Comumente conhecidas pelo mote 'sola ura' (só a Escritura), essas igrejas incorporam riqueza da tradição cristã.
Por Anna Keating*
Cresci em Colorado Springs, nos Estados Unidos, como uma garota católica na Nova Jerusalém evangélica. Além do Focus on the Family, igreja conservadora evangélica dos Estados Unidos, Colorado Springs é o lar de mais de 100 congregações evangélicas. Passei minha adolescência me defendendo contra os evangélicos que não acreditavam que seria salva ou que argumentavam que a liturgia e o ritual estavam mortos porque eram estereotipados ou rotineiros.
Por isso fiquei surpresa ao saber que a New Life Church, uma megaigreja evangélica não denominacional e carismática em Colorado Springs, com mais de 10.000 membros, abraçou recentemente liturgias mais tradicionais, bem como o trabalho de justiça social sem evangelização explícita. A New Life Church agora recita o Credo Niceno, usado pelos fieis como declaração de fé, oferece a Comunhão na maioria de suas células nas manhãs de domingo, ensina seus membros sobre o calendário litúrgico e tem um lar para mães solteiras carentes chamada Casa de Maria - como Maria, a mãe de Deus.
New Life Downtown agora conclui seu culto de domingo com uma bela versão a capela de uma doxologia anglicana, um hino de louvor à Trindade. As doxologias são encontradas em orações eucarísticas e devoções católicas como novenas e até no rosário, e são parte da história da Igreja. Contudo, quando foi a última vez que você ouviu uma doxologia cantada em uma Igreja Católica Romana? Na prática, muitas igrejas católicas romanas se tornaram cada vez mais low church - termo utilizado para definir as igrejas que dão pouca importância para os ritos.
Essas mudanças são notáveis porque a New Life é uma das megaigrejas mais importantes nos Estados Unidos. Em seus 34 anos de história, a ela tem sido uma congregação mais visível e politicamente mais ativa, que abraça o nacionalismo, a teologia da prosperidade e convida celebridades missionárias como Benny Hinn, que já esteve no Brasil. Seu pastor fundador, Ted Haggard, já foi assessor de George W. Bush. O presidente Bush, de fato, chamou-o para fazer cultos da New Life na Casa Branca. O pastor Haggard serviu como chefe da Associação Nacional de Evangélicos (depois de um escândalo, ele renunciou em 2006 e não é mais afiliado à New Life).
Hoje, o que está acontecendo na New Life é digno de nota, porque acontece em várias partes do mundo. Mais intrigante ainda, está acontecendo em megaigrejas evangélicas e antigas igrejas tradicionais iconoclásticas em todo o país. Quer se trate de um movimento do Espírito Santo em direção a uma maior unidade ou apropriação cultural em grande escala, as práticas católicas da velha escola estão presentes. Sim, aquele pastor protestante famoso está usando uma estola com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.
A New Life, nas suas raízes, é uma igreja “amiga dos que buscam”, visível em muitos lugares, agressivamente casual e extraordinariamente acolhedora. Uma mulher me diz: “Desde o primeiro momento em que entrei no auditório, me senti bem-vinda e valorizada. Há muita paz.” Uma tela grande no auditório diz: “Você está ótimo esta manhã. Estamos felizes por ter você conosco.☺”
As pessoas vêm e vão durante os cultos ou assistem-nos em seus computadores em casa. Você pode trazer seu café para o auditório. Um domingo de manhã, vi dois amigos tirarem uma selfie e fazer o upload para o Instagram durante o culto.
Antes da virada para práticas litúrgicas mais tradicionais em 2012, a típica experiência de adoração consistia em cerca de uma hora e meia de louvores e adoração musical, anúncios e exortações, um sermão sobre uma passagem bíblica escolhida ao acaso, mais louvor e adoração musical. E, então, algum tipo de chamada para o altar, uma oportunidade de subir e receber a benção por uma pequena equipe. Os serviços eram não litúrgicos e não tradicionais, mais focados no que os pastores sentem que o Espírito Santo está fazendo agora, do que na história da igreja, na teologia ou na formação de antigos gestos rituais, como ajoelhar-se ou o sinal da cruz.
Por décadas, o apelo de um estilo carismático de adoração foi forte, e essas igrejas cresceram de formas surpreendentes. Quem não deseja sentir-se bem-vindo, amado e experimentar o Espírito Santo de maneira transformadora? Até eu fui a um reavivamento na New Life quando estava no ensino médio e achei poderoso. Uma mulher pregou. Isso por si só me impressionou como uma garota católica. Estava escuro no auditório e havia uma máquina de fumaça, uma banda de adoração e centenas de jovens segurando suas mãos, dizendo o nome de Jesus e chorando.
