O navio Polarstern e a missão Mosaic
O Polarstern é um navio que leva a bordo dezenas de cientistas das mais diversas áreas. Ele permanecerá durante um ano prisioneiro dos gelos árticos, fazendo-se arrastar pelas correntes marítimas, para cumprir uma missão científica sem precedentes. Entre os seus objetivos está o estudo do progressivo derretimento da banquisa polar, causado pelas mudanças climáticas atualmente em curso.
Por: Equipe Oásis
Levando a bordo uma verdadeira cidade da ciência, o Polarstern, navio quebra-gelo alemão está navegando praticamente à deriva, entre os gelos do Oceano Ártico, na altura do 85° paralelo Norte. A viagem acontece na escuridão da noite polar: nesta altura do outono no Hemisfério Norte, perto do polo o Sol já não surge acima do horizonte.
É o início da aventura científica do Polarstern, que permanecerá até o próximo outono (2020) bloqueado na banquisa, ancorado em algum ponto previamente selecionado da imensa calota de gelo. Trata-se da maior expedição científica ao Ártico jamais realizada: a missão MOSAIC (Multidisciplinary drifting Observatory for the Study of Arctic Climate, https://mosaic-expedition.org/) partiu do porto de Tromsö, na Noruega, a 20 de setembro último, rumo ao Norte.
O Polarstern a caminho do lugar onde permanecerá estacionado durante um inteiro ano.
As muitas pesquisas que serão feitas pelos cientistas, nos vários laboratórios instalados a bordo da Polarstern e na estação científica flutuante montada nas proximidades sobre a calota de gelo serão desenvolvidas num contexto multidisciplinar. Que respostas poderão nos dar a respeito das mudanças climáticas atualmente em curso no planeta? Que coisas poderão revelar sobre como está reagindo essa área ao aquecimento global?
O papel das nuvens
Muitas mensurações efetuadas pelos cientistas da Expedição MOSAIC serão relativas à atmosfera, que será examinada desde os seus níveis mais baixos até a estratosfera. Serão fundamentais para compreendermos melhor os efeitos das mudanças climáticas, que em nenhum outro lugar da Terra são tão maciças e evidentes como no Ártico. Basta pensar que neste ano de 2019, em setembro, a extensão dos gelos no final do verão atingiu o seu menor número desde que a calota é observada por satélites, atingindo, como em 2012, a área de 4,15 milhões de quilômetros quadrados.
Os pesquisadores também estudarão o comportamento e o papel das nuvens e as trocas de energia entre o oceano e a atmosfera. “Analisar em detalhe os mecanismos ligados às nuvens, e como eles estão mudando, será essencial para o desenvolvimento de modelos climáticos mais acurados”, informa Matthew Shupe, da University of Colorado e do Noaa Earth System Research Laboratory (EUA), um dos organizadores da expedição MOSAiC. “Consideramos que a cobertura de nuvens possui dois efeitos que “competem” entre si: de um lado, durante o verão ela resfria a superfície, porque funciona como um escudo contra a radiação solar; de outro lado, durante o inverno ela aquece a superfície ao aprisionar o calor, funcionando como se fosse um imenso cobertor. Na atualidade, esse segundo efeito, de aquecimento, é em seu conjunto dominante no Ártico, ao contrário daquilo que acontece no resto do planeta. Queremos compreender melhor esse balanço, estudando-o no transcorrer das diversas estações do ano”, completa Shupe.
O navio quebra-gelo alemão Polarstern.
Um radar voltado para as nuvens
Para as análises, serão usados balões-sonda que atravessarão a atmosfera até as suas camadas mais altas, balões com capacidade de frear em altitudes determinadas, drones, e também outros instrumentos como o radar. Um radar especial, pensado particularmente para o estudo das nuvens, foi instalado no Polarstern.
Todas essas ferramentas servirão para o estudo de vários fenômenos. “Por exemplo, eu estou particularmente interessado em um tipo de nuvem presente no Ártico: são as nuvens de fase mista, nas quais encontramos água e gelo ao mesmo tempo. Dito de modo simples, isso acontece porque o Ártico é muito limpo: na sua atmosfera não existem partículas, que são aquelas ao redor das quais o gelo se forma, e isso faz com que a água permaneça em estado líquido até mesmo em temperaturas muito abaixo do ponto de congelamento”, esclarece Shupe.
Na banquisa podem se abrir fendas que se alargam, tornando-se verdadeiras rupturas.
