
seu destino bem merecido (...) Teodoro Beza, dentre os reformados, respondeu a
Saravia, em 1592, pararefutar a sua opinião de que a comissão de pregar o
evangelho a todas asnações foi dada à igreja para todos os tempos. Entre os
luteranos, leigos proeminentes induziram o tema das missões à um confronto. Um
deles foi o Conde Truchses que se dirigiu à faculdade teológica em Wittenberg
sobre certos escrúpulos que ele tinha e se expressou da seguinte maneira: “
Tendo em conta que a féchega somente por meio da pregação, não tenho idéia como
o Leste, o Sul e o Oeste se converterão à única fé que salva, porque não vejo
ninguém da Confissão de Augsburgo ir por ali”. A pergunta foi respondida pela
faculdade de Augsburgo, a qual disse em essência que a comissão de Jesus se
aplicava somente aos apóstolos e que eles já a haviam cumprido. Além disso,
disseram que não é a igreja, mas o estado que tem a responsabilidade de
providenciar a pregação do evangelho.[26]
Esta posição não bíblica e
ignorante prevaleceu entre os protestantes durante quase dois séculos. Uma das
ironias da história é que enquanto os antepassados protestantes rejeitaram a
Grande Comissão e os antepassados anabatistas acreditaram nela e a praticaram
fervorosamente, hoje em dia existem alguns grupos descendentes dos anabatistas
que na realidade se opõem as missões e rejeitam a Grande Comissão, afirmando
que ela foi somentepara os apóstolos e que foi cumprida por eles!
3. A APLICAÇÃO DA AUTORIDADE
Os anabatistas acreditavam no
estabelecimento livre e na proteção de uma igreja disciplinada, composta
somente de discípulos nascidos de novo, unidosnum compromisso voluntário e
espontâneo em guardar as normas e disciplinas do Novo Testamento como se
interpretava e se aplicava por e através da irmandade. Os protestantes
rejeitavam uma igreja disciplinada de discípulos voluntários e defendiam uma
Igreja das massas, composta de pessoas batizadascomo crianças. Calvino impôs
certa disciplina na Igreja por meio da exposição pública dos erros, dos
açoites, das mutilações e da forca pelas transgressões (tais como o jogo e o
juramento).
4. O CONFLITO DA AUTORIDADE
Os anabatistas acreditavam que
o verdadeiro cristão não poderia fazer uso daforça e nem exercer um oficio no
reino da justiça mundana, pois ele é um profeta de Deus, levando o testemunho
da cruz de Cristo, que sempre padece oposição por não poder permanecer calado,
indiferente ou tolerante diante dapresença do mal e permanece como um obstáculo
diante do pecado. O verdadeiro cristão é um testemunho radiante contra toda
autoridade humana que requer a absoluta lealdade que os homens só podem dar
corretamente à Cristo, o Senhor. Portanto, o verdadeiro discípulo de Cristo é
sempre visto como uma ameaça para a segurança humana, para o compromisso e para
a falsa paz e sempre terá que sofrer inimizade, rejeição e reprovação por parte
do mundo.
Os protestantes acreditavam que
o mundo podia ser “cristianizado” e que se houvesse algum conflito entre o
dever de um homem para com Cristo e seu dever para com o estado, ele deveria
primeiro obedecer ao estado para que a sociedade não entrasse em colapso e em
anarquia. Poderíamos resumir brevemente estas quatro diferenças ao recordar que
a Reforma anabatista era a restauração da autoridade de Cristo como Senhor
sobre seus discípulos em todos os aspectos de sua vida, enquanto que a Reforma
protestante convertia-se na rejeição da autoridade Católica Romana afavor da
autoridade dos príncipes e governantes e suas Igrejas territoriais.Em poucas
palavras, os anabatistas acreditavam que a verdadeira igreja era:
1. uma igreja de discípulos que obedeciam ao Senhor.
2. uma igreja de profetas missionários, que testemunhavam à todos os homens.
3. uma igreja disciplinada, santa e pura.
4. uma igreja que é não resistente, que leva a cruz e é sofrida.
1. uma igreja de discípulos que obedeciam ao Senhor.
2. uma igreja de profetas missionários, que testemunhavam à todos os homens.
3. uma igreja disciplinada, santa e pura.
4. uma igreja que é não resistente, que leva a cruz e é sofrida.
Querido leitor, te suplicamos
pelo amor de Deus e de sua santa palavra, que seja fiel primeiro à ele e que
reconheça que esta primeira lealdade não te permitirá acompanhar as multidões
que estão a deriva. Saia de entre eles e busque a associação com uma igreja que
seja fiel aos ensinos de Cristo e dosapóstolos, ou forme uma igreja semelhante
na tua localidade com discípulos do Senhor que sejam da mesma opinião. Se você
está traindo o verdadeiro evangelho pelo qual viveram e morreram os apóstolos e
os anabatistas, te suplicamos que se arrependa e regresse para a verdade e
práticas bíblicas. Averdadeira igreja é a noiva de Jesus Cristo comprada com
sangue e não a Igreja rameira que passeia de mãos dadas com os reinos deste
mundo. Amém.
—William R. McGrath
[1] A revista Liberty (“Liberdade”), Tomo 50, Nº 02; p. 28
(resumo por J. M. Dawson).
[2] Bonhoeffer, Dietrich: The cost of Discipleship (“ O custo do discipulado”), pp. 37 - 38, 47.
[3] The Complete Works of Menno Simons (“Obras completas de Menno Simons”), p. 283.