Positiva, edificante e relevante
As megaigrejas são tipicamente conhecidas por suas experiências de adoração em shows, com lasers, máquinas de fumaça, bares de café expresso, bandas de culto cheias de jovens legais e um pastor vestindo jeans e camiseta pregando passagens curtas das Escrituras de uma maneira positiva, edificante e imediatamente relevante para a vida cotidiana. Há muito tempo que esse estilo atrai os fiéis, então por que fazer uma mudança agora?
Historicamente, muito do que é popularmente considerado o culto das megaigrejas carismáticas tem suas raízes no pentecostalismo, um movimento do século XX nativo dos Estados Unidos. Em 1906, liderado por William J. Seymor em Los Angeles, os membros do Reavivamento da Rua Azusa começaram a falar em línguas. A ideia de que o Espírito Santo frequentemente fala diretamente para e através de indivíduos ajudou a alavancar o movimento pentecostal no mundo todo.
Há diferenças entre os vários grupos, mas tipicamente esta vertente do cristianismo evangélico adota uma versão de sola scriptura, embora uma versão que muitos dos primeiros reformadores não reconheceriam, combinada com o dom de línguas como seu ponto de partida. George Marsden argumenta em sua história, Fundamentalismo e cultura americana, que o objetivo era “pôr de lado toda a tradição interveniente e retornar à pureza da prática do Novo Testamento. Somente a Bíblia deveria ser um guia… O indivíduo ficou sozinho diante de Deus”. Nenhum credo além da Bíblia. Isto apesar do fato de que o cânon do Novo Testamento não foi totalmente estabelecido até quase 400 anos após a morte de Jesus.
Em megaigrejas e igrejas bíblicas menores, a Escritura é entendida como inspirada e sem erro, ela é a autoridade final e a regra da fé. A Bíblia sozinha é suficiente e está em oposição direta a qualquer tipo de autoridade humana (como os padres da Igreja ou a Tradição) que não surge do Espírito Santo falando diretamente a um indivíduo com uma mensagem que pode ser confirmada nas Escrituras. A primeira linha da declaração de fé da Associação Nacional de Evangélicos diz: "Acreditamos que a Bíblia seja inspirada, ela é a única palavra infalível e com a autoridade de Deus". Eles acreditam que antigos gestos rituais, sacramentos e orações rotineiras como o rosário entraram posteriormente na história como formas de oração, na melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses, eles são ídolos para serem desprezados.
A aceitação na fé não exige o batismo, mas sim uma simples admissão de fé. Quando estava no ensino médio, os pregadores de rua me diziam: “A Bíblia é a palavra de Deus. Jesus é o filho de Deus. E se você o aceitar como seu salvador, sua salvação estará 100% assegurada”. Parecia um campo da Amway. Poderia ser salva na calçada antes do sexto período de aulas - não era necessário um catecumenato longo e chato.
Este conceito de um indivíduo com uma Bíblia que está sozinho diante de Deus versus uma pessoa que precisa em uma igreja e de práticas para ajudar a mediar a graça de Deus, representa uma divisão profunda e real que tem consequências sobre como os evangélicos se veem em relação a grupos mais tradicionais. Recentemente, em 2006, o Wheaton College, o mais prestigioso colégio evangélico da América, demitiu o professor Joshua Hochschild por ter sido recebido na Igreja Católica Romana.
Como resultado dessas diferenças históricas, assim como as que experimentei pessoalmente, fiquei fascinada quando entrei no New Life Downtown e o pastor, vestindo jeans descolados, estava de pé atrás de um altar com as mãos elevadas dizendo uma versão de uma oração eucarística. O pentecostalismo tem suas próprias práticas espirituais incorporadas, mas receber o “corpo e sangue” de Cristo, como Jesus instruiu na noite anterior à sua morte, não costuma estar no topo da lista.
