3.Cadernos de Um Revolucionário (abaixo)
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Gramsci, Intelectuais e Educação (link)
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Cartas do Cárcere (link)
Resumo de Cadernos do Cárcere Vol.1 (link)
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Juízes facistas não o calaram (link)
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Wikipédia (link)
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Gramsci, Intelectuais e Educação (link)
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Resumo de Cadernos do Cárcere Vol.1 (link)
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Juízes facistas não o calaram (link)
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On-line version ISSN 1806-9053
Rev. bras. Ci. Soc. vol.17 no.48 São
Paulo Feb. 2002
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092002000100016
1.Cadernos de um revolucionário
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do
cárcere, 6 vols. Edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1999-2002.
Ivete
Simionatto
"Americanismo e fordismo", um
dos mais instigantes textos da obra de Antonio Gramsci, publicado pela primeira
vez no Brasil na década de 1960, chega novamente até nós com o quarto volume da
nova edição dos Cadernos do cárcere. Esse tema contempla uma
das mais brilhantes análises sobre o fenômeno americano como forma extrema de
"revolução passiva" e de regulação das relações humanas e sociais.
Como processo de organização do trabalho, o americanismo não busca rearticular
apenas o mundo da produção. Imbrica-se, também, na esfera da reprodução da vida
social, já que o controle do capital não incide somente na extração da
mais-valia, mas implica, ainda, no consentimento e na adesão das classes à nova
ideologia. A hegemonia que "nasce da fábrica", escreve Gramsci,1 é acompanhada por uma "moral
dos produtores" e por uma "ética do trabalho", destinadas a
produzir formas de passividade e adaptação das classes trabalhadoras às
estratégias de dominação capitalistas.
Escrito por Gramsci em 1934,
"Americanismo e fordismo" aparece originalmente no caderno de número
22 e integra a produção do último período em que permaneceu no cárcere. Durante
os anos de reclusão, Gramsci preencheu 33 cadernos escolares, dos quais 29
compõem a primeira edição de sua obra publicada na Itália, entre 1948 e 1951. O
responsável pela organização do material desta edição inaugural foi Palmiro
Togliatti, companheiro de Gramsci na batalha contra o fascismo. Togliatti
agrupou os escritos carcerários por temas, a partir dos seguintes títulos: Il
materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce; Gli
intellettuali e l'organizzazione della cultura; Il Risorgimento; Note
sul Machiavelli, sulla politica e sullo Stato moderno;Letteratura e vita
nazionale e Passato e presente.
Essa primeira tentativa de organização
dos textos de Gramsci, conforme observa Carlos Nelson Coutinho,2professor titular de teoria política da
UFRJ e tradutor das obras de Gramsci no Brasil, mesmo com todas as indicações e
advertências contidas nos prefácios e nas apresentações, induz à falsa noção de
que Gramsci, ao longo do período em que passou no cárcere, tenha se dedicado a
escrever sobre temas variados em seis diferentes livros.
Essa chave de leitura somente será
superada a partir de 1975, quando os escritos carcerários de Gramsci são
publicados na Itália em sua integralidade, pelo Instituto Gramsci, com a edição
crítica dos Cadernos do cárcere, em quatro volumes. Organizada por
Valentino Gerratana, essa edição apresenta a produção gramsciana na forma como
foi exposta nos cadernos. Foram excluídas as traduções, os apontamentos, as
minutas de cartas e todo o material não relacionado ao trabalho teórico.
No Brasil, a primeira tradução da obra
gramsciana ocorreu na década de 1960, por iniciativa de Coutinho, Leandro
Konder e Luiz Mário Gazzaneo. A decisiva coragem de Ênio Silveira proporcionou,
entre 1966 e 1968, a publicação, pela Editora Civilização Brasileira, de parte
dos títulos da edição temática togliattiana, paralisada pela radicalização do
regime militar.
Em 1966, foram publicados Concepção
dialética da história (que por problemas de censura não manteve o
título original: II materialismo storico e la filosofia di Benedetto
Croce) e um volume das Cartas do cárcere, que continha parte da
edição de Sergio Caprioglio e Elza Fubini, publicadas na Itália em 1965. Em
1968, é a vez de Os intelectuais e a organização da cultura, Literatura
e vida nacional e Maquiavel, a política e o Estado moderno.
