Professor Alister McGrath
Tradução: Pedro Silva
Revisão: Adria Marcuz
“O sol se põe dia a dia. O Criador exibe seu poder; e mostra para toda a terra o trabalho de suas mãos”. Essas palavras foram escritas por Joseph Addison em 1712, quando ele concluiu um artigo na revista The Spectator e para a surpresa do autor foi nos hinários da língua inglesa que ele encontrou seu caminho. A prosa e a poesia de Addision tomavam a forma da reflexão sobre o Salmos 19: 1 “os céus declaram a glória de Deus”. Suas palavras ecoam uma questão que continua a nos intrigar, talvez porque nunca tenha sido definitivamente respondida: até que ponto as maravilhas do mundo natural, quer pensemos no céu noturno estrelado que Addison podia ver tão claramente de seus aposentos no Magdalen College, ou no arco-íris que tanto empolgou os poetas românticos, apontam além de si mesmos, para algo ou para alguém além do mundo que podemos ver, ouvir e tocar? Muitos de nós conhecem as linhas críticas da razão prática do filósofo Kant (1788), que seus colegas organizaram para ser colocada em sua lápide: “Duas coisas preenchem a mente com admiração sempre novas e crescentes e com maior frequência e firmeza refletimos sobre elas: os céus estrelados acima de mim e a lei moral dentro de mim”.
A reflexão de Kant está em uma longa e distinta tradição. Desde que a história começou, as pessoas ficaram encantadas com a maravilha do céu à noite. Poucos fracassaram em ser subjugados pela solene quietude dos céus repletos de estrelas. Os grandes astrônomos da antiga Assíria e Babilônia traçaram o lento movimento dos planetas através dos céus, imaginando se poderiam de alguma forma moldar o mistério do destino humano. Os antigos gregos viram padrões nas estrelas e nomearam essas constelações de acordo com seus heróis. Órion, o grande caçador, Pégaso, o cavalo voador, e Andrômeda, a heroína condenada. Os próprios céus eram espelhos dos grandes eventos que haviam moldado a história no passado e tinham o potencial de moldá-la novamente no futuro.
Muitos cientistas criticam a astrologia, ou seja, a ideia de que o sol, a lua, os planetas e as estrelas exercem alguma influência profunda sobre o destino humano. E enquanto compartilho essas críticas, percebo que temos que observar que foi o interesse pela astrologia que levou ao estudo detalhado dos movimentos dos planetas e, portanto, estimulou a ascensão da ciência que hoje chamamos de astronomia. O filólogo clássico Franz Boll sugeriu que “a astrologia tentou ser uma religião e uma ciência ao mesmo tempo que define sua essência” [1]. Tanto o Antigo como o Novo Testamento subverteram a astrologia por sua insistência em mostrar que o sol, a lua e as estrelas eram parte da ordem criada por Deus e, como tal, não deveriam ser adorados nem temidos.
Existe uma ligação interessante com a astrologia no Novo Testamento. Estamos familiarizados com a “estrela de Belém”, que é relatada no Evangelho de Mateus. Que conta a história de três “magos do oriente” que viram uma estrela e interpretaram como um sinal anunciando o nascimento de um novo “rei dos judeus”. Os magos eram provavelmente astrólogos persas. Se assim for, a “estrela de Belém” pode não ser uma nova estrela que apareceu no céu noturno, mas provavelmente era uma conjunção dos planetas que foi interpretada como sendo um significado astrológico.
Os céus estrelados eram lindos, mas também eram úteis. Os antigos egípcios aprenderam a prever a inundação anual do rio Nilo, que tinha uma importância tão central para a agricultura da nação, ao observar a ascensão da estrela que conhecida como Sirius. Os árabes desenvolveram o astrolábio como uma maneira de determinar a posição de um navio com referência nas estrelas, permitindo que os marinheiros traçassem seu curso através dos oceanos.
No entanto, não é todas as pessoas que experimentam um sentimento de admiração ao contemplar os céus estrelados. Para alguns, os pontos solitários de luz contra o veludo escuro da noite demonstram solidão e inutilidade. Essas mesmas estrelas testemunharam gerações e impérios humanos ascendendo e decaindo. As mesmas estrelas brilharam sobre todos eles. As mesmas estrelas brilharam enquanto geração após geração floresceram e passaram a virar pó. Como o poema Brook de Tennyson, eles nos lembram da brevidade da vida humana:
“Para os homens podem vir e os homens podem ir, mas eu continuo para sempre. Os céus aumentam assim nosso senso de transitoriedade, forçando-nos a perguntar se esta vida é tudo que podemos esperar. Há mais na vida do que sabemos? E o testemunho silencioso dessas estrelas distantes pode nos ajudar a encontrá-lo?”.