Simon Scionka, um ex-ministro da juventude evangélica, deixou sua megaigreja para se juntar à Igreja Ortodoxa da América, na qual é agora diácono. “Quando estava crescendo, tivemos um culto de Comunhão duas vezes por ano”, diz ele. "Mas não foi visto como importante”. Suco de uva e bolachas em copos de plástico individuais. Nenhum ato penitencial. Nenhuma oração eucarística. Nada de "Eis o Cordeiro de Deus"
Um movimento em direção à tradição
A New Life não está sozinha em sua mudança para uma culto mais tradicional. A Village Church, uma megaigreja Batista do Sul em Flower Mound, Texas, com mais de 14.000 membros, tem Matt Chandler como seu pastor. Seu sermão, distribuído através de podcast é frequentemente um dos três principais podcasts cristãos no iTunes. Os batistas do sul têm sido historicamente antirituais, antilitúrgicos e até anticatólicos. Quando eu era ainda uma criança, os batistas do sul se definiram de muitas maneiras em oposição a Roma. Hoje, a Village Church observa um calendário litúrgico (Advento, Natal, Epifania, Quaresma, Páscoa, Pentecostes), recita o Credo dos Apóstolos e jejua durante a Quaresma.
A Willow Creek, uma megaigreja perto de Chicago com mais de 24.000 membros, oferece agora um culto de estilo litúrgico tradicional. A Mars Hill, fundada por Rob Bell em Grand Rapids, Michigan, em 1999, redescobriu o Credo Niceno, o calendário da Igreja e a importância da comunhão semanal. Também decidiu limitar os efeitos especiais. Em seu santuário, um antigo shopping center, agora há uma cruz de madeira caseira e um altar com toalhas que são trocadas para combinar com a cor dos tempos litúrgicos. A New Life em Colorado Springs também diminuiu, mesmo retornando a um modelo paroquial. Agora, tem seis locais além do campus principal. O reverendo Glenn Packiam, pastor do New Life Downtown, diz: "Nem todo mundo quer ir a um prédio gigante aos domingos".
A Epiphany Church, outra megaigreja na área de Dallas/Fort Worth, Texas, usa incenso e velas toda semana, pega suas leituras do lecionário comum católico e faz seus membros recitarem orações antigas em uníssono e de memória. Depois das leituras da Escritura, você ouve: “Palavra do Senhor” e “Graças a Deus”.
Por que agora?
Por muitas razões, esses cristãos não estão, parafraseando o beato John Henry Newman, mergulhando na história e deixando de ser protestantes. Então, por que esse ressurgimento evangélico está acontecendo agora? Por que as megaigrejas e exdenominações principais iconoclastas estão se parecendo mais com as paróquias católicas em termos de liturgia e práticas que algumas católicas, atrasados para a festa como de costume, imitando evangélicos e construindo igrejas com telões que mais parecem consultórios de dentistas suburbanos do que o lugar do encontro entre céu e da terra?
Em alguns casos, é fruto da conversão sincera. Para alguns pastores de megaigrejas, o movimento em direção à liturgia e à Tradição tem a ver com o desejo de ir mais fundo na formação de suas congregações na fé. O escritório do pastor Packiam está cheio de livros que reconheço: N. T. Wright, James Martin, S.J., o Livro Anglicano de Oração Comum. Enquanto fala, não posso deixar de pensar que o pastor Packiam é um diácono ou padre católico. Ele é gentil, inteligente, apaixonado por sua fé e gracioso. O pastor Packiam desempenhou o papel decisivo em trazer coisas antigas para a New Life, como um culto de Sexta-Feira Santa que termina em silêncio.
O desejo do pastor Packiam por algo mais profundo veio de um período doloroso na história da New Life. Depois que o pastor Haggard caiu em desgraça em 2006, o pastor disse: "Fiquei preocupado com a forma como o culto evangélico destacava um indivíduo no centro de tudo", o pastor celebridade. Ele começou a ler livros de autores como Henri Nouwen e Eugene Peterson: “Percebi que algo estava faltando em nossa adoração; e que esse algo era a Eucaristia, era a sacramentalidade”. Ele olhou para as igrejas anglicanas, ortodoxas e presbiterianas, mas decidiu ficar e ajudar sua congregação com o “recurso da Tradição”. Para ele, “este é um movimento do Espírito em direção à profundidade teológica e à historicidade”.
Para outros, tem a ver mais com a sobrevivência. As megaigrejas são grandes empresas com muitas pessoas na folha de pagamento, e parte da mudança é sobre o marketing, a autoridade da marca, a escolha do consumidor e a retenção. Você quer um culto contemporâneo? Nós oferecemos isso. Você quer algo mais tradicional? Nós também temos isso.