Constava ainda do projeto original de divulgação das obras de Gramsci no Brasil
a publicação dos textos II Risorgimento e Passato e
presente, não traduzidos devido ao recrudescimento da censura após a
promulgação do AI-5.
A reedição dos volumes desse projeto
editorial só irá ocorrer na segunda metade da década de 1970, quando se começa
a discutir no país o chamado processo de "distensão", e, posteriormente,
de "abertura" político-democrática. Nesse contexto, os textos de
Gramsci contribuíram de forma decisiva na análise do quadro sociopolítico que
se delineava com a crise da ditadura militar, o tensionamento entre a ordem
estabelecida e a luta pela democracia, a reinserção dos movimentos da sociedade
civil na arena política, bem como a introdução de uma inovadora concepção de
socialismo junto aos segmentos de esquerda.
Assim, se na década de 1960, período de
sua primeira tradução, as idéias de Gramsci não tiveram grande repercussão no
Brasil, entre os anos de 1970 e 1980, quando a crise do regime autoritário e do
modelo econômico-social por ele imposto começam a explicitar-se abertamente,
sua obra passa a receber um tratamento mais coerente e sistemático, tanto no
âmbito acadêmico quanto na esfera da política.
Desvendado no texto e no contexto,
autores de diversos campos do conhecimento elegeram Gramsci como o pensador
privilegiado na revisão de aportes teóricos e no rompimento com matrizes conservadoras
que ganharam força nos tempos da ditadura. Tornou-se referencial singular e
fonte inspiradora de trabalhos nas áreas de educação, sociologia, ciência
política, antropologia, serviço social, direito, ciências da religião, entre
outras, que buscaram, em seu contexto particular, articular a fecundidade e a
universalidade das categorias gramscianas, seja na prática investigativa, seja
na transformação dos processos sociais.
Essa ascensão meteórica, contudo, não
impediu que tanto a primeira edição italiana quanto a brasileira sempre
suscitassem calorosos embates, semeando controvérsias e indagações,
desconsiderando-se, muitas vezes, as circunstâncias e as condições históricas
no momento em que foram projetadas. Seria esse o verdadeiro Gramsci? Hoje, passados
mais de meio século de sua publicação na Itália e quase quarenta anos no
Brasil, pode-se reafirmar, ainda que se reconheça seus limites, a
inquestionável importância dessa edição, seu inegável valor histórico, teórico
e político, imprescindível na organização das edições posteriores.
A edição completa dos Cadernos
do cárcere começou a ser publicada pela primeira vez no Brasil em
1999, organizada por Carlos Nelson Coutinho, incansável e persistente
divulgador da obra de Gramsci, com a colaboração de Marco Aurélio Nogueira,
professor livre-docente da Unesp e Luiz Sérgio Henriques, editor da revista
eletrônica Gramsci e o Brasil. Considerado hoje o maior
especialista em Gramsci no Brasil, Coutinho consolida, nesta edição, a
vitalidade de um pensamento que sobreviveu a diferentes conjunturas e continua
sendo referência para os segmentos de esquerda do mundo todo, empenhados na
construção de um outro projeto civilizatório.
A nova tradução brasileira dos Cadernos pode
ser considerada um projeto inédito, uma vez que articula tanto elementos da
edição temática togliattiana quanto da edição crítica de Gerratana. Esses dois
critérios de organização dos escritos carcerários de Gramsci, que tornaram
possível a divulgação de seu pensamento em diversos continentes, fornecendo
caminhos fecundos no repensar do debate marxista e das estratégias políticas da
esquerda, vêm sendo acrescidos de novos elementos por intérpretes do pensamento
gramsciano. O filólogo italiano Gianni Francioni sugere uma edição dos Cadernos
do cárcere em que sejam agrupados separadamente"3 os "cadernos miscelâneos"
sobre temas variados, cujos títulos aparecem repetidamente em vários cadernos
e os "cadernos especiais" referem-se à reelaboração de apontamentos
presentes nos "cadernos miscelâneos". Vale lembrar que essa
metodologia já havia sido adotada na edição crítica de Gerratana, segundo as indicações
do próprio Gramsci, mas nesta os cadernos "miscelâneos" aparecem
intercaladamente, respeitando a ordem em que foram escritos.