O Rubáiyát de Omar Khayyám, uma das mais belas obras da literatura persa, escrita por volta de 1120, há uma expressão e um profundo sentimento de desânimo evocado pela contemplação dos céus. Os interesses intelectuais de Khayyám eram amplos e seus cálculos astronômicos estavam muito à frente de seu tempo. No entanto, suas reflexões dos céus parecem ter sido sóbrias, em vez de animadoras. Nós somos impotentes para mudar nosso destino. O sol, a lua e as estrelas declaram nossa transitoriedade e aparente incapacidade de mudar nossa situação. Na tradução de Edward FitzGerald (1809–1883) segue uma das mais conhecidas “rubai” que em persa significa quadra: “Essa tigela invertida chamamos de “o céu”, onde estamos rastejando nós vivemos e morremos. Não levantes as tuas mãos para isto para ajuda – para isto, rolando impotentemente como tu ou eu”.
As estrelas podem ser um símbolo melancólico da vastidão do universo e do nosso significado absoluto dentro dele. Talvez os planetas em órbita lenta sejam os mestres secretos do nosso destino, que nos influencia de maneiras que não poderíamos entender, muito menos a resistir. As estrelas podem evocar uma sensação indescritível de anseio por algo que parece inatingível, porém o céu pode aumentar este anseio, mas não pode satisfazer. Talvez as estrelas apontem para algo misterioso ou insondável, que de alguma forma está além delas. Algo que parece estar além dos orbes sussurrantes da noite. Mas o que? E como pode ser conhecido?
Perguntas como essas intrigaram as pessoas desde que a raça humana começou a pensar. Talvez estas sejam perguntas inúteis, reflexões de pessoas que não conseguem lidar com o pensamento sóbrio da mortalidade e a falta de sentido. No entanto, talvez tenhamos a intenção de tais pensamentos. Talvez o espetáculo do céu noturno deve desencadear padrões ambivalentes e inquietantes dentro de nós e assim uma porta se abre para uma nova maneira de pensar e viver. Parece que fomos criados para fazer perguntas e para tentar entender o que vemos ao nosso redor e também como nos encaixamos no esquema maior das coisas.
À medida que refletimos sobre a maravilha do universo, encontramos questões sendo levantadas em nossas mentes que nos desafiam e estimulam. Parece haver algum desejo inerente ao propósito que nos leva a procurar pistas sobre o significado do universo. Contemplamos a glória do céu, imaginando se a beleza silenciosa das estrelas poderia iluminar o enigma do destino humano. Nossa visão da vida, nossa maneira de ver o mundo e de conceber a realidade, é o meio de abrir uma porta para onde realmente pertencemos, para nossa terra natal? Nossa verdadeira terra natal está em algum lugar, além deste mundo? Contemplamos a beleza de um pôr do sol glorioso, enquanto nos perguntamos se a sensação de beleza que desperta dentro de nós é, de alguma forma a indicação de outro mundo mais maravilhoso que ainda vamos descobrir. Em 1824 Shelley fez um poema sobre isso:
“O desejo da mariposa pela estrela, da noite do dia seguinte. A devoção a algo longe da esfera da nossa tristeza”.
Podemos, portanto, ouvir como um distinto astrônomo discursa sobre a extraordinária ordenação do cosmo e nos perguntar se isso poderia nos levar a descobrir a mente de Deus. O piloto e poeta da Segunda Guerra Mundial John Gillespie Magee (1921-41) viu que voar acima da terra é uma imagem de uma jornada mais profunda: “Eu escorreguei nas amarras da terra. E dancei os céus em asas prateadas do riso… Estendi a mão e toquei o rosto de Deus”.
Será que nossas esperanças e medos nos permitem fazer o mesmo? Ou somos como a mariposa que se sente atraída pela luz distante de uma estrela, mas não tem esperança de alcançar este objetivo distante e solitário?
