O que a ciência realmente sabe sobre a alma
Por Rodrigo Aben-Athar
-maio 31, 2016
25
Créditos da Imagem: Vice.
Publicado por Stephen Cave na Skeptic
Traduzido por Rodrigo Aben-Athar
Nathalie tinha uma séria hemorragia. Sentia-se fraca, com frio e a dor no seu abdômen era excruciante. A enfermeira correu para chamar o doutor, mas até que estivessem de volta ela já estava se entregando. O doutor gritava instruções quando de repente a dor cessou. Ela sentia-se livre – e se encontrava flutuando sobre a cena, observando a intensa atividade sobre seu corpo, agora inerte.
“Nós a perdemos”, ela ouviu o doutor dizer, mas Nathalie já seguia seu caminho para cima, em direção a um túnel de luz. Ela primeiro sentiu uma aflição de ansiedade por deixar seu maridos e filhos, mas logo foi sobrecarregada por um sentimento de profunda paz; um sentimento de que tudo ficaria bem. Ao final do túnel, uma figura de puro brilho a esperava com os braços abertos.
Isto, ou algo parecido, é como milhões imaginam como será quando morrer. Em 2009, mais de 70 por cento dos americanos disseram que, como Nathalie, possuem uma alma que sobreviverá à morte de seus corpos. [1] Essa cifra pode ser muito maior depois do sucesso fenomenal de dois recentes livros que descrevem experiências de quase-morte: o primeiro do inocente Todd Burpo, de 4 anos de idade, o outro do oposto: um cientista de Harvard e ex-cético, o neurocirurgião Dr. Eben Alexander. [2] Ambos argumentam que quando seus cérebros deixaram de funcionar, suas almas flutuaram em direção a um lugar melhor.
Essa é uma visão atraente e um grande consolo para aqueles que perderam seus entes ou contemplam sua própria moralidade. Muitos também acreditam que essa visão está além do alcance da ciência, numa dimensão diferente onde microscópio nenhum pode analisar. Dr. Alexander, por exemplo, disse em uma entrevista do New York Times: “Nosso espírito não depende de nosso cérebro ou corpo; ele é eterno e ninguém tem uma frase sequer que evidencie que ele não é”. [3]
Mas ele está errado. As evidências da ciência, quando reunidas a um antigo argumento, sustentam um poderoso caso contra a existência de uma alma que pode carregar adiante nossa essência em face à falha do corpo. Esse caso apresenta-se assim: com modernas tecnologias de captura de imagens do cérebro, nós hoje podemos ver como especificamente localizados traumas cerebrais pode danificar ou até destruir aspectos mentais de uma pessoa. Essas são um tipo de disfunção que Oliver Sacks trouxe ao mundo em seu livro O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu. [4] O personagem do título era um homem lúcido, um inteligente professor de música, que perdeu sua habilidade de reconhecer rostos e outros objetos familiares por conta de um dano em seu córtex visual.
Desde então, incontáveis exemplos de tal disfunção foram documentados – ao ponto de que cada parte da mente pode agora ser vista falhar quando alguma parte do cérebro falha. O neurocientista Antonio Damasio estudou muitos desses casos. [5] Ele registrou uma vítima de um acidente vascular encefálico, por exemplo, que perdeu qualquer capacidade de sentir emoções; pacientes que perderam toda a criatividade após uma cirurgia cerebral; e outros que perderam a habilidade de tomar decisões. Um homem com tumor cerebral perdeu o que chamaríamos de seu caráter moral, tornando-se irresponsável e desprezando normais morais. Eu vi algo similar em meu próprio pai, que também tinha um tumor cerebral que lhe causou mudanças profundas em sua personalidade e habilidades antes que finalmente o matasse.
O ponto crucial desse desafio é este: aqueles que acreditam possuir uma alma que sobreviverá à morte do corpo, em geral acredita que essa alma lhes permitirá, como Nathalie na história acima, ver, pensar, sentir, amar, raciocinar e fazer muitas outras coisas apropriadas para uma pós-vida feliz. No entanto, se cada um de nós tem uma alma que nos permita ver, pensar e sentir após a total destruição do corpo, por que, em casos de disfunção documentados por neurocientistas, estas almas não nos permitem ver, pensar e sentir quando apenas uma pequena porção do cérebro foi destruída?
Para deixar claro o argumento, podemos tomar como exemplo a visão. Se seus olhos ou nervos ópticos em seu cérebro forem suficientemente danificados, você ficará cego. Isso nos diz claramente que a faculdade da visão é dependente de olhos e nervos ópticos em funcionamento.
Ainda assim, curiosamente, quando muitas pessoas imaginam suas almas deixando seus corpos, ela imaginam serem capazes de ver – como Nathalie, admirando seu próprio cadáver, envolvo por médicos frenéticos. [6] Elas acreditam, portanto, que suas almas podem ver, mas se a alma pode ver quando cérebro e corpo deixam de funcionar, por que, no caso de danos ao nervo óptico, ela não pode ver quando apenas parte do cérebro e corpo deixam de funcionar? Em outras pessoas, se pessoas cegas possuem alma, por que elas continuam cegas?
