A AGRICULTURA SINTRÓPICA DE ERNST GOTSCH
No município baiano de Piraí do Norte, o suíço Ernst Gotsch conseguiu transformar, praticamente com as próprias mãos, 1200 hectares de área desértica num oásis de vida e abundância de alimentos. Tudo isso mantendo um equilíbrio perfeito entre agricultura de larga escala e ecossistema. Gotsch usa o método chamado de “agricultura sintrópica”, e os resultados que alcançou começam a chamar a atenção no Brasil e no mundo. Na foto de abertura, Ernst Gotsch.
1 DE DEZEMBRO DE 2016 ÀS 18:35 // RECEBA O 247 NO TELEGRAM
ERNST GOTSCH, UMA BIOGRAFIA
Por Dayana Andrade
Mudar o ponto de vista pode ser uma atitude aparentemente simples, mas foi sempre ela que alavancou as transformações mais revolucionárias de que temos notícia.
Tomemos como exemplo um cientista, dedicado ao melhoramento genético, que buscava nas plantas forrageiras – seu objeto de estudo – genótipos que fossem mais resistentes às doenças. Imaginemos agora esse mesmo cientista parar, num determinado momento, para se perguntar se a resposta que buscava não poderia vir do caminho oposto ao que seguia. “Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus-tratos a que as submetemos?” Gotsch. Assim germinava o pensamento sobre Agricultura Sintrópica, dentro da pesquisa e da vida de Ernst Gotsch, suíço nascido em 1948.
Organismos, cooperação, sucessão, sistemas
Na década de 70, Götsch desenvolve seus primeiros estudos sobre sistemas complexos de plantio, em áreas no norte da Suíça e no sul da Alemanha. Sempre buscando o caminho dos consórcios entre espécies, testou, por exemplo, as antigas tradições de plantação de milho junto com feijão, mas também experimentou novas associações como trigo e ervilha ou framboesa, maçã e cereja, entre outras. Do sucesso das colheitas começa a surgir a ideia de organismo. Da ideia de organismo viria a da cooperação e, dali, a ideia da sucessão, dos sistemas, e tantos outros conceitos que fundamentam a filosofia e a técnica deste agricultor e pesquisador, no sentido mais orgânico dos termos.
Em 1979 muda-se para a Costa Rica. Lá realiza trabalhos de recuperação de solos degradados com a implantação de Sistemas Agroflorestais altamente produtivos, sempre prescindindo de qualquer agroquímico.
Chega ao Brasil em 1982 e em 1984 fixa-se em uma fazenda no sul da Bahia. O nome da Fazenda, como de costume na região, era uma crônica da realidade local: “Fazenda Fugidos da Terra Seca”. Aproximadamente 500 hectares de terra tornada improdutiva devido às práticas de corte de madeira, repetidos ciclos de cultivo de mandioca nas encostas dos morros, criação de suínos nas baixadas e formação de pastagens por meio de fogo ao longo das margens da estrada que corta a fazenda. Ali continuaria o desenvolvimento obssessivo de seus experimentos em Sistemas Agroflorestais Sucessionais, alcançando alta produtividade em grande variedade de espécies vegetais, com destaque para o cacau e a banana. Além de alimentar sua família e dali tirar sua renda, a consequência de sua intervenção pôde ser empiricamente observada mais tarde. A Mata Atlântica ressurgiu na área, com todas as suas características de flora e fauna. Hoje são cerca de 410 hectares de área reflorestada, dos quais 350 foram transformados em RPPN, além de 120 hectares de Reserva Legal. Cerca de 14 nascentes ressurgiram na fazenda que hoje, seguindo a tradição cronista, passou a chamar-se “Fazenda Olhos d’Água”.
Apurada técnica de plantio
Referência internacional em Sistemas Agroflorestais Sucessionais, Ernst Gotsch desenvolveu uma apurada técnica de plantio cujos princípios e práticas podem ser aplicados a diferentes ecossistemas. “Amazônia, Cerrado, Altiplano Boliviano, Caatinga, eu vi que todos esses lugares podem ser um paraíso quando bem trabalhados”. Com uma visão da agricultura que reconcilia o ser humano com o meio ambiente, Gotsch tem artigos publicados, mas nunca escreveu sobre o conjunto de suas observações, pois acredita que sua pesquisa não está acabada. E, mesmo sobre as conclusões a que já chegou, diz que “não há o que ser dito, pois é óbvio”, com a clareza daquilo que dá certo que, naturalmente, nos salta aos olhos.
Nas palavras do próprio Ernst Gotsch, escritas em seu livro Homem e Natureza: “A Agricultura
Sintrópica é uma tentativa culta de conseguir o necessário daquilo que precisamos para nos
alimentarmos, além das outras matérias primas essenciais para nossa vida, sem a necessidade
de diminuir e empobrecer a vida no lugar, na terra. Isto implica em considerarmos um gasto
mínimo de energia, onde não cabe maquinaria pesada, agrotóxicos, fertilizantes químicos e
outros adubos, trazidos de fora do sistema. A agricultura, dessa forma, passa a ser uma
tentativa de harmonizar as atividades humanas com os processos naturais de vida, existentes
em cada lugar que atuamos. Para conseguirmos isto é preciso que haja em nós mesmos uma
mudança fundamental, uma mudança na nossa compreensão da vida.”
E aqui seguem dois documentários curtos sobre o trabalho de Ernst Gotsch na Agricultura Sintrópica:
Vídeo: A vida em sintropia
Vídeo: Agricultura sintrópica, por Ernst Gotsch
(*) Dayana Andrade é formada em Comunicação pela UNESP, onde também concluiu mestrado em Estudos Literários. Foi ela quem, em 2011, idealizou o site Agenda Gotsch e hoje divide seu tempo entre o projeto, sua plantação e um doutorado em Ciências Ambientais e Conservação pela UFRJ.
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/268350/Sintonia-com-a-vida-A-agricultura-sintr