O senso de maravilha evocado pelos céus estrelados ou o arco-íris, portanto, atua como um ponteiro para algo mais profundo, algo além do nosso alcance, mas para o qual nós desejamos o que pode facilmente se tornar um anseio doloroso e doentio. Esse “desejo melancólico e choroso” (Matthew Arnold), cercado por uma indefinição nebulosa, é fundamentalmente um anseio de ser reconectado com algo no universo, do qual nos sentimos agora isolados, do lado de dentro de alguma porta que sempre vemos do lado de fora. Essa sensação de anseio não é tanto um julgamento racional baseado na ordenação do universo, como um encontro imaginativo com o mundo, abrindo a questão de seu significado mais profundo.
Como argumentou George MacDonald, esse tipo de encontro com a realidade “é estimulado por fatos e é alimentado por fatos, busca leis mais altas e ainda mais altas nesses fatos; mas recusa-se a considerar a ciência como o único intérprete da natureza, ou das leis da ciência como a única região de descoberta”. A ciência pode nos dar acesso à verdade; mas pode iluminar o significado?
Lembrei de uma imagem. Ela é bem conhecida e abre lindamente algumas perguntas que quero explorar. Isso é frequentemente descrito como uma xilogravura medieval que mostra a visão de mundo da sua idade. Ao estudar os céus, somos capazes de ver além do mundo das aparências algo mais profundo e significativo que passa além, talvez ouvindo a “música das esferas”. Na verdade, acredita-se que essa é uma invenção do século XIX, que foi produzida para a obra L’atmosphère: météorologie populaire, de 1888, de Camille Flammarion. Ele acabou se tornando o principal astrônomo da França, foi originalmente aprendiz de lenhador quando era jovem, antes de mudar de carreira. Ele desenvolveu suas próprias ilustrações nos seus trabalhos. A legenda que acompanha esta ilustração diz: “Um missionário medieval relata como ele encontrou o ponto em que o céu e a Terra se tocam” [2].
O ponto a considerar é o seguinte: os céus são um objeto de estudo ou uma porta de entrada para o transcendente? Alguns podem com razão objetar que isso parece excluir a possibilidade de ambos serem e aceito essa crítica. Mas para meus propósitos é mais fácil abordar como duas possibilidades distintas. Começamos examinar os grandes debates astronômicos dos séculos XVI e XVII e tentamos provocar nossa importância científica e religiosa. Um dos elementos mais importantes da cosmovisão medieval era a crença de que o sol e outros corpos celestes, como a lua e os planetas, giravam em torno da Terra. Essa visão “geocêntrica” do universo era tratada como evidentemente verdadeira, simplesmente porque não havia razão para pensar o contrário. A Bíblia então veio a ser lida ou interpretada à luz dessa crença, com suposições geocêntricas sendo levadas à interpretação de várias passagens. A maioria das línguas vivas ainda testemunha essa visão de mundo geocêntrica. Por exemplo, mesmo no inglês moderno, é perfeitamente aceitável afirmar que “o sol nasceu às 7h33” – apesar do fato de que isso reflete na crença de que o sol gira em torno da Terra. Como verdade ou falso o modelo geocêntrico do sistema solar, fazia pouca diferença na vida cotidiana pois havia pouco interesse popular.
O modelo do universo que foi mais amplamente aceito durante o início da Idade Média foi idealizado por Claudius Ptolemy, um astrônomo que trabalhou na cidade egípcia de Alexandria durante a primeira metade do segundo século. Em seu Almagesto, Ptolomeu reuniu ideias existentes sobre os movimentos da lua e planetas, e argumentou que estas poderiam ser entendidas com base nas seguintes hipóteses: (1) A terra está no centro do universo; (2) Todos os corpos celestes giram em caminhos circulares ao redor da terra e (3) Essas rotações assumem a forma de movimento em um círculo, cujo centro, por sua vez, se move em outro círculo. Esta ideia central, que originalmente era devido a Hiparco, é baseada na ideia de epiciclos – isto é, movimento circular imposto ao movimento circular.
A observação cada vez mais detalhada e precisa do movimento dos planetas e estrelas causou dificuldades crescentes para essa teoria. Inicialmente, as discrepâncias poderiam ser acomodadas pela adição de epiciclos adicionais. No início do século XVI, o modelo era tão complexo e pesado que precisava claramente de revisão. Então, só precisava de mais modificações? Ou precisou de uma revisão radical?