[4] The Complete Works of Menno Simons (“Obras completas de Menno Simons”), p. 251.
[5] Great Voices of the Reformation ("Grandes Vozes da Reforma") , p. 533.
[6] Hallam, Literature of Europe ("A literatura da Europa") Tomo I, p. 372
[7] Stoddard, J.L. Rebuilding a Lost Faith ("Reedificando uma fé perdida"), pp. 97-98
[8] Enciclopédia Britânica (1935), Tomo 23, p.15.
[9] Tulga, C. E. , The New Testament Doctrine of the Church ("A doutrina neotestamentária da igreja"), da introdução.
[10] Pfister, Óscar : Christianity and Fear ("O cristianismo e o temor"), pp. 418-419, 427-428
[11] The Complete Works of Menno Simons ("Obras completas de Meno Simons") , 147a/I, 196a
[12] Grimm, Harold J., The Reformation Era (" A época da Reforma ") , p. 139.
[13] Martinho Lutero, Werke, edição de Erlangen, Tomo 24, p. 294; Tomo 15, p.276.
[14] Martinho Lutero, Werke, edição de Erlangen, Tomo 59, p. 284. [15] Enciclopédia Britânica, Tomo 23, p. 11.
[16] Weaver, Rufus W., The Revolt Against God (“A revolta contra Deus”), p. 155.
[17] Martinho Lutero, Werke, edição de Weimar, Tomo 30, p. 1, passim. [18] O autor deste artigo fez uso de letras em itálico nas citações. [19] Bainton, Roland H., citado em Church History (“A história da igreja”), junho, 1955; p.150.
[20] Hoffmann, citado por Pfíster em, Christianity and Fear (“O cristianismo eo temor”) , p. 468.
[21] Hall, History of Ethics Within Organized Christianity (“A história da ética dentro do cristianismo organizado”) , p. 505.
[22] Dawson, Joseph M., Liberty (“Liberdade”), p. 28.
[23] Dawson, Joseph M., Liberty (“Liberdade”), p. 28.
[24] De acordo com o que escreveu o professor Gerhard Rempel num resumo de cinco páginas sobre a Guerra dos Trinta Anos, elaborado no dia 10 de setembro de 2002, tomado de: http://mars.wnec.edu//- grempel/courses/wc”/lectures/30yearswar.html
[25] Newman, A.H., A Manual of Church History ( “Um manual da história da igreja “) , Tomo II. p. 411. [26] Aberly, An Outline of Missions (“ Um esboço das missões”), pp.47-48.
Todos os textos bíblicos citados neste livro fazem parte de: A Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida, (ACF) Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil —1994,1995
[2] Bonhoeffer, Dietrich: The cost of Discipleship (“ O custo do discipulado”), pp. 37 - 38, 47.
[3] The Complete Works of Menno Simons (“Obras completas de Menno Simons”), p. 283.
[4] The Complete Works of Menno Simons (“Obras completas de Menno Simons”), p. 251.
[5] Great Voices of the Reformation ("Grandes Vozes da Reforma") , p. 533.
[6] Hallam, Literature of Europe ("A literatura da Europa") Tomo I, p. 372
[7] Stoddard, J.L. Rebuilding a Lost Faith ("Reedificando uma fé perdida"), pp. 97-98
[8] Enciclopédia Britânica (1935), Tomo 23, p.15.
[9] Tulga, C. E. , The New Testament Doctrine of the Church ("A doutrina neotestamentária da igreja"), da introdução.
[10] Pfister, Óscar : Christianity and Fear ("O cristianismo e o temor"), pp. 418-419, 427-428
[11] The Complete Works of Menno Simons ("Obras completas de Meno Simons") , 147a/I, 196a
[12] Grimm, Harold J., The Reformation Era (" A época da Reforma ") , p. 139.
[13] Martinho Lutero, Werke, edição de Erlangen, Tomo 24, p. 294; Tomo 15, p.276.
[14] Martinho Lutero, Werke, edição de Erlangen, Tomo 59, p. 284. [15] Enciclopédia Britânica, Tomo 23, p. 11.
[16] Weaver, Rufus W., The Revolt Against God (“A revolta contra Deus”), p. 155.
[17] Martinho Lutero, Werke, edição de Weimar, Tomo 30, p. 1, passim. [18] O autor deste artigo fez uso de letras em itálico nas citações. [19] Bainton, Roland H., citado em Church History (“A história da igreja”), junho, 1955; p.150.
[20] Hoffmann, citado por Pfíster em, Christianity and Fear (“O cristianismo eo temor”) , p. 468.
[21] Hall, History of Ethics Within Organized Christianity (“A história da ética dentro do cristianismo organizado”) , p. 505.
[22] Dawson, Joseph M., Liberty (“Liberdade”), p. 28.
[23] Dawson, Joseph M., Liberty (“Liberdade”), p. 28.
[24] De acordo com o que escreveu o professor Gerhard Rempel num resumo de cinco páginas sobre a Guerra dos Trinta Anos, elaborado no dia 10 de setembro de 2002, tomado de: http://mars.wnec.edu//- grempel/courses/wc”/lectures/30yearswar.html
[25] Newman, A.H., A Manual of Church History ( “Um manual da história da igreja “) , Tomo II. p. 411. [26] Aberly, An Outline of Missions (“ Um esboço das missões”), pp.47-48.
Todos os textos bíblicos citados neste livro fazem parte de: A Bíblia Sagrada - Tradução de João Ferreira de Almeida, (ACF) Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil —1994,1995