A presente edição brasileira optou por
outra alternativa metodológica: reproduz os "cadernos especiais" tal
como se encontram na edição de Gerratana, mantendo os mesmos critérios de
numeração dos cadernos e das notas "miscelâneas". Estas, no entanto,
são agrupadas em cada "caderno especial" de acordo com o tema
tratado, conservando a ordem cronológica e a numeração utilizadas na edição
italiana. Este critério, conforme esclarece Coutinho",4 oferece ao leitor de língua
portuguesa a junção dos elementos positivos das duas edições italianas: da
velha edição temática, conserva as vantagens de uma maior acessibilidade
imediata aos textos gramscianos; mas, ao mesmo tempo, coloca à sua disposição
os instrumentos que lhe permitem desfrutar do rigor filológico próprio da
edição de Gerratana".
O projeto brasileiro apresenta a obra
de Gramsci em dez volumes. Os Cadernos do cárcere, especificamente,
compreendem seis volumes: 1) Introdução ao estudo da filosofia. A
filosofia de Benedetto Croce; 2) Os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo; 3) Maquiavel. Notas sobre o Estado e a
política; 4) Temas de cultura. Ação católica. Americanismo e
fordismo; 5) O Risorgimento italiano. Notas sobre a história da
Itália; 6) Literatura. Folclore. Gramática. Abrange, ainda,
dois volumes sobre os Escritos políticos, de 1910 a 1920 e de 1921
a 1926, e dois volumes das Cartas do cárcere. Além da diferente
organização do material, esta nova edição contém inúmeros textos ainda não
publicados no Brasil.
O primeiro volume, publicado em
dezembro de 1999, contém os cadernos 10 e 11. O caderno 10,
dedicado à Filosofia de Benedetto Croce, traz à cena o diálogo de Gramsci com
um dos maiores representantes do liberalismo italiano. Estrutura,
superestrutura, ideologia, filosofia, hegemonia, intelectuais, história e
política, objetividade e subjetividade, individual e coletivo, necessidade e
liberdade, são categorias presentes nesta interlocução com o napolitano Croce,
reafirmando o esforço de Gramsci em recuperar a teoria social de Marx e
traduzi-la como filosofia da práxis. No caderno 11, o autor desenvolve uma
longa polêmica com Bukharin, a partir da obra intitulada A teoria do
materialismo histórico manual popular de sociologia marxista, chamada por
Gramsci de "Ensaio popular de sociologia". Neste debate, desencadeia
uma pesada crítica ao economicismo e ao marxismo vulgar decorrentes da Segunda
Internacional, bem como à sociologia, nascida no berço do positivismo. Gramsci
defende o marxismo como uma filosofia da história, um pensamento aberto, não
determinado a priori. "A filosofia da práxis escreve ele é
o historicismo absoluto, a mundialização e terrenalidade absoluta do
pensamento, um humanismo absoluto da história."5 Vários cadernos miscelâneos
complementam este volume, trazendo temas fundamentais que revelam ser a
história "um contínuo e progressivo fazer-se."6
O volume 2, lançado em 2000, versa
sobre os intelectuais, o princípio educativo e o jornalismo. Congrega os
cadernos 12, 24 e 28, nos quais Gramsci apresenta uma nova concepção de
intelectual, a partir do lugar e da função que este desempenha num determinado
processo histórico, propondo que seu "modo de ser não pode mais consistir
na eloqüência, força motriz exterior e momentânea dos afetos e das paixões, mas
numa inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, persuasor
permanente."7 O papel revolucionário dos
intelectuais no diálogo com as camadas populares e na função da cultura como
forjadora da liberdade constitui-se o cerne das reflexões destes cadernos.
Os cadernos 13 e 18 integram o volume
3, também publicado em 2000, apresentando uma contribuição fundamental à
teorização do partido político o "moderno príncipe", o "condottiero",
expressão da vontade coletiva e uma análise da política a partir da
interlocução com a obra de Maquiavel. Encontramos, ainda, neste volume, a
brilhante análise do pensador sobre a correlação de forças, novas reflexões
sobre Estado e hegemonia, Oriente e Ocidente, guerra de movimento, guerra de
posição e revolução passiva, categorias que se configuram no epicentro das
reflexões gramscianas de todo o período carcerário.