Durante o século XVI, o modelo geocêntrico do sistema solar foi gradualmente abandonado em favor de um modelo heliocêntrico, que mostrava o sol no centro, com a Terra sendo vista como um dos vários planetas que orbitam em torno dela. Isso representou um afastamento radical do modelo existente e deve ser considerado como uma das mudanças mais significativas na percepção humana da realidade ocorrida no último milênio. Embora seja costumeiro referir-se a essa mudança de pensamento como “a revolução copernicana”, é geralmente aceito que três indivíduos foram de grande importância para a aceitação dessa mudança.
Nicholas Copernicus (1473-1543), um erudito polonês, argumentou que os planetas se moviam a velocidades constantes em círculos concêntricos ao redor do sol. A terra, além de girar em torno do sol, também girava em seu próprio eixo. O movimento aparente das estrelas e dos planetas era assim devido a uma combinação da rotação da terra em seu próprio eixo e sua rotação ao redor do sol. O modelo possuía uma simplicidade e elegância comparado com o modelo ptolemaico que ficou cada vez mais pesado. No entanto, ainda se mostrou incapaz de explicar todos os dados observados conhecidos. O novo modelo radical de Copérnico simplesmente não foi capaz de explicar os dados, apesar de sua elegância e simplicidade conceitual, devido à sua suposição falsa de que as órbitas eram necessariamente circulares. Esta suposição, curiosamente, parece ter derivado da geometria euclidiana clássica; Copérnico nunca se libertou completamente das formas de pensar clássica grega. Os círculos eram figuras geométricas perfeitas, enquanto as elipses eram distorcidas. Por que a natureza deve fazer uso da geometria deformada?
Esta visão heliocêntrica do sistema solar causou controvérsia, tanto científica quanto religiosa. As pessoas estavam tão acostumadas a pensar no sol girando ao redor da terra que acharam essa nova maneira de pensar inquietante e perturbadora. Certamente a Bíblia ensinou o contrário? No Salmos 119: 90 não declarou que Deus “estabeleceu a terra e permanece quieta”? Então, como isso se encaixou na nova ideia radical de Copérnico de que a Terra se movia? No entanto, logo percebeu que isso não era exatamente o que o texto significava. Uma tradução melhor foi facilmente proposta: Deus havia “estabelecido a terra e ela permanece firme”.
Nem todo mundo gostou dessa nova maneira de ver as coisas. A verdadeira oposição a Copérnico veio de outros cientistas, não de pessoas religiosas. Houve dois grandes problemas com a teoria de Copérnico. Primeiro, não levou em conta os movimentos planetários com uma precisão muito maior do que o modelo de Ptolomeu. A razão para isso foi simples. Copérnico erroneamente assumiu que os planetas se moviam em círculos perfeitos ao redor do sol. Agora sabemos que eles se movem em eclipses, círculos um pouco achatados, com o sol ligeiramente deslocado de seus centros. Esse insight surgiu décadas depois, como resultado de um estudo mais aprofundado de Johannes Kepler sobre o movimento do planeta Marte no início do século XVII.
Em segundo lugar, se a teoria de Copérnico estava correta, isso significava que a aparência das estrelas fixas deveria mudar ao longo do período de um ano. À medida que a Terra se movia através do espaço, esperava-se que as posições relativas das estrelas fixas mudassem. Isso foi investigado pelo grande astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que não encontrou evidências desse “efeito paralaxe”.
Agora sabemos o motivo da falha de Brahe em observar esse efeito. As estrelas estão muito mais distantes do sol do que qualquer um percebeu na época, e o efeito muito pequeno de paralaxe – invisível a olho nu – só foi observado como resultado de melhorias no design do telescópio no início do século XIX. Brahe concluiu que a evidência apontava para o sol girando em torno da terra, e não o contrário. Precisamos perceber que a interpretação de Brahe da evidência observacional estava na verdade correta com base nas evidências disponíveis a ele naquele momento.
Agora, falamos muito alegres do “sistema solar” e pensamos na Terra como um dos planetas que orbitam o sol. Não é mais controverso. No entanto, a observação dos céus levanta novas questões, que têm enorme importância religiosa. Vamos começar pensando em uma pergunta simples: por que o céu está escuro à noite? Nossa resposta inicial pode ser igualmente simples: porque o sol não está brilhando. Ou, colocando com mais precisão, porque a rotação da terra bloqueia a luz do sol, permitindo que as estrelas sejam vistas. Afinal, as estrelas ainda estão lá, mesmo à luz do dia – é só que a luz fraca delas é dominada pela luz do sol. No entanto, em 1826, Heinrich Wilhelm Olbers apontou que era realmente muito estranho que o céu estivesse escuro à noite.
