NETO ANSIOSO
Descoberta: o estilo de vida influi sobre os genes e repercute nos descendentes por pelo menos cinco gerações. Como tudo isso ocorre é o tema de uma nova ciência: a epigenética
11 DE SETEMBRO DE 2012 ÀS 15:37
Por: Equipe Oásis
Na colmeia, entre a fértil abelha-rainha e as estéreis operárias existem diferenças de tamanho, funções e longevidade. A rainha, cujo comprimento varia de 18 a 22 milímetros, destina-se a botar cerca de 3 mil ovos por dia, durante três a quatro anos de vida. As operárias, que têm entre 12 e 13 milímetros, viverão apenas 40 dias trabalhando primeiro na limpeza e manutenção da colmeia e depois recolhendo néctar e pólen. Mas tanto a rainha quanto as operárias da mesma colmeia possuem o mesmo patrimônio genético: por que são tão diversas? Esse mistério foi resolvido por Ryszard Maleszka, geneticista molecular do desenvolvimento da Universidade de Canberra (Austrália). A diferença está no desmame: as larvas nutridas com geleia real serão rainhas, e as alimentadas com o arroz-feijão comum serão abelhas-operárias.
O que isso significa? Que os genes não constituem o único fator a determinar as características dos seres vivos. Uma vez sequenciado o DNA, descobriu-se que os genes somam apenas 20-25 mil, tornando evidente que nesse conjunto faltavam informações, como aquelas através das quais o DNA se comunica com o meio ambiente. Exemplo: depois do parto, a estressada mamãe rata que vive em um ambiente perigoso cuida menos dos seus filhotes do que uma rata serena. E o estresse da mãe se transmite aos filhotes. Desse modo, o ambiente os prepara para ser vigilantes, a fim de que tenham maiores probabilidades de sobrevivência.
Como isso acontece? Moshe Szyf, da Universidade McGill, de Montreal (Canadá), estudou os cérebros de um conjunto de ratinhos cuidados com afeto pela mãe e de outro conjunto, esse descurado. Szyf descobriu que a escassa atenção materna reduzia os grupos metílicos (moléculas que possuem o radical alcoólico metilo – CH3 –, contidas em alguns alimentos) coligados ao gene do receptor para produzir o hormônio do estresse (o cortisol), nas células cerebrais. Chegados à idade adulta, os ratos bem cuidados quando pequenos se mostravam serenos, enquanto aqueles descurados eram ansiosos.
No Instituto Douglas de Saúde Mental, também em Montreal, são guardados os cérebros de centenas de suicidas da província de Quebec, com a documentação médica e as entrevistas post-mortem feitas com amigos e parentes do suicida. Szyf confrontou esses cérebros com aqueles de pessoas mortas em acidentes e observou que o hipocampo (área do cérebro que regula o hormônio do estresse) dos suicidas era diferente. Depois, ele confrontou os cérebros dos suicidas maltratados na infância com aqueles dos não maltratados: nos cérebros dos primeiros, a metilação (a introdução de um grupo metílico num composto) do gene do receptor de cortisol era diferente.
Como tudo isso acontece? A resposta a essa pergunta está por trás de um ramo florescente da genética, a epigenética, ou seja, a ciência que estuda como os fatores ambientais – tais como dieta, estresse, nutrição materna e substâncias poluidoras – podem mudar a função dos genes sem alterar minimamente a sequência do DNA. Fatores que, agora já se sabe com certeza, possuem um papel importante inclusive em doenças como tumores, derrames, diabete. Além disso, esses fatores são hereditários: são transmitidos às gerações sucessivas. “Nos ratos, essa herança permaneceu durante todo o período de nossa pesquisa, por 4-5 gerações, e todas a tinham recebido. Mais que isso ainda não sabemos”, diz Andrea Baccarelli, professor de epigenética ambiental na Universidade Harvard, de Boston (Estados Unidos).
Para explicar como funciona a epigenética, Baccarelli faz uma analogia com a partitura da Quinta Sinfonia de Beethoven: desde que foi composta ela permanece sem alterações. Mas cada regente (que nessa analogia corresponde ao ambiente) anota como deseja que ela seja tocada: num trecho, mais sforzato (intenso), e nesse caso escreverá “sfz” – ou, em outros, mais rápido ou mais lento. Do mesmo modo, a epigenética acrescenta “notas” químicas ao DNA, e elas determinam se aquele gene será ativo ou inativo, se se exprimirá muito ou pouco.