Fendas no pavimento glacial
Um outro importante campo de pesquisa serão as trocas de energia entre o oceano e a atmosfera, separados apenas por uma crosta de gelo relativamente muito fina. No Ártico, muitas vezes, a temperatura do ar pode ser de cerca 45 graus negativos, enquanto o oceano é muito mais quente, pouco abaixo de zero grau (a água do mar, salgada, congela a 1,8 graus negativos). Na prática, para a atmosfera do Ártico, é como ter um sistema de aquecimento embaixo do assoalho. A questão é que, aqui e ali, esse pavimento se rompe: no gelo, que está em constante movimento, abrem-se fissuras, fendas, e esses canais de água permitem que calor e umidade “escapem” diretamente para a atmosfera.
E, falando de fissuras no gelo, existe o risco de que o pavimento de gelo se rompa bem sob os pés dos cientistas que estão caminhando e trabalhando nessa superfície. “Mas, por sorte, as fendas não se abrem improvisamente: podemos perceber quando elas começam a se formar”, esclarece Shupe. Ele, há poucos dias, viveu na prática essa experiência, quando uma fenda se abriu bem no lugar onde o cientista estava instalando equipamentos. A fenda se fez anunciar por um ruído de estalos secos e um tremor no solo.
O Polarstern fixado à superfície congelada do mar.
Visões submarinas
Claro, o próprio gelo também será objeto de estudos. “A camada de gelo no Ártico constitui uma fina separação entre o oceano e a atmosfera, porém ela limita as trocas entre as duas massas. Pensamos por exemplo no fato que, se não existe gelo, toda a energia do sol chegará diretamente ao mar, sem ser refletida”, diz Christian Katlein, um outro cientista que faz parte da equipe.
Uma Amazônia oceânica
Por mais extrema e desolada que possa parecer, a área recoberta de gelo ao redor do Polo Norte está cheia de vida, microscópica e não. Com a Expedição MOSAIC os pesquisadores terão uma oportunidade única para estudá-la. Como explica Carin Ashjian, da Woods Hole Oceanographic Institution (EUA), cientista da expedição: “Eu, por exemplo, me ocupo particularmente do zooplâncton, o conjunto daqueles pequenos animais transportados pelas correntes marítimas. Temos pouquíssima informação a respeito da sua vida no Ártico central, durante o inverno. Queremos saber como eles vivem nas diferentes estações, o que comem, qual a quantidade deles. E espero também descobrir novas espécies”.
Também será muito importante o estudo do fitoplâncton, o conjunto de algas microscópicas e bactérias capazes de fazer a fotossíntese, que é a base da cadeia alimentar. E não apenas: “O fitoplâncton é como a Amazônia: captura anidrido carbônico e libera oxigênio”, diz Ashjian. «É, portanto, muito importante estudar como ele está reagindo a um Ártico mais quente e com menor cobertura glacial”.
Dois ursos polares se aproximaram da nave: naquele momento, não havia ninguém sobre o gelo. Quando os cientistas trabalham sobre a banquisa, existem sempre “guardas anti-urso” que vigiam pela segurança deles. Os ursos curiosos que se aproximam são afastados com o uso de pistolas de sinalização, cujos disparos não matam, porém assustam os animais. Foto: Mosaic
Um outro projeto da MOSAIC é ligado aos peixes. “Não sabemos exatamente quais espécies vivem nesse meio ambiente. O Ártico central é maior que o Mediterrânreo e compreende bacias profundas foara do limite das águas dos países costeiros”, explica Pauline Snoeijs-Leijonmalm. “Para isso usaremos longas linhas de pesca com centenas de anzóis. Usaremos também redes: pescados alguns exemplares, veremos por exemplo o que eles comem, quais são suas migrações, etc”.
Naturalmente, se estudará também o próprio oceano: com estudo sobre as correntes marítimas que nele se movem, as quais podem transportar água mais quentes ou ricas de nutrientes através do Ártico.
Uma foto da missão MOSAIC atualmente em curso: os cientistas estão preparando a “cidade do oceano”, uma área dedicada à pesquisa diretamente sob as águas. Na foto, cientistas cavam um buraco de 1,4 por 1,4 metros na calota através da qual vários aparelhos serão lançados ao mar.
No site do projeto MOSAIC, que é constantemente atualizado, você poderá acompanhar o dia-a-dia da missão MOSAIC. Clique no link: https://follow.mosaic-expedition.org/
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