Olbers assumiu que o universo é estático, uniforme e infinito. Isso significa que a Terra será bombardeada com luz emitida pelas estrelas da galáxia. Quanto mais distantes as estrelas, mais fraca a luz. No entanto, quanto maior a distância da Terra, maior o número de estrelas que existem a essa distância. Os dois fatores anulam-se mutuamente, significando que a emissão de luz recebida de um conjunto de estrelas a qualquer distância é independente desta distância e, portanto, cada ponto no céu deve aparecer igualmente claro. E se o nosso sol pode ser considerado uma estrela “média”, então cada ponto no céu deve aparecer tão brilhante quanto o sol, sobrecarregando o seu brilho. Assim, não deve haver diferença significativa entre o brilho do céu à noite e durante o dia.
Então imagine que a Terra esteja no centro de uma série de conchas concêntricas imaginárias, cada uma com a mesma espessura. Se a espessura de cada concha é muito menor que seu raio, então o número de estrelas contidas dentro daquela concha é proporcional ao quadrado de seu raio. No entanto, a intensidade da luz recebida na Terra é inversamente proporcional ao quadrado da distância da estrela à terra. Isso significa que, assumindo uma distribuição uniforme de estrelas, e que se pode falar de um brilho “médio”, cada uma dessas camadas hipotéticas emitirá a mesma quantidade de luz. Cada linha de visão receberá níveis iguais de iluminação. O céu noturno deveria, portanto, ser brilhante. Exceto que não é. Então, o que deu errado com o nosso pensamento?
Uma resposta ao paradoxo de Olbers é que agora sabemos que o universo está se expandindo, de modo que as estrelas distantes são transformadas em obscuridade. A ciência medieval estava assim comprometida com a ideia da eternidade do mundo, porque essa era uma característica tão significativa do pensamento de Aristóteles. Isso coloca os teólogos cristãos em uma posição difícil. Eles gostaram de Aristóteles, especialmente suas ideias sobre método intelectual. Mas não puderam concordar com sua crença central de que o universo sempre existiu. Parecia uma diferença irreconciliável entre ciência e religião ou entre Aristóteles e Agostinho. Ambos os lados permaneceram comprometidos com suas posições, e nenhuma reconciliação foi realmente alcançada.
No final do século XIX, o consenso científico permaneceu o mesmo na questão da eternidade do universo. O grande físico sueco Svante August Arrhenius (1859-1927), que ganhou o Prêmio Nobel de química em 1903, escreveu um trabalho bestseller intitulado Mundos na Fabricação (1906). Nele defendeu um universo infinito e auto-perpetuante, sem começo nem fim, baseado parcialmente no princípio recém-descoberto da “indestrutibilidade da energia”. Arrhenius deixou clara sua “convicção fundamental de que o Universo em sua essência sempre foi o que é agora. A matéria, a energia e a vida variaram apenas quanto à forma e posição no espaço”. A matéria e a energia podem se mover pelo universo; não houve, no entanto, nenhuma mudança geral no sistema como um todo.
Essa visão estática do universo – que permitia movimentos internos de energia e matéria, mas não para originação ou decadência – permaneceu no consenso científico até o final da Primeira Guerra Mundial. Ideias religiosas da criação eram consideradas noções mitológicas ultrapassadas, sendo completamente incompatíveis com conhecimento científico de ponta. Então, lenta, mas seguramente, as evidências começaram a se acumular, sugerindo que o universo, longe de ser eterno, tinha uma origem.
