18.07.2017, 21:08
UM “ATAQUE CIBERNÉTICO” CONTRA O ORGANISMO
Perturbadores endócrinos são substâncias químicas encontradas em produtos que usamos no dia a dia. Interferem no funcionamento normal dos hormônios humanos e podem ter efeito nocivo sobre a saúde e a reprodução. Às vezes confundidos com os cancerígenos ou por seu impacto sobre a fertilidade, os perturbadores endócrinos abarcam uma gama muito extensa de patologias.
Perturbadores endócrinos são substâncias químicas encontradas em produtos que usamos no dia a dia. Interferem no funcionamento normal dos hormônios humanos e podem ter efeito nocivo sobre a saúde e a reprodução. Às vezes confundidos com os cancerígenos ou por seu impacto sobre a fertilidade, os perturbadores endócrinos abarcam uma gama muito extensa de patologias.
Por: Tristan Vey – Le Figaro Santé
1 – O que é um perturbador endócrino?
“Se um veneno tradicional age como uma bomba no organismo, um perturbador endócrino (ou PE) se parece mais com um ataque cibernético”, explica Robert Barouki, biólogo e toxicologista da Universidade de Paris-Descartes. Os PE, com efeito, perturbam o sistema de comunicação do corpo humano, o chamado sistema endócrino, que permite aos órgãos dialogar entre si através dos hormônios. Existem diferentes modos de perturbação que vêm “confundir” a comunicação: um PE pode parecer um hormônio, atuar como ele, e ativar os mesmos receptores; também pode, inversamente, inibir esses mesmos receptores e impedir a difusão da mensagem hormonal; ele pode, por fim, perturbar a boa síntese dos hormônios ou dos receptores que eles ativam.
2 – Efeitos muito diversos
Como os PE perturbam o sistema hormonal, eles são frequentemente assimilados apenas aos produtos que provocam efeitos deletérios sobre a fertilidade, o desenvolvimento e os órgãos reprodutores. “Historicamente, eles foram descobertos desse modo, por seus efeitos nefastos sobre o tamanho dos órgãos sexuais dos aligátores ou a mudança de sexo de moluscos em lagos poluídos”, esclarece Robert Barouki. “Mas os hormônios interferem em várias outras áreas. Acredita-se hoje que os PE estão implicados em uma gama enorme de patologias crônicas, tais como o diabetes e a obesidade. Eles também têm um efeito nefasto sobre o desenvolvimento cognitivo, podendo favorecer o desenvolvimento de certos cânceres ou explicar em parte a recrudescência de alergias por perturbações introduzidas no sistema imunológico”.
3 – Uma definição mais ou menos estrita.
A Organização Mundial da Saúde definiu os PE como “substâncias ou misturas de substâncias de origens naturais ou artificiais estranhas aos organismos que podem alterar as funções do sistema endócrino e dessa forma induzir efeitos deletérios à saúde de um organismo intacto ou de seus descendentes”.
“Poucas substâncias englobam todos esses critérios”, previne Barouki. “Anos podem se passar, até mesmo décadas, para que se consiga estabelecer uma ligação de causalidade definitiva entre uma perturbação do sistema endócrino e uma dada patologia. Existem, em revanche, centenas de moléculas mais ou menos fortemente suspeitas. Quando observamos uma molécula se ligar a um receptor hormonal no laboratório, podemos com certeza nos inquietarmos com a sua possível toxidade. Falamos então de um perturbador endócrino potencial”.
4 – Alguns exemplos
O bisfenol A, por exemplo, é emblemático. Utilizado para envernizar o interior de latas ou recipientes para conservas, ele também serve para o fabrico de plásticos duros e transparentes... como aqueles das mamadeiras. Trata-se de um perturbador endócrino já bem reconhecido na França e, agora, também já em boa parte da Europa. Tóxico para o sistema reprodutor, trata-se de um estrógeno-mimético: ele se fixa sobre os mesmos receptores que os estrógenos, um hormônio sexual feminino primário.
Os PE potenciais ou já confirmados estão em toda a parte: ftalatos nos plásticos moles, retardadores de chamas de materiais bromados inflamáveis (existentes em todos os aparelhos eletrônicos, os aviões, etc), compostos perfluorados de revestimentos anti-adesivos, dioxinas emitidas pela combustão do lixo doméstico (hoje, em grande parte filtrado), PCB utilizados como isolantes nos transformadores (sua fabricação foi paralisada na França, mas esses materiais são extremamente persistentes e duráveis na natureza, de modo que todos nós continuamos expostos), pesticidas organoclorados onipresentes, parabenos (classe de produtos químicos conservantes muito utilizados em cosméticos), etc. “Existem também compostos naturais que imitam os estrógenos em certos vegetais como a soja”, acrescenta Robert Barouki. “Mas não estou totalmente convencido de que tenham efeitos nocivos para a saúde. Existem questionamentos, é verdade, mas nada foi ainda completamente comprovado”.
A exposição não é idêntica em função das moléculas e do seu uso. “O bisfenol A utilizado no para-choques de um carro não apresenta o mesmo risco que aquele que existe na mamadeira de uma criança”, observa o toxicologista. “É preciso não fazer uma salada de tudo isso, e sobretudo usar o bom senso”.
5 – Uma temporalidade complexa
IAnos podem se passar entre a exposição a um perturbador endócrino e o desenvolvimento de uma doença. “Uma exposição durante o desenvolvimento do feto pode induzir uma doença anos mais tarde”, lembra Robert Barouki. “Na maior parte do tempo, é necessária uma exposição prolongada para que efeitos nefastos sejam observados. Em certos casos, é a acumulação de PE nos tecidos que desencadeia finalmente uma patologia. Em alguns casos, será preciso que várias gerações se sucedam para que os efeitos finalmente apareçam. Tudo isso torna a questão dos perturbadores endócrinos muito complexa para se estudar”.
6 – Nem sempre a dosagem faz o veneno
Aumentar as concentrações de um perturbador endócrino nem sempre reforça o seu efeito. Em certos casos, um PE é mais nefasto a fracas doses. Outras vezes, é uma dose intermediária que provoca o efeito mais pronunciado. “Cada caso é diferente do outro”, lembra Robert Barouki. “Isso torna muito difícil a definição de um limite aceitável. Mas é preciso não generalizar. Existem também casos em que a dosagem é claramente proporcional ao efeito. É desejável então reduzir a exposição da população a essa molécula sem esperar maiores confirmações: .
7 – Um efeito coquetel complicado para analisar
“Existem 100 mil moléculas artificiais utilizadas na indústria, sem contar as moléculas naturais”, lembra Robert Barouki. “Podemos imaginar o número astronômico de associações potenciais que isso induz. É impossível testar todas elas”. A ação de certos perturbadores endócrinos vai se juntar à de outras substâncias, potencializando-as. Em outros casos, a interação de outras substâncias faz com que uma anule a outra. Certos PE só desencadeiam uma patologia quando eles estão associados entre si... “Mas toda essa complexidade não deve fazer com que renunciemos. É razoável se pensar que a ação de dois PE que agem da mesma maneira irão se somar. Isso pode significar um ponto de partida para determinar os limites com inteligência”.
Video:
https://www.brasil247.com/pt/saude247/saude247/307085/Perturbadores-end%C3%B3crinos-Um-%E2%80%9Cataque-cibern%C3%A9tico%E2%80%9D-contra-o-organismo.htm