Além do caderno 22, que trata de "Americanismo
e Fordismo", conforme já indicou-se, o volume 4, publicado em 2001,
congrega também os cadernos 16, 20 e 26, que abordam temas relativos à esfera
da cultura, condição necessária ao processo revolucionário, o tema da Ação
Católica e o peso secular da Igreja na determinação da visão de mundo e do modo
de pensar das massas populares.
O volume 5, por meio do caderno 19,
aborda o Risorgimento italiano, clássico exemplo de revolução
passiva. O volume 6, a ser publicado em 2002, tratará dos temas relativos ao
folclore, à literatura e à gramática, incluindo, ainda, a apresentação de um
índice analítico dos principais conceitos gramscianos e um sumário detalhado de
todos os cadernos.
Os dois volumes sobre os Escritos
políticos, de 1910 a 1920 e de 1921 a 1926, previstos para publicação em
2002, tornarão possível o acesso às principais elaborações do jovem Gramsci,
textos de extrema riqueza e documentos excepcionais, que traçam um itinerário
político e intelectual decisivo não apenas da história da Itália, mas também da
realidade européia. A militância política, as reflexões sobre o papel dos
partidos, dos sindicatos, do movimento operário em geral, aparecem aqui como
temas centrais para pensar a revolução socialista.
As Cartas do cárcere completarão,
em 2003, o projeto editorial da nova edição, por meio de dois volumes.
Contrapondo-se à velha edição brasileira, que contém apenas 223 cartas, a nova
edição incluirá todas as cartas carcerárias de Gramsci descobertas até o
momento, cerca de 500 cartas. Além disso, mesmo as já publicadas em português
serão novamente traduzidas e anotadas. As cartas constituem uma preciosa chave
para a leitura dos Cadernos, oferecida por Gramsci sem
intencionalidade, ferramenta metodológica fundamental à compreensão do caminho
percorrido ao longo das reflexões carcerárias. Num diálogo mais consigo mesmo
do que com seus interlocutores diretos, o pensador vai, dialeticamente,
descrevendo a sua trajetória e traçando a sua autobiografia política,
intelectual e moral.
Este magnífico projeto editorial dos Cadernos
do cárcere, resultado de um rigoroso trabalho de pesquisa, aliado a uma
tradução impecável, representa, sem dúvida, um marco no pensamento social
brasileiro. A reedição da obra de Gramsci, reafirmando seu aporte categorial
rigorosamente dialético-marxista e seu projeto revolucionário de sociedade,
constitui-se uma contribuição inestimável, não apenas no plano das idéias, mas
também no plano da ação política, e, sobretudo, referência obrigatória àqueles
que buscam a construção de uma sociedade radicalmente democrática.
Pensador comunista, o autor dos Cadernos espalhou
por todos os continentes a idéia de revolução contra o status quo,
não pautada em sonhos e ideais, mas na construção paciente, ação tenaz e
combativa, processo contínuo que necessariamente se renova e se transforma.8 Sua profunda reflexão sobre o
capitalismo, o poder político e a opressão nos instiga a permanecer abertos ao
novo, que, de maneira contínua, irrompe na história, voltando brutalmente nossa
atenção para o presente tal como é, se se quer transformá-lo. Seu pensamento
não se dirige, apenas, aos homens do século XX, mas continuará como era seu
desejo für ewig, ou seja, para sempre. Eternizado em sua
obra, permanecerá como um importante e imprescindível referencial, pelas luzes
que lança sobre a discussão da política e das instituições, num momento em que
se esfumam as crenças no Estado, na política e na própria esquerda. Enfim,
quando carecemos, mais do que nunca, de uma verdadeira "reforma
intelectual e moral".
Notas
1 Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere,
vol. 4, edição de Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
2001.
2 Idem, vol. 1, 1999.
3 Idem, p. 12.
4 Idem, p. 44.
5 Idem, p. 155.
6 Idem, p. 256.
7 Idem, p. 53.
8 V. Gerratana, "A reforma gramsciana
da política", Revista Presença, São Paulo, 17, nov., 1991, pp.
57-63.
IVETE SIMIONATTO é professora titular
do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa
Catarina.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000100016