Durante o período entre 1900 e 1931, os astrônomos testemunharam três mudanças dramáticas em sua visão do Universo. Primeiro, o valor aceito do tamanho do sistema estelar aumentou em um fator de dez; em segundo lugar, o trabalho de Edwin Hubble (1883-1953) levou à compreensão de que existem outros sistemas estelares além de nossa própria galáxia; e em terceiro lugar, o comportamento dessas galáxias externas indicava que o universo estava se expandindo. A expansão do universo era uma ideia difícil de aceitar na época, pois implicava claramente que o universo havia evoluído de um estado inicial muito denso, em outras palavras, que o universo tinha um começo. Alguns resistiram a tal sugestão, às vezes temendo as potenciais implicações religiosas da ideia das origens do universo. Em 1948, Fred Hoyle e outros desenvolveram uma teoria do “estado estacionário” do universo, que sustentava que o universo, embora em expansão, não poderia ter tido um começo. A matéria foi continuamente criada para preencher os vazios decorrentes da expansão cósmica. A opinião começou a mudar decisivamente na década de 1960, principalmente por causa da descoberta da radiação cósmica. Em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson estavam trabalhando em uma antena de micro-ondas experimental nos Laboratórios Bell, em Nova Jersey. Eles estavam passando por algumas dificuldades. Não importa em qual direção apontassem a antena de rádio, ela capturava um ruído sibilante indesejado e eles simplesmente não conseguiam eliminar. Sua explicação inicial para esse fenômeno era que os pombos empoleirados na antena estavam interferindo. No entanto, mesmo após a partida forçada das aves infratoras, o chiado permaneceu.
Era só uma questão de tempo antes que o significado total desse irritante assobio fosse captado. Poderia ser entendido como o “brilho” de um “big bang” – uma explosão cósmica primitiva, cuja existência havia sido proposta em 1948 por Ralph Alpher e Robert Herman. Quando vista ao lado de outras evidências, essa radiação de fundo forneceu um suporte significativo para a ideia de que o universo teve um começo e causou dificuldades para a teoria rival de “estado estacionário”.
Desde então, os elementos básicos do modelo cosmológico padrão tornaram-se claros e garantiram amplo apoio dentro da comunidade científica. Embora permaneçam em áreas significativas de debate, este modelo é amplamente aceito para oferecer a melhor ressonância com evidências observacionais. Acredita-se que o universo tenha se originado há cerca de 14 bilhões de anos, e que ele está se expandindo e esfriando desde então. As duas evidências mais significativas em apoio a essa teoria são a radiação de fundo do micro-ondas cósmica e a abundância relativa de núcleos de luz (como hidrogênio, deutério e hélio) sintetizados imediatamente após o “big bang”. Isso implica o reconhecimento de que as origens do universo devem ser reconhecidas como uma singularidade – um evento único, algo que nunca pode ser repetido e, portanto, nunca submetido à análise experimental precisa que alguns consideram característica do método científico.
Foi um desenvolvimento dramático, que causou uma mudança radical no pensamento sobre a linguagem religiosa “criação”. É frequentemente dito pelos apologistas ateus que a ciência corroeu a plausibilidade da fé no último século. E talvez possa ser verdade em alguns aspectos. Ainda em outros, é comprovadamente falso. O “modelo cosmológico padrão” ressoa fortemente com uma narrativa cristã da criação, mas não é idêntico a ela. Este ponto é importante. A narrativa cristã da criação e a narrativa científica sobre as origens do universo não são idênticas. Embora alguns cristãos tenham lido nas suas Bíblias e aprendeu que o mundo tem apenas 6 mil anos, é claro que se trata de um texto com base em uma série de suposições questionáveis, que há muito tempo são conhecidas. Os temas centrais da ideia bíblica da criação são que Deus criou o universo; que isso era “bom”; e que possuía uma ordenação que de alguma forma reflete a racionalidade divina. Há muita teologia, mas não cronologia.
A narrativa científica das origens do cosmos não é a mesma que a narrativa cristã da criação; os dois podem, no entanto, ser entrelaçados, como uma dupla hélice, para oferecer uma visão profundamente satisfatória do nosso universo. A noção teológica da criação e a noção científica da origiem não são as mesmas, pois são enquadradas em termos com diferentes estruturas conceituais de informação. No entanto, havia agora uma convergência de foco intelectual entre essas narrativas religiosas e científicas, levando a uma sinergia de possibilidades que, sem dúvida, não tinham sido possíveis por mil anos. “Criação” e “Origem” podem ser vistos como dois “mapas de significado” diferentes, dois “níveis de explicação”, para o universo. Eles não são idênticos; são, no entanto, cada vez mais vistos como complementares e mutuamente enriquecedores.
