UMA MULHER NEGRA INVENTOU O ROCK AND ROLL
Gênio musical do século 20, a norte-americana Sister Rosetta Tharpe é considerada a verdadeira criadora do estilo rock and roll. Ela surgiu antes de Little Richard, Muddy Waters, Elvis e foi a fonte inspiradora de todos eles.
19 DE DEZEMBRO DE 2016 ÀS 22:14 // RECEBA O 247 NO TELEGRAM
Por: Ademir Fábio Quinot Ströher
Fonte: Site http://pensadoranonimo.com.br/
Hoje quase completamente esquecida, Sister Rosetta Tharpe tinha um programa gospel na rádio nos anos 30, 40. Reza a lenda que o rei do Rock and Roll, Elvis Presley, quando criança, saía correndo da escola para ouvir o programa e as músicas que ela cantava. O jeito dela cantar e tocar guitarra acabou sendo assimilado por um outro rei, B. B. King. E ainda há um terceiro rei, desta vez o do folk, Bob Dylan, assumidamente fã dessa artista extraordinária.
É gratificante relembrar e curtir os antepassados negros que fizeram a história do blues americano, como a pioneira Sister Rosetta Tharpe, a madrinha-avó do rock and roll.
“Sister Rosetta Tharpe foi um amor à primeira vista. Aquela mulher de energia possante que parecia brincar com a guitarra”, lembra Chuck Berry. A verdade é que foi ela quem inspirou Chuck Berry. Essa mulher “bonita, divina, para não mencionar sublime, esplêndida”, afirmou Bob Dylan numa entrevista. Ela é a essência do rock and roll.
Rosetta Tharpe nasceu a 20 de Março de 1915, em Cotton Plant, Arkansas. Filha de Willis Atkins e Katie Bell Nublin, apanhadores de algodão. Sua mãe tornou-se pastora evangélica, cantando e tocando para a congregação. Foi através da mãe, conduzida pela sua mão, que a pequena Rosetta Nublin fez sua primeira atuação aos 4 anos. Acompanhada pela guitarra, cantou o conhecido tema gospel Jesus is on the mainline. Aos 6 anos de idade, seguiu a sua mãe, que abandonou o marido e migrou para norte.
Durante a juventude, com a mãe, fez várias aparições nos circuitos evangélicos. Influenciada pela música que se produzia nesse meio, e pela energia de Chicago, cidade que na época fervilhava ao som dos blues e do jazz, a jovem Rosetta misturava o Gospel com os ritmos seculares. Isso, junto ao seu extraordinário talento para a guitarra que, juntamente com o seu engenho com a guitarra, tornaram-na bastante popular. A forma como tocava era claramente a do estilo blues e impressionava a todos. Rosetta foi uma das poucas mulheres negras a tocar guitarra na década de 1920.
Ela se casou com Thomas A. Thorpe, um pastor evangélico abusivo e controlador que se aproveitava do talento e da popularidade de Rosetta. Até que ela decidiu se divorciar. Mas manteve o nome do marido, alterando sua grafia para Tharpe – nome pelo qual passou a ser conhecida. Mais uma vez em companhia da mãe, ela se mudou para Nova York, onde conquistou sucesso e atuou no prestigiado Cotton Club, ao lado de Cab Calloway, para um público mais mundano e chique. Mas isso que gerou polêmica no seio do seu fiel público-base mais simples e religioso.
Rosetta fez história em 1938, quando se tornou a primeira cantora gospel a assinar com uma grande casa discográfica, a Decca Records. Um contrato controverso, pois impunha que Rosetta cantasse tudo o que o seu manager propunha. Os temas Rock Me e The Lonesome Road conquistam as tabelas Pop em outubro do mesmo ano. A Irmã Rosetta, como passou a ser conhecida, tornou-se uma superestrela. Apesar do mal estar que músicas como Tall Skinny Papa causavam entre os membros da comunidade gospel, a verdade é que ninguém conseguia ficar indiferente ao seu estilo particular.
Durante os anos que se seguiram, somou sucessos. Todos queriam ver e ouvir a prodigiosa Sister Rosetta. Ela percorreu os Estados Unidos da América, encheu salas de espetáculos, e foi uma das poucas vozes femininas negras a animar os soldados norte americanos, durante a guerra. Grava Down by the Riverside e Strange Things Happening Every Day, num período onde a segregação era a norma. Suas escolhas denotam que Rosetta tinha nascido para quebrar as normas e assim foi durante toda a sua vida.
Depois de um segundo casamento falido, ela grava lado a lado com Marie Knight a canção Up Above My Head, uma música sublime. Pouco se sabe sobre essa parceria que terminou abruptamente, após uma tragédia familiar ocorrida com Marie. Rosetta continuou sua carreira e, em 1951, surpreendeu a todos quando anunciou o seu terceiro casamento, desta vez com Russel Morrison. A celebração aconteceu no estádio Griffith, em Washington, perante uma audiência de vinte e cinco mil pessoas. Morrisson, seu marido e agente, acompanhou-a até o fim dos seus dias.
Uma nova onda vem do MIssissipi
Foi com o aparecimento de jovens vindos do delta do Mississippi que surgiu o estilo e o movimento roch and roll, e Elvis Presley foi “coroado” rei desse gênero musical. Rosetta Tharpe, a mulher que vinte anos antes começara a divulgar esses ritmos, mantem-se fiel a si mesma, mas sua popularidade e seu brilho são pouco a pouco ofuscados pelos novos artistas. Até que um dia ela recebe uma chamada de Chris Barber, que a convida a embarcar numa nova aventura, desta vez no Reino Unido. Para um público que nunca tinha visto ao vivo uma verdadeira artista gospel, Rosetta apareceu como algo vindo de um outro mundo. Ela era diferente, cativante, fervilhava energia e grandeza de alma. Ela e a guitarra se fundiam e se tornavam apenas uma. A atuação de 1964 em Manchester (que mostramos no vídeo abaixo), gravada num dia frio e chuvoso na estação de comboios, é a prova disso. Sucesso embriagador.
Sister Rosetta estava de regresso e conquista o público europeu. Em 1968, sua mãe Katie Bell falece e a perda marcou muito a cantora. Logo após Rosetta foi diagnosticada como diabética, e atuou pela última vez na Europa em Copenhague, em 1970. Pouco tempo depois teve que amputar uma perna, vindo a falecer em 1973.
Rosetta Tharpe foi a grande fonte de inspiração também para Etta Jones, Johnny Cash, Little Richard, entre outros. Seu legado é enorme, marcou a história da música, marcou gerações e apaixona todos aqueles que a ouvem.
Em 2004, Down by the Riverside entra para a National Recording Registry, da biblioteca do congresso norte-americano. Em 2007, entra para o Blues Hall of Fame e, em 2008, o governador Edward Rendell declara o dia 11 de Janeiro o dia de Sister Rosetta Tharpe, no Estado da Pensilvânia. No seu discurso, destacou a lendária cantora, a pioneira que levou o gospel para a cena mainstream.
Essa “força da natureza”, como foi apelidada por Bob Dylan, permanece viva para todos aqueles que a conheceram pessoalmente ou através da sua discografia.
Vídeo: Sister Rosetta Tharpe – Didn’t It Rain
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/271328/Rosetta-Tharpe-Uma-mulher-negra-inventou-o-rock-and-roll.htm