É a vingança póstuma de Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829), o naturalista francês convicto de que os organismos eram controlados por influências ambientais que podiam ser herdadas. Por seu lado, Arturas Petronis, psiquiatra da Universidade de Toronto (Canadá), confrontou a metilação do DNA das células de 39 casais de gêmeos idênticos e de 40 gêmeos diversos: a metilação entre gêmeos idênticos era mais semelhante que entre gêmeos fraternos. Portanto, a principal modificação epigenética, a metilação, era claramente hereditária. Mas podia ser modificada ao longo da vida.
Em 2005, Manel Esteller, do Centro Nacional do Câncer, de Madri (Espanha), estudou 80 casais de gêmeos idênticos com idade variável entre 2 e 74 anos, demonstrando que 35% deles apresentava significativas diferenças de metilação do DNA, bem como modificações das histonas (proteínas com carga elétrica positiva). Verificou a altura, o peso e o estilo de vida: quanto mais a idade aumentava, mais os gêmeos eram epigeneticamente diferentes entre si. As maiores diferenças eram encontradas nos gêmeos que tinham vivido pouco juntos: eles sofriam de doenças diferentes, pois era diverso o estado de metilação do DNA. Petronis lançou a hipótese de que em cada divisão celular a metilação sofre mudanças devido ao ambiente, as quais se acumulam de modo a tornarem cada vez mais diferenciada a atividade dos genes.
Essas modificações epigenéticas, causadas pelo meio ambiente, são transmitidas com os genes e parecem ser mais fortes que a própria herança genética. Prova disso são as cutias. A mamãe cutia parece uma ratona gorducha coberta por pelagem cor de mel. Por certas características hereditárias, ela e seus descendentes correm risco de obesidade, diabete e câncer. “Mas se a sua dieta durante a gravidez for rica em grupos metílicos (verduras com folhas verdes, fígado e alimentos com vitamina B12), os filhotes nascerão com a pelagem escura, magros e com um risco reduzido de contrair algumas doenças”, explica Simonetta Friso, professora de medicina interna da Universidade de Verona (Itália). Esse tipo de metilação será depois mantido ou modificado segundo o estilo de vida de cada animalzinho, e desse modo transmitido aos seus descendentes.
Assim, a primeira grande contribuição da epigenética ao conhecimento humano é simplesmente tornar claro que nascer com patrimônio genético idêntico (como no caso de gêmeos univitelinos) não significa que eles vão crescer com corpo, mente e doenças iguais. Essa descoberta de que os hábitos e o estilo de vida mudam o comportamento do genes está na raiz de uma revolução extraordinária para a medicina, particularmente a preventiva.
A descoberta da dupla hélice do DNA, em 1953, deu o pontapé inicial para se desvendar um dos grandes mistérios da vida – como é que as características dos pais passam através de gerações e como se forma a individualidade de cada ser vivo. A chave para esse processo está nos genes. A grande novidade trazida pela epigenética é que, diferentemente do que se pensava, o ambiente parece ser ainda mais importante do que os genes na constituição física e psíquica de uma pessoa. Por exemplo, os cientistas da epigenética já sabem que:
1) A falta ou o excesso de comida na infância pode alterar os genes ligados ao metabolismo, provocando puberdade precoce, obesidade e diabete.
2) A vitamina B12 pode ligar os genes associados às funções cerebrais, como a memória.
3) Uma alimentação rica em soja, em vitamina B2 e ácido fólico (presentes no fígado, em feijões e vegetais folhosos verdes-escuro, como brócolis, couve e espinafre) desliga o gene da obesidade.
4) Uma dieta rica em vegetais diminui a expressão dos genes ligados ao câcer da próstata no estágio inicial da doença.
e) O gene MTHFR, relacionado ao envelhecimento precoce e a certos tipos de câncer, pode ser regulado com uma alimentação rica em ácido fólico, que se encontra em cereais integrais.
f) A perda de memória causada pelo consumo de cocaína pode ser transmitidas a gerações futuras. Um estudo com ratos mostrou que o uso da droga afetou a memória de três gerações consecutivas de ratinhos.
g) A falta de carinho materno na infância altera os genes que controlam a produção dos hormônios do estresse. Essa alteração pode levar a transtornos, como depressão.
Enfim, aplicada ao mundo dos humanos, a epigenética provou que genética não é destino, e que todos nós, melhorando as condições do meio ambiente em que vivemos, bem como nossas normas gerais de comportamento, podemos não apenas melhorar nossas vidas, mas também as vidas dos nossos descendentes.
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/79727/Av%C3%B4-estressado-neto-ansioso.htm