O iminente teólogo São Tomás de Aquino, ao escrever 750 anos atrás, acreditava que não haveria resposta satisfatória a essa pergunta. [7] Sem o corpo – sem olhos, orelhas e nariz – ele acreditava que a alma seria privada de todos os sentidos, esperando cegamente a ressurreição da carne para tornar-se inteiro outra vez. Aquino concluiu que a alma sem corpo teria apenas os poderes que (em sua visão) não dependesse de órgãos corporais: faculdades como a razão e o intelecto.
Agora podemos ver que essas faculdades são tão dependentes de um órgão corporal – o cérebro – como a visão é dependente dos olhos. Diferente dos tempos de Aquino, nós agora podemos manter vivas muitas pessoas com danos cerebrais e usar dispositivos de imagens neurais para observar as correlações entre os danos e seu comportamento; e observamos que a destruição de certas partes do cérebro pode destruir as faculdade cognitivas que um dia pensou-se pertencer à alma. Então, se Aquino tivesse as evidências da neurociência diante de si, podemos imaginar ele próprio teria concluído que essas faculdades também cessam, uma vez que o cérebro para.
De fato, evidências agora mostram que tudo o que a alma supostamente poderia fazer – pensar, lembrar, amar – falha quando uma parte relevante do cérebro falha. Até a própria consciência – de outro modo não haveria anestesia geral. Uma seringa carregada de química é suficiente para extingui-la. Para qualquer um que acredite em algo como a história de Nathalie – que a consciência pode sobreviver à morte do corpo – este é um fato desconcertante. Se a alma pode sustentar nossa consciência após a morte, quando o cérebro desliga-se por completo, por que ela não pode fazê-lo quando o cérebro apenas desliga temporariamente?
Alguns defensores da alma tentaram, é claro, responder a essa questão. Eles argumentam, por exemplo, que a alma necessita de um corpo funcional neste mundo, mas não no próximo. Uma visão seria a de que a alma é um transmissor e o corpo, um receptor – algo como uma estação e um aparelho de TV. (Apesar de nosso corpo ser também a fonte da absorção sensorial, o que nos levaria a imaginar um aparelho de TV que também tem sua própria câmera para alimentar a estação.)
Sabemos que se danificarmos nosso aparelho de TV, teremos uma imagem distorcida e se o quebramos, não teremos imagem alguma. Um observador incauto poderia imaginar que a programação foi interrompida, mas sabemos que ela, na realidade, continua sendo transmitida, que o verdadeiro transmissor está de fato em outro lugar. De modo similar, a alma poderia continuar mandando seu sinal, ainda que o corpo já não estivesse lá para recebe-lo.
Essa resposta soa sedutora, mas ajuda muito pouco. Primeiro, ela não se dirige de maneira alguma ao argumento principal: a maioria dos que creem esperam que suas almas sejam capazes de carregar sua vida mental adiante, com ou sem o corpo; isso é como dizer que o sinal de TV às vezes precisa de um aparelho para transformá-lo em imagem, mas uma vez que o aparelho é arruinado, o sinal pode criar imagens por si mesmo; mas se ele pode criar imagens por conta própria, por que algumas vezes ele pode agir através de um aparelho instável?
Segundo, mudanças em nossos corpos impactam nossas mentes de maneira que não são análogas à maneira como um defeito em um aparelho de TV altera sua saída, mesmo que levemos em conta danos à câmera também. A analogia com a TV alega que há algo que permanece intocável por tal defeito, algo como um transmissor independente que preserva a real programação mesmo que distorcida por esse dano; mas isso é precisamente o que as evidências da neurociência acabam enfraquecendo. Enquanto um defeito ao aparelho de TV ou câmera pode tornar o sinal distorcido ou turvo, danos ao nosso cérebro pode alterar profundamente nossas mentes. Como destacamos acima, tal dano por até alterar nossas noções morais, ligações emocional e a maneira como raciocinamos.
O que sugere que não somos nada como uma televisão, mas mais parecidos, por exemplo, com uma caixa de música: a música não vem de qualquer outro lugar, senão do funcionamento da própria caixa. Uma vez danificada a caixa, a música é debilitada e se a caixa é inteiramente destruída, a música cessa para sempre.
Há muito sobre a consciência que ainda não entendemos. Estamos apenas começando a decifrar seus mistérios e talvez jamais consigamos, mas tudo o que as evidências que temos sugerem que as maravilhas da mente – até as experiências pós-morte e extra-corpóreas – são resultado das atividades dos neurônios. Ao contrário das crenças da vasta maioria do planeta, de hindus a espiritualistas New Age, a consciência depende do cérebro e compartilha do seu destino até o fim.
leia mais em
https://universoracionalista.org/o-que-a-ciencia-realmente-sabe-sobre-a-alma/