O pastor Packiam diz: “A New Life Downtown é o lugar onde as pessoas foram para fugir das correntes evangélicas. Por isso, a New Life tende a atrair pessoas que podem estar esgotadas em alguma superficialidade dos cultos da igreja que não se conectam com a teologia. Quando rezamos com o Credo Niceno, sentimos conectamos com a história; ele diz: "Não estamos inventando essas coisas..." Quando dizemos: "Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo", isso move as pessoas.
As pessoas podem se divertir em dispositivos 24 horas por dia; não precisam de uma igreja para isso. Elas precisam de uma igreja para o silêncio, a reverência, a comunidade, a sabedoria antiga, a oportunidade de estar ao serviço, a presença real de Deus. As megaigrejas perceberam que muitos estão saindo para encontrar isso em outro lugar.
Oitenta por cento da congregação da Santa Igreja Ortodoxa Theophany, também em Colorado Springs, são convertidos de origens evangélicas e protestantes. Seu padre, o reverendo Anthony Karbo, tornou-se cristão por meio da participação na Young Life, uma organização nacional de jovens evangélicos sediada em Colorado Springs. Ele diz: “Como protestante, conheci a Cristo. Na Igreja Ortodoxa, conheci o restante de sua família, incluindo sua mãe”. A ortodoxia tanto desafia quanto atrai porque sua liturgia não mudou muito desde o século IV e nem seus ensinamentos. Ao contrário da Igreja Católica, ela não tentou parecer menos pagã, menos estrangeira, menos estranha.
Eric Jewett, diácono da Igreja Ortodoxa e ex-pastor da juventude da Igreja Metodista Livre, diz: “Na igreja antiga, encontrei a plenitude da fé como ela havia sido vivida e preservada desde o tempo de Cristo e seus apóstolos”.
O Diácono Scionka, o ex-ministro da juventude evangélica, descreve-se apaixonado por seu estilo de culto: “Meu histórico é centrado na Bíblia, o que me levou a pensar que o culto litúrgico era extra bíblico, mas na realidade é muito bíblico. Todo o culto é sobre as Escrituras e centra-se na nossa unidade em Cristo. Ele me fez reviver”. Scionka chora descrevendo seu primeiro Natal na Igreja Ortodoxa.
“No final da vigília de Natal, esse lindo e maravilhoso culto à luz de velas, ocorreu-me que esta foi a primeira vez na minha vida que fui à igreja para o Natal e estava realmente celebrando o nascimento de Cristo”, disse . “Nenhuma grande performance. Sem distrações. Apenas um espaço de oração escuro, lindo e à luz de velas, tudo sobre Cristo”.
Alguns ex-evangélicos usaram as igrejas vibrantes como um ponto de partida, eventualmente partindo para as comunhões ortodoxas, anglicanas ou presbiterianas. Para muitos, deixar as denominações evangélicas para o catolicismo significava perder carreiras, até mesmo familiares e amigos. Ken Craycraft, um teólogo que foi recebido na Igreja Católica com base na Igreja de Cristo, ele diz: “em certos segmentos das correntes evangélicas americanas, incluindo a Igreja de Cristo, tornar-se católico é pior do que se tornar um ateu, e digo isso sem ironia porque você não está apenas dizendo que renunciou à crença; você está abraçando o mal, você está abraçando o anticristo descrito no Apocalipse".
Com exceção do Sr. Craycraft, ninguém que entrevistei para este artigo chegou a considerar o catolicismo. Em parte, isso foi por causa da doutrina. Maria e os papas permanecem como esquisitices para muitos. Em parte, foi por causa da crise de abuso sexual por membros do clero. E apesar do interesse em algumas tradições católicas, muitos sentiram que nossas missas e a vida paroquial ainda não eram convincentes.
É fácil encontrar católicos e protestantes que estão famintos por algo menos superficial, mais desafiador e mais corporificado do que a típica experiência americana de fé. Muitas paróquias católicas também poderiam se beneficiar de um renovado interesse pela arte, pela música e pela arquitetura sagrada que moldaram a imaginação católica por milênios. Como a Igreja Católica continua trabalhando para manter as pessoas e atraí-las para a fé, seria bom lembrar que a atração da tradição pode ser cativante, mesmo ou talvez especialmente para a geração dos millennials, que é famosamente interessada nos velhos tempos, desde coleções de discos até antiguidades. Se a corrente evangélica e da "nova geração" tem sido, em parte, sobre tornar a igreja legal, ironicamente, não há nada mais legal do que uma primeira edição, e a Igreja Católica é a opção mais antiga.
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