Pensando no empreendimento de olhar os céus estrelados, deixo uma pergunta, que está no coração da filosofia das ciências naturais. Quando olhamos para algo, como uma estrela ou um nascer do sol, o que vemos? Agora eu sei que isso parece uma pergunta estranha para se fazer. Mas deixe-me explicar. Os filósofos da ciência enfatizam que a observação é um processo carregado de teoria. Nós vemos o mundo através de espetáculos teóricos, mesmo que não percebemos que fazemos isso. Um observador medieval do mundo teria acreditado que o sol, a lua e os planetas orbitavam ao redor da Terra. Então, quando os observadores medievais falavam do “nascer do sol”, isso é exatamente o que eles acreditavam estar acontecendo. A terra ficou parada. O sol girou em torno da terra, e o que observamos ao amanhecer é o sol nascendo acima do horizonte, porque gira em torno da terra. Consegue entender o que estou fazendo? Para nós hoje, é claro, sabemos que a terra gira em torno do sol. Assim, sabemos que não é que o sol nasça, mas que a Terra gira sobre seu próprio eixo a cada 24 horas e, como resultado, o sol parece se elevar acima do horizonte, quando na verdade é a terra que está se movendo. Contudo, todos nós felizmente continuamos a falar do sol nascendo!
Lembre-se do arco-íris, um fenômeno natural bastante maravilhoso, que muitas pessoas acham bonito e até mesmo inspirador. Como muitos sabem, este fenômeno pode ser explicado naturalmente com base na difração da luz por gotículas de água. Essa ansiedade sobre os limites das ciências naturais em nossa busca por significado é ecoada no famoso poema de 1820 “Lamia”, no qual John Keats (1795–1821) se queixou do efeito de reduzir os fenômenos belos e impressionantes da natureza ao básico da teoria científica. Essa estratégia, argumentou ele, é esteticamente empobrecedora, esvaziando a natureza de sua beleza e mistério, e a reduz a algo frio e clínico:
“Nem todos os encantos voam. Ao simples toque da filosofia fria? Houve um terrível arco-íris uma vez no céu: Nós conhecemos sua trama, sua textura; ela é dada no catálogo maçante de coisas comuns. Filosofia vai cortar as asas de um anjo”.
Em seu importante trabalho Desvendando o Arco-íris (1998) [3], Richard Dawkins discorda de Keats. Dawkins considera a poesia de Keats como um típico absurdo anticientífico, que repousa sobre as mais frágeis fundações. Uma boa dose de pensamento científico básico teria resolvido o problema rapidamente. Por que, em Lamia, de Keats, a filosofia da regra é “fria” e por que todos os encantos fogem antes dela? O que é tão ameaçador sobre a razão? Os mistérios não perdem sua poesia quando são resolvidos. Pelo contrário; a solução muitas vezes é mais bela que o quebra-cabeça e em qualquer caso, quando você resolve um mistério acaba descobrindo outros, talvez para inspirar uma poesia maior.
Dawkins ilustra esse ponto chamando a atenção para as consequências da análise de Newton do arco-íris: A dissecação de Newton do arco-íris para a luz de diferentes comprimentos de onda levou à teoria do eletromagnetismo de Maxwell e daí à teoria da relatividade especial de Einstein. Os pontos que Dawkins faz são importantes e válidos. Talvez a estrada de Newton para Maxwell e daí para Einstein não tenha sido tão facilmente discernida e seguida quanto a prosa que Dawkins sugere, mas a conexão certamente existe. E se o desenfreamento do arco-íris levou à descoberta de tais mistérios maiores (perfeitamente capazes de serem expressos poeticamente, se os poetas pudessem pensar sobre as ideias difíceis envolvidas), então como alguém pode sugerir que foi uma coisa tola ou imprópria?
Para Dawkins, as coisas são admiravelmente claras. Os cientistas dizem a verdade, ocasionalmente em prosa menos que inspiradora; os poetas, por outro lado, detestam e desconfiam da ciência, e geralmente sabem pouco sobre isso. Dawkins acredita claramente que Keats argumenta que saber como o arco-íris funciona destruirá sua beleza, de modo que não poderemos mais apreciá-lo. Keats acreditava que Newton destruiu toda a poesia do arco-íris reduzindo às cores prismáticas. Keats dificilmente poderia estar mais errado.
A refutação de Keats por Dawkins compreensivelmente ganhou muitos aplausos de alguns de seus colegas cientistas, que receberam bem sua rejeição dos críticos que afirmam que a mensagem tediosa da ciência rouba a natureza de sua beleza e inspiração. No entanto, não posso deixar de sentir que um ponto importante foi negligenciado aqui. Pois a resposta de Dawkins a Keats é inatacável se somente a preocupação de Keats fosse neutralizar a investigação científica da natureza e se refugiar na segurança de um mundo pré-moderno. Quando Keats é lido contra o pano de fundo do movimento romântico, a crítica que ele oferece das ciências naturais começa a assumir um significado bem diferente. Longe de refutar Keats, Dawkins pode confirmar precisamente os medos que Keats expressou.
A chave para a preocupação de Keats está em sua referência ao “cortar” as asas de um anjo. Para Keats, quanto à tradição clássica em geral, o mundo natural é uma porta de entrada para o reino do transcendente. A razão humana poderia compreender pelo menos alguma coisa do mundo real, permitindo que a imaginação refletisse sobre o que significava além de si mesma. Keats (e o movimento romântico em geral) valorizava a imaginação humana, vendo isso como uma faculdade que permitia insights sobre o transcendente e o sublime. A razão, em contraste, manteve a humanidade firmemente ancorada no chão e ameaçou impedi-la de descobrir suas dimensões espirituais mais profundas. Por essa razão, precisamos valorizar a observação enigmática de C. Lewis de que, “enquanto a razão é o órgão natural da verdade, a imaginação é o órgão do significado”.
Para Keats, um arco-íris levanta o coração humano e a imaginação para cima, insinuando a existência de um mundo além dos limites da experiência. Para Dawkins, o arco-íris permanece firmemente localizado no mundo da experiência humana, não possuindo uma dimensão transcendente. O fato de poder ser explicado em termos puramente naturais é usado para negar que possa ter algum significado como indicador de um além. O anjo que foi, para Keats, destinado a levantar nossos pensamentos para o céu teve suas asas cortadas; não pode mais fazer nada, exceto espelhar o mundo dos eventos e princípios terrenos.
A rejeição vigorosa de Dawkins à religião ou qualquer busca humana pelo transcendente corresponde precisamente ao que Keats temia. Apesar de Dawkins, Keats não parece ter tido grandes problemas com explicações científicas do arco-íris. Suas críticas foram dirigidas contra aqueles que negavam precisamente porque o arco-íris pode ser analisado cientificamente e não poderia ter nenhum significado simbólico ou imaginativo, tanto aumentando o anseio humano por um reino transcendente quanto insinuando meios de sua resolução.
Acho que é motivo de pesar que Dawkins não faça qualquer tentativa de empatia com Keats – para tentar entender o medo que Keats expressa e sua ressonância mais ampla na cultura ocidental. Keats reagiu contra uma forma de materialismo reducionista, que ele temia que roubasse a vida humana de seu propósito e significado. No entanto, há claramente um caminho intermediário aqui, o que nos permite afirmar a materialidade do nosso universo, permitindo que ele possa significar algo mais profundo. O esclarecimento de um mecanismo científico em nosso mundo não invalida nossas percepções do que isso pode significar.
Vou concluir voltando para a xilogravura que mostrei anteriormente. Como todos sabem, imagens, como textos, podem ser “lidas” e entendidas de maneiras diferentes. A maneira que Flammarion usa esta imagem sugere que ele queria ilustrar a ideia lendária de algum ponto misterioso no mundo quando os céus tocaram a terra. Mas talvez você e eu possamos interpretá-lo de uma maneira um pouco diferente. Podemos ver como a busca humana por significado. Continuamos ancorados ao mundo, mas sentimos que há algo que está além dele, do qual captamos, na melhor das hipóteses, apenas um vislumbre. Os filósofos renascentistas falavam da “música das esferas”, refletindo a harmonia do universo como um todo, que era visto como uma metáfora para alcançar um relacionamento equilibrado e significativo com nosso universo.
Os psicólogos têm notado como os seres humanos frequentemente buscam sentido tentando “transcender suas próprias preocupações ou experiências e conectar-se com algo maior”. Talvez essa imagem capture tanto essa busca humana por significado quanto sugira o possível papel de observar os céus ajudando-nos a conseguir isso.
leia mais em
https://www.cristaosnaciencia.org.br/observando-os-ceus-astronomia-e-o-